domingo, 20 de abril de 2014

Princípio da Precaução, herbicidas e plantas transgênicas

Paulo Paes de Andrade, Depto. Genética/ UFPE (abril/2014)

Frequentemente nos deparamos com críticas aos órgãos de avaliação de risco do Governo (ANVISA e CTNBio) quando liberam o uso comercial de um agrotóxico ou de um transgênico. Entre os argumentos empregados como elemento de crítica está o “Princípio da Precaução”, que não seria seguido pela maioria dos membros que compõem estes órgãos. Outro argumento frequentemente empregado é o de que o brasileiro está sendo intoxicado de praguicidas e que a opinião pública pediria um controle muito mais rígido, quiçá mesmo o banimento, dos agrotóxicos. De forma menos intensa e com menos participação do público está a questão do uso das plantas transgênicas e de alimentos formulados com elas.
Uma abordagem de precaução depende não apenas de determinações legais, mas também da percepção do risco por parte dos reguladores, dos legisladores e dos grupos de poder dentro da sociedade. No texto a seguir, dividido em vários itens que serão disponibilizados no protal em sucessão, discuto a forma complexa como o risco é percebido e como esta percepção define políticas e ações em relação aos transgênicos e aos agrotóxicos.

Do princípio da precaução, do risco e da percepção do risco
Frequentemente lemos e ouvimos que, em caso de dúvidas sobre o nível de um risco, devemos evitar assumi-lo. Este seria o “princípio da precaução” intuitivo, que empregamos no dia a dia e que refletiria a “aversão ao risco” que todos nós teríamos, por natureza. Mas será que voluntariamente nunca corremos risco? Será que as leis, decretos, normas, regulamentos, procedimentos operacionais e todo um universo de instruções usam este princípio de precaução extremamente restritivo?
O dia a dia envolve riscos, que corremos voluntária ou involuntariamente. Qualquer atividade, mesma a lúdica, envolve riscos: apreciar a natureza num belo jardim pode significar ser atacado por insetos ou mordido por um cachorro bravo, fugido da mão de um dono incauto. Ir e voltar ao trabalho, subir ao apartamento de elevador, cortar bifes, tomar remédios, pegar um sol na praia, tudo tem riscos. O uso de qualquer equipamento traz riscos também, mesmo o ubíquo celular. E qualquer tecnologia tem riscos: a capina com enxada, o emprego de tratores no campo, o parto de cócoras, as ondas de rádio, o ultrassom, os raios X, a geração de imagens na televisão, a navegação por satélites, a exploração de petróleo, a nano- e a biotecnologia, a antibioticoterapia, a vacinação, o uso de lambedores e remédios da medicina tradicional, enfim, uma lista infindável de atividades modernas e antigas. Até mesmo não fazer nada ou não usar qualquer equipamento ou ferramenta também traz seus riscos... Onde fica, então, o “princípio da precaução”, quando todas as atividades humanas e todos os produtos trazem riscos embutidos?
Intuitivamente entendemos que a precaução deve ser maior onde parece haver riscos que não compreendemos bem ou que não conseguimos controlar. Esta é uma abordagem sábia, indiscutivelmente. Entretanto, nunca estaremos inteiramente seguros do nível dos riscos, mesmo para ações muito bem estudadas e para produtos longamente avaliados: há sempre um nível de incerteza e aí entra em cena a percepção do risco. Esta percepção não é derivada exclusivamente do conhecimento do produto ou da atividade, mas advém de uma composição de temores que estão na cabeça de cada um de nós. Assim, a percepção do risco é algo individual, que não acompanha necessariamente as razões dadas pela experiência com o produto ou com a atividade acumulada pelos demais cidadãos. Numa sociedade moderna, a comunicação de risco tem um papel fundamental na formação da percepção de risco na cabeça de cada um de nós e, para cada produto e atividade, há uma legião de opositores que podem ter mais ou menos influência na formação da percepção de risco no nível social, dependendo de seu controle sobre o agendamento da mídia.
Se a percepção de um risco real é complexa, muito mais complexa é a percepção de riscos não antecipados, isto é, de um potencial de riscos que não puderam ser avaliados com o conhecimento que se dispõe sobre o produto ou a atividade. No âmbito jurídico a falta de elementos de análise pode determinar uma decisão que usa o “princípio da precaução” para redução de possíveis danos advindos dos riscos não antecipados. No nível social, entretanto, as incertezas e a falta de conhecimento são menos importantes do que a ideologia dos grupos de poder na determinação da percepção deste tipo de risco. Para ser mais preciso, a ideologia molda a percepção de risco dos grupos sociais e do indivíduo, enquanto elemento destes grupos, independentemente do tipo de risco, isto é, se o risco é conhecido e mensurado ou se há a possibilidade concreta de riscos não antecipados.
A forma complexa como se plasma a percepção de risco leva a graves distorções entre aquilo que é percebido como risco e aquilo que de fato representa riscos. A figura abaixo ilustra bem este esta contradição, neste caso tomando como exemplo a percepção pública norte-americana.

Figura 1: Percepção de risco entre norte-americanos (círculos acima da linha) e seu real risco (abaixo da linha). O diâmetro do círculo representa a magnitude do risco, segundo a percepção e segundo a avaliação concreta.

Na postagem seguinte comento especificamente como os agrotóxicos se encaixam neste cenário.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Comentários sobre: "CTNBio ignora impactos da aprovação de transgênicos"

Na página do MST está uma entrevista com perguntas bem dirigidas, feitas ao Leonardo Melgarejo. Vale a pena uma leitura e merece comentários (vão os meus para vocês). É curioso como a turma da agroecologia e da agricultura familiar e campesina (seja lá o que isso significa) mete o pau nos membros da CTNBio. Aqui o Melgarejo evitou isso e só critica a própria Comissão e a forma como ela trabalha. Bravo.

Texto original em preto, comentários meus em vermelho, links em azul.

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Desde 26 de março, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) tem um novo presidente. O professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) Edivaldo Domingues Velini, que entrou na comissão em outubro de 2013, foi indicado pelos outros membros para assumir a direção do órgão.

A escolha gerou preocupação para organizações e movimentos sociais do campo (estas organizações têm nome: AS-PTA, MST, Terra de Direitos seus parceiros), pois o presidente declarou em 2011, em entrevista no site da Monsanto, que “ainda não há um herbicida que possa ser comparado ao glifosato em termos de segurança de uso e benefícios para o agricultor”. A preocupação foi tão grande que não houve votos contrários ao nome indicado nem qualquer pronunciamento dos membros da CTNBio que normalmente se posicionam contra a maioria... Além disso, caro Leonardo, qual é o herbicida mais seguro hoje? A enxada? Nem ela: se todos tivéssemos que voltar à capina, o número de acidentes seria muitíssimo maior (veja http://genpeace.blogspot.com.br/2014/03/sobre-enxadas-e-agrotoxicos-jumentos-e.html ).

E acrescentou que “não há o que contestar sobre uma tecnologia que alcança este nível de aceitação em escala mundial [que é produzido em] quantidade suficiente para tratar 1 bilhão de hectares de lavouras”. O que o Edivaldo comenta sobre agrotóxicos deriva do longo trabalho dele nesta área. Na CTNBio o assunto não é tema e não foi na Comissão que ele comentou esta questão.

Para Leonardo Melgarejo, engenheiro agrônomo que participou por seis anos da CTNBio, a escolha do novo presidente não levou em conta a dinâmica da comissão.

“É surpreendente que o atual presidente tenha entrado na CTNBio e já assumido a presidência. É como se ele tivesse entrado para ser presidente, como se deixasse de ser relevante para a CTNBio o presidente ter vivência dentro da comissão para mediar as relações que lá ocorrem”. O atual presidente tem uma enorme experiência administrativa e uma igualmente impressionante experiência acadêmica. Deixemos que o tempo dê razão à Plenária da CTNBio ou aos opositores da biotecnologia

Em entrevista à Página do MST, Melgarejo discute o impacto que as decisões tomadas pela CTNBio tem na sociedade, analisa como a proximidade de muitos de seus membros com setores do agronegócio é perigosa para a soberania do país e critica a forma com que a comissão libera transgênicos.

“Os membros da CTNBio estão tomando decisões que tem consequências políticas, sociais e ambientais brutais, mas se comportam como se fossem produtos neutros, que pudessem ser analisados olhando exclusivamente a composição genética, uma parte da planta que é jogada no mercado”. A CTNBio é um órgão técnico que tem por lei a missão de avaliar riscos dos transgênicos, mais nada (veja a lei 11.130  de 2005 - http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/11992.html ). A Comissão tem que ser neutra em relação à tecnologia. Quem pode e deve fazer esta análise, por lei, é o Conselho Nacional de Biossegurança. Se o Melgarejo e os demais indivíduos e associações pensam que as consequências da tecnologia são graves, não devem encher o saco da CTNBio, e sim do CNBS. Minha sugestão: oficiem a Casa Civil, que tem a presidência do CNBS, e exijam que se reúnam e analisem a situação. Vamos ver o que acontece.

Confira a entrevista:

Quais as funções do presidente da CTNBio?

O presidente coordena as relações lá dentro, media as discussões e representa o conjunto para a sociedade. Ele também é o responsável por consultar o grupo sobre temas importantes, colocar em plenária as discussões, o que nem sempre é feito em tempo. O que o presidente deve fazer está no regimento da CTNBio. Está no portal da Comissão (http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/12005.html)   e não carece ser reinterpretado pelo Melgarejo, nem neste parágrafo nem nos seguintes.

Por ser uma balança entre as posições do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Saúde, Meio Ambiente e do outro lado o Ministério da Agricultura, o presidente deve ser isento. Portanto o presidente da CTNbio deve ser alguém com vivência lá.

É surpreendente que o atual presidente tenha entrado na CTNBio e já assumido a presidência. É como se ele tivesse entrado na CTNBio para ser presidente.

Nos poucos momentos em que esteve lá, ele talvez tenha tido alguma dificuldade de interpretar as várias correntes de pensamento que circulam lá dentro e o acúmulo de acordos estabelecidos ao longo dos anos de como interpretar as normas da CTNBio. Tem várias nuances que exigem vivência, que é mais importante para o presidente do que para os membros comuns.

É como se deixasse de ser relevante para a CTNBio o presidente ter vivência para mediar as relações que lá ocorrem. Não é que ele não tenha competência para isso, talvez até tenha, mas é importante conhecer o que ocorre dentro da CTNBio para presidir a comissão. Para finalizar:  houve uma quase completa renovação dos membros da CTNBio e os mais experientes ou estão indo embora ou já o fizeram. Os poucos que sobraram não queriam ou não podiam assumir o cargo.

Como a proximidade de muitos membros da comissão com as empresas do agronegócio afeta as decisões tomadas na CTNBio?

Dentro da CTNBio, tem pessoas radicalmente confiantes nos transgênicos, tem pessoas radicalmente refratárias a essa tecnologia, e um grupo de pessoas com dúvidas em relação a esta tecnologia e seus impactos. Independentemente da confiança que se tenha na tecnologia, a obrigação de cada membro é fazer uma avaliação caso a caso. Isto significa que as avaliações anteriores ajudam nas novas, mas não as dispensam. Está errado o membro que pensa ser seguro qualquer OGM, como também está errado aquele que imagina que nenhum deles pode ser seguro. Sugiro a leitura do nosso texo sobre avaliação de risco: http://genpeace.blogspot.com.br/2013/09/guia-para-avaliacao-do-risco-ambiental_687.html .
Sempre pode haver riscos, mas se eles forem julgados como negligenciáveis pela maioria da comissão, esta será a decisão e os que forem votos vencidos devem procurar melhores argumentos nas próximas avaliações, e não ficar reclamando da “inconsistência” da maioria.

Em tese, a CTNBio deveria ser composta em sua maioria dessas pessoas que querem entender melhor, e tendo dúvidas, examinam com cautela todos os processos, levando a segurança em conta. Mas não é isso que acontece. Não acontece na opinião do Melgarejo. Os que lá estão (veja a composição da CTNBio: http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/2251.html ) procuram entender em profundidade as questões de risco e agem com cautela, sim: leem dezenas de artigos, fazem visitas técnicas, discutem com colegas no mundo todo. As demais questões, como o impacto social da tecnologia, se há alternativas a ela, se vamos ficar reféns das multinacionais ou vamos destruir a agricultura familiar ao adotar a tecnologia, nada disso tem lugar  como tema de discussão na CTNBio. A prova de que os membros agem com cautela é que as decisões da CTNBio são iguaizinhas às decisões de suas agências irmãs pelo mundo afora: OGTR, EFSA, EPA, FSANZ, etc.( http://genpeace.blogspot.com.br/2014/03/a-ctnbio-nao-decide-diferente-dos.html ), exceto naquilo que só foi avaliado pela CTNBio (o mosquito GM, por exemplo).

Mas o grupo majoritário na CTNBio acredita que os estudos feitos pelas próprias empresas defendendo os transgênicos são suficientes. O que não é verdade: os membros da comissão estão tomando decisões que tem consequências políticas, sociais e ambientais brutais, mas se comportam como se fossem produtos neutros, que pudessem ser analisados olhando exclusivamente a composição genética, uma parte da planta que é jogada no mercado.  Primeiro, é uma grossa mentira  dizer que o grupo majoritário se satisfaz apenas com o que as companhias apresentam (mentira repetida nos blog contra os OGM e que metem o pau na CTNBio). Nada disso: os membros escavam toda a literatura científica, consultam os pares e só concluem se houver um razoável nível de certeza. Podem subsistir incertezas, mesmo que elas estejam ligadas a risco (o que nem sempre acontece), desde que as probabilidades de ocorrência de dano sejam remotas. Quem está de fora da CTNBio pode até acreditar nisso, mas o Melgarejo e eu, que estivemos lá seis longos anos, sabemos que isso não é verdade. Ele deve se lembrar de um parecer que ele mesmo trouxe, uma vez, com uma centena de artigos citados, e da réplica que fiz, com outra centena de artigos, além de uma reinterpretação dos que ele mesmo citou. Não havia nada das empresas ali...

É um reducionismo absurdo, pois despreza todas as relações que esse produto tem com outros organismos. A comissão centra sua análise na genética e diz que “este gene gera esta proteína, e olhando essa proteína não causa problemas”.

Essa análise não leva em conta que essa proteína permite que a planta tome um banho de veneno, que ela não tomaria caso a proteína não estivesse lá. E nos testes não se aplica o veneno; o transgênico é consumido de uma forma não produzida no mundo real. Primeiro, esta história de “banho de veneno” já encheu o saco e é mais uma conversa mole repetida ad nauseam: a quantidade de herbicida que pode ser aplicada na lavoura é regulada por lei. Além disso, ninguém vai dar banho de herbicida porque vai ter um enorme prejuízo: herbicida não se compra a preço de banana. Terceiro, o produto colhido será testado em algum momento na cadeia de venda e será rejeitado. Ficar repetindo esta ladainha é uma forma de engambelar o público. Quanto ao tal reducionismo,  a lei pede que a CTNBio faça avaliação de risco, que é EXCLUSIVAMENTE BIOLÓGICA. A análise de risco, que envolve os aspectos citados acima por ele, é incumbência do CNBS, como comentado antes e da ANVISA e do MAPA, no caso dos agrotóxicos. Acho muito pertinente a leitura dos textos que escrevi anos atrás sobre isso (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/05/maioria-e-reducionismo-na-ctnbio.html e também http://genpeace.blogspot.com.br/2012/05/transgenicos-metodo-cientifico-politica.html ) .

Além disso, os testes são de curto prazo, não levam em conta as transformações realizadas ao longo da vida do animal. A forma como a segurança alimentar de um alimento formulado com plantas GM é testado está especificada pelo Codex Alimentarius (http://www.codexalimentarius.org/input/download/standards/11023/CXG_068e.pdf para plantas)e as empresas e a CTNBio seguem estas recomendações internacionais. Além disso, a experimentação animal no Brasil é pautada pelas recomendações do CONCEA (http://www.comissao.ufra.edu.br/ceua/attachments/article/76/Diretrizes%20CONCEA%202013%20(1).pdf ), que requer a redução dos animais de experimentação e sua substituição por outros sistemas de avaliação, coisa que todos devemos fazer, evidentemente. Quem quiser,  que vá se queixar ao bispo.

São falhas grandes no processo de análise: as plantas são testadas em condições ótimas nos laboratórios, e nenhum ambiente real é ótimo. Vão existir condições de estresse nesses ambientes, e os membros da CTNBio deveriam exigir testes em todos os biomas, nas condições reais. Primeiramente, não tem cabimento estas argumentações, porque embora possam existir diferenças biológicas em função de estresses, elas não foram julgadas importantes para a questão de risco. Afinal, avaliação de risco NÃO É CURIOSIDADE CIENTÍFICA, mas deve se ater às questões relevantes ao risco (Leiam o guia que está no link alguns parágrafos acima). Em segundo lugar, nem a lógica nem a lei pedem avaliações em todos os biomas! Esta é mais uma das cantilenas que a turma que se opõe cegamente a toda e qualquer biotecnologia derivada da engenharia genética fica repetindo. Desafio a qualquer um deles que mostre lei, decreto, resolução ou norma que obrigue isso.

Os membros da CTNBio também desconsideram alertas de pesquisas que surgem em outros países, mostrando que podem haver problemas novos. Afirmava-se quando entrei na comissão que as proteínas BT, que matam lagartas, seriam destruídas no intestino, não sobrevivendo à digestão.

Mas a proteína foi encontrada no sangue de bebês, passando pelo fio da placenta. Que problema isso pode causar no bebê? Nós não sabemos, pois não temos estudos com animais prenhos comendo milho transgênico. É inacreditável que o Melgarejo ainda considere válido o trabalho bizarro e cheio de gravíssimas falhas experimentais que afirma ter encontrado estas proteínas circulando no plasma e, ainda por cima, cruzando a barreira placentária. Não vou nem me dar ao trabalho de comentar mais. Vejam a notícia ainda em 2011 e meus comentários http://www.radioagencianp.com.br/9872-toxina-transgenica-e-encontrada-no-sangue-de-mulheres-e-fetos; se tiverem paciência, leiam o artigo, uma coleção de erros metodológicos ímpar, que faz os artigos do Séralini parecerem boa ciência).

Então quando se faz um estudo daqueles no qual os ratos, alimentados com milho transgênico, apresentam câncer depois de 90 dias, nós percebemos que damos alimentos com esse milho na papinha das crianças, que isso entra no organismo pelas placentas, isso nos preocupa e constrange por perceber que dentro da CTNBio, onde boa parte dos membros deveria se pautar pela dúvida, o grupo majoritário se pauta pela confiança, e a confiança não ajuda no progresso da ciência, o que ajuda é a dúvida. Não é nada disso: o grupo majoritária segue as recomendações internacionais, que são as do Codex, neste caso. Basta ler o que elas dizem: é tão complexo estudar alimentos completos que os testes com animais pouco ou nada dizem e por isso a avaliação de riscos é feita com aquilo que é diferente entre uma planta GM e uma convencional, não transgênica. O tal estudo de ratos com câncer é uma bobagem feroz e está comentado mais abaixo.

O governo brasileiro favorece o modelo do agronegócio. As posições da CTNBio não estão de acordo com essa visão do governo?

A influência do agronegócio resulta numa posição mais imediatista em relação a estes temas. Passa a ser mais importante uma safra do que as decisões que afetam o longo prazo.

Um exemplo bom é o da lagarta Helicoverpa armigera, que apareceu no Brasil quando o milho BT ocupou a maior parte das lavouras e fez desaparecer outras espécies de lagartas. O sumiço destas fez desaparecer seus predadores, a Helicoverpa surgiu e ficou fora de controle. Uma bobagem: o controle da lagarta, no agronegócio, sempre se fez majoritariamente com inseticidas, os predadores naturais pouco papel tinham nisso. De toda forma, a única forma das plantas Bt reduzirem o predador natural seria eliminando a lagarta, alimento do predador, Ora, eliminar a lagarto é tudo o que a agricultura precisa. Logo, todo o argumento do Melgarejo desce pelo ralo: acaso os agricultures deveriam deixar uns 10 ou 20% dos seus milhos e soja infestados de lagartas só para manter um hipotético predador andando, gordo, pelas lavouras?

Para controlar a nova praga, o governo autorizou importar um veneno que é comprovadamente danoso para o sistema nervoso dos humanos. Foi tomada uma decisão no interesse de salvar uma safra comprometida, usando um veneno danoso, contrariando recomendações da Anvisa. O veneno é usado em todo lugar do Mundo onde existe a H. armigera. É evidente que ele é danoso ao homem, se for bebido, injetado ou usado como loção, mas se aplicado corretamente, será perfeitamente seguro (riscos muito baixos, ainda que não nulos).

O que não quer dizer que não existam questionamentos ou posições contrárias por parte do governo. Os Ministérios da Saúde, Meio Ambiente, o Conselho Estadual de Segurança Alimentar (Consea) tem posições contrárias, e as representantes do Ministério da Agricultura na CTNBio, apesar de votarem a favor da liberação de transgênicos, fazem pareceres coerentes e apresentam questionamentos e argumentos para serem debatidos.

Há um bloco alinhado pedindo estudos quando estes são insuficientes, e pelo que vi até hoje, os estudos sempre são insuficientes. Parece até uma atitude de birra pedir mais estudos, mas de fato são necessários mais estudos em todos os casos. Eu não acredito que, se reavaliássemos qualquer transgênico liberado no Brasil de forma independente, a avaliação com base nos dados que temos permitiria aprovação. É perfeitamente válido pedir mais estudos, se eles trouxerem mais informações sobre questões de risco. Adicionar mais informações científicas que não tenham este fim não ajuda nada. Por exemplo, adicionar montes de dados de proteômica, transcriptômica e outras técnicas high throughput não contribui para a compreensão de riscos. Fazer experimentos em tudo que é canto do Brasil com milho ou soja não contribui com nada porque, ao final, os campos de milho e soja acabam sendo muito parecidos, ou não vão produzir adequadamente. A fauna visitante pode ter diferenças, mas elas raramente são relevantes ao risco. Os estudos adicionais pedidos pelo grupo minoritário raramente trazem esclarecimentos às questões de risco ou a questão já foi suficientemente esclarecida, no entendimento dos demais.
Quanto a tal avaliação “independente”, seria feita por quem? Pelo MST? Pela AS-PTA? Os estudos feitos nas universidades e centros de pesquisa não são independentes? Todos os pesquisadores pagam obrigação aos orixás das multinacionais? A que orixás pagam obrigação a AS-PTA, o MST e a turma de “experts” que orbita no MDA e no MMA, em cargos de confiança, sem serem concursados e sequer sem um CV no Lattes? Duvido que alguém me responda, mas eu não deixo de perguntar. Se tiverem interesse, leia um texto antigo meu: http://genpeace.blogspot.com.br/2013/05/transgenicos-e-financiamento-de.html . Este assunto será retomado mais adiante.

E tomara que eles estejam certos e nós errados, que a nossa preocupação seja ingênua e boba. Infelizmente o acúmulo de informações vem demonstrando cada vez de maneira mais consistente que eles estão errados, e não sei porque não admitem o erro. O acúmulo de informações existe, mas a qualidade dos artigos é terrível: são os Séralini, os Malatesta, os Mezzomo, os Ariz, os Heinemann, as Carman, e por aí vai, cada um pior do que o outro. O exemplo emblemático é o artigo do Séralini com ratos com tumor, discretamente comentado pelo Melgarejo uns parágrafos acima (http://genpeace.blogspot.com.br/2013/11/sepultando-um-zumbi-o-artigo-cientifico.html )

Por que não há maior participação da sociedade nas reuniões da comissão?

As sessões da CTNBio são em tese abertas para a sociedade. Mas como os agricultores e organizações não tem o patrocínio que as empresas tem, apenas os representantes das empresas acompanham presencialmente as decisões, movimentações e discussões que ocorrem lá dentro e exercem uma pressão nas pessoas que votam. Conversa mole: os “representantes” dos pequenos agricultores estão sempre por lá, quando não são membros da própria CTNBio. Além disso, sempre que interessava à oposição, a CTNBio era invadida por ativistas fantasiados de milho, de Dilma e de outras coisas, fora meninas grávidas, gente com enxada e estrovenga, mendigos e o escambau. Todo mundo sabe disso, está nas mídias sociais.

Mesmo que essa pressão não consiga ser medida, é claro que há interesses em jogo e os ficais destes interesses estão lá olhando como votam as pessoas que decidem seus interesses. E a pressão das invasões à CTNBio, perpetradas pelos ativistas do Greenpeace (nos tempos em que esta instituição ainda não tinha jogado a toalha), por políticos em caça de votos e por “organizações” sociais?

Uma maneira de resolver isso é se a sociedade pudesse acompanhar as plenárias da CTNBio, onde são tomadas as decisões. As reuniões abertas deveriam ser transmitidas pela internet, porque aí uma liderança de movimento social poderia acompanhar de qualquer lugar do país. Beleza: teria audiência zero, porque há poucas coisas mais áridas que uma reunião setorial da CTNBio ou, pior ainda, a Plenária. E, de toda forma, a reunião sairia do ar toda vez que se discutisse um assunto confidencial, dos quais existem muitos. É uma sugestão inteiramente insensata. Muito mais sensata seria a transmissão ao vivo das reuniões do COPOM ou do CONSEA, com uito mais audiência e compreensão por parte do público. Dou minha alma ao capeta se isso acontecer.

Essa transparência é necessária. Se o que é discutido lá é para a segurança da sociedade, por que não mostrar? Por que discutir com portas fechadas e apenas com o agronegócio assistindo? Ué, mas as portas estão abertas, o próprio Melgarejo acabou de dizer acima! Deve ser erro da entrevista, naturalmente.
Como não dá para fazer a coisa online, sugiro que o proponente e todos os milhares de simpatizantes da causa se cotizem para ter uns cinco a quinze representantes em todas as reuniões da CTNBio. Ou peçam ajuda aos órgãos de governo que financiam a pequena agricultura e a agroecologia. Os os que financiaram as várias invasões da CTNBio.
Agora, as pautas, atas, decisões e tudo mais, estão disponíveis no site da CTNBio. Duvido que encontrem a mesma transparência no MDA, no IBAMA e nos demais  opositores de CTNBio.

Existem divergências entre os interesses das empresas?

Sim. Quando eu me posiciono contra o 2,4D, que é um veneno mais perigoso para a sociedade do que o glifosato, a Monsanto gosta, porque o milho e soja tolerantes ao 2,4 D vão substituir os tolerantes ao glifosato. Então na defesa da sociedade, de se protejer do veneno, o que acontece na prática é que apoiamos outro veneno que já foi aprovado e não vai ser reavaliado.

Sempre que surge um veneno novo, mesmo a CTNBio preocupada com a defesa da sociedade termina atuando como elemento de proteção das empresas que já aprovaram seus produtos. Isso deveria ser rediscutido.  Tolice completa: a CTNBio não delibera sobre agrotóxicos.

A bancada ruralista apresentou uma proposta para criar uma comissão similar a CTNBio para a aprovação de agrotóxicos. Como você vê essa proposta?

Seria um desserviço muito grande à segurança alimentar e ambiental. Comprometeríamos ainda mais os acordos que o Brasil faz. Recentemente a China devolveu grãos com resíduos de agrotóxicos; a Rússia não quer mais importar transgênicos. Se abrirmos esse espaço para que as empresas tenham uma incidência maior do que é produzido, aumenta nossa vulnerabilidade e diminui nossa capacidade de competição autônoma no mercado internacional. Vejo isso como uma ameaça a ser evitada.

A CTNBio não é um exemplo a ser seguido para se criar uma comissão que tome decisões a respeito de segurança. Essa comissão pretende apenas viabilizar uma aprovação mais rápida de produtos que deveriam ser analisados de forma mais lenta e cuidadosa. A agilidade serve aos interesses do negócio, não da segurança do país.
Não é assunto de avaliação de risco de OGM, portanto não é assunto meu neste blog, embora possa ser em outros fóruns. Mas faço um mea culpa: de vez em quando eu comento sobre agrotóxicos e espero que não diga bobagem (procuro ajuda dos universitários, claro, antes de postar).

Como a CTNBio deveria ser para atender aos interesses da sociedade?

Ela deveria ser apoiada por um órgão público que financiasse estudos independentes e checasse os estudos feitos pelas empresas. Deveria obrigar as empresas a não apresentar somente os dados médios da produtividade de um produto novo, e sim mostrar os dados brutos e como se chegou a este número. A ideia de um Instituto de Avaliação de Risco já foi trazida antes à CTNBio, muitos anos atrás. Mas me diga, Melgarejo, se ele for público, como o são as universidades e centros de pesquisa, como será independente? Ou há dois tipos de órgãos públicos, os que são acadêmicos (e vendidos ao capital das multinancionais) e o que você propõe, a ser povoado pelos “independentes” do NEA ou por outros experts a serviço da agroecologia e, claro, “independentes”?

Deveria possibilitar reavaliações periódicas quando novos estudos surgissem. Ter uma composição mais equilibrada, preocupada com o ambiente, com a saúde e não só com a tecnologia em si. A sociedade precisa ter uma participação maior, com reuniões abertas, transmitidas, e deveria haver audiências públicas para todos os casos polêmicos. Quem quiser consultar a composição da CTNBio, é só olhar no site e na lei, já mencionados acima. Há poucas comissões mais ecléticas. Agora, lembre-se: a comissão tem que fazer avaliação de risco biológico, nada mais. Por isso, se vier alguém representando os assentados do Vale do Acarau, a pessoa tem que ter as bases de genética molecular, genética de populações, fisiologia celular, uma base de toxicologia, etc., etc., humildade para aprender com os colegas, treino científico profundo e vontade de aprender a fazer avaliação de risco. Fica difícil entender o que um advogado, um sociólogo ou um historiador possam contribuir à discussão, ainda que tenham treinamento científico nas suas áreas, a menos que tenham feito pós-graduação nas áreas de interface com os assuntos mencionados acima. Então, é como o milho plantado em diferentes biomas... não importa de onde ele veio, será sempre um milho, que é o que a moenda da CTNBio precisa. Se trouxerem sorgo, trigo ou urucum, não dá nada que preste. Curiosamente, tem uns grãos e sementes deste tipo lá, é só conferir a composição.

A comunidade acadêmica, as organizações ambientais, de defesa do consumidor, deveriam ter representação, e a CTNBio deveria funcionar como uma instância consultiva. Que o consenso de todas as participações gerasse uma recomendação que fosse avaliada por uma instância superior que decidisse e levasse em conta todos os aspectos políticos envolvidos. Vai ser preciso mudar a lei...mobilize-se a bancada ecológica, pois. E já há a instância superior, é o CNBS, o próprio Melgarejo  reconhece no próximo parágrafo. Como já sugeri, vão lá futucar o Conselho, porque cabe a eles uma resposta às preocupações sociais. Sobre a questão de avaliação de risco, entretanto, não existe corpo técnico melhor para fazê-la, nem no Brasil nem no Mundo.

Na lei de biosegurança está previsto essa instância superior, que é o Conselho Nacional de Biosegurança (CNBS), que deveria avaliar a importância e a recomendação de liberar ou não da CTNBio.

Esse conselho não se reuniu uma só vez durante o tempo que estive na CTNBio. Se reuniu ao longo da história três ou quatro vezes, e simplesmente referendou as decisões da CTNBio, que como é hoje, atua como uma instância deliberativa, e a decisão tomada lá não é contestada. Vale o que já disse três vezes: peguem a AS-PTA, O MST, a Terra de Direitos e as mais de 30 outras associações que sempre co-assinam os documentos metendo o pau na CTNBio e vão lá na Casa Civil pedir que se suspenda a comercialização de todos os transgênicos no Brasil por questões socio-econômicas. Lembrem-se, meus caros críticos: o CNBS não vai reavaliar o trabalho da CTNBio. E não se esqueçam de chegar lá chutando o balde: afinal, o CNBS
 nunca rejeitou um produto aprovado pela CTNBio, mesmo quando chamado à fala pela ANVISA e/ou IBAMA.

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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Mosquito transgênico: documento oficial da CTNBio esclarece a avaliação de risco e declara que o processo atende as normas para liberação comercial EXTRATO DE PARECER TÉCNICO Nº 3.964/2014 - DOU Seção 1, no. 71, 14 de abril de 2014

Dois dias úteis após a decisão da CTNBio em reunião plenária (veja notícia), o EXTRATO DE PARECER TÉCNICO Nº 3.964/2014 que resume as informações do processo já foi publicado no Diário Oficial da União. Segue o extrato. Sobre ele marcamos a cores algumas informações importantes, que estão comentadas mais abaixo.

O Presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio, no uso de suas atribuições e de acordo com o artigo 14, inciso XIX, da Lei 11.105/05 e do Art. 5º, inciso XIX do Decreto 5.591/05, torna público que na 171ª Reunião Ordinária da CTNBio, realizada em 10 de abril de 2014, a CTNBio apreciou e emitiu parecer técnico para o seguinte processo:
Processo nº: 01200.002919/2013-77
Requerente: Oxitec do Brasil Participações Ltda.
CQB: 357/13
Próton: 28300/13
Assunto: Solicitação de Parecer para Liberação Comercial de
Organismo Geneticamente Modificado
Extrato Prévio: 3676/13 publicado em 15/07/13
Decisão: DEFERIDO
O responsável legal da instituição solicitou à CTNBio parecer técnico referente à biossegurança para liberação comercial da linhagem OX513A de Aedes aegypti, geneticamente modificada para expressar um traço letal condicional e um gene marcador fluorescente com a finalidade de controle do Aedes aegypti, o mosquito vetor do vírus da dengue. A requerente afirma que o presente pedido não contém informações confidenciais. Dois genes foram introduzidos no mosquito OX513A. O primeiro é o tTAV, um sistema de ativação da transcrição controlado por tetraciclina constituído a partir de DNA sintético baseado em uma fusão de sequências da bactéria Escherichia coli e do vírus herpes simples. Altos níveis de expressão deste fator de transcrição, que ocorre na ausência de tetraciclina, confere letalidade celular. O segundo gene introduzido no mosquito é o gene marcador DsRed2 da espécie de coral marinho Discosoma. A expressão deste gene produz uma proteína fluorescente vermelha, e no mosquito OX513A ocorre nos estágios de desenvolvimento. A estabilidade da construção foi amplamente demonstrada na documentação. A biologia do Aedes aegypti favorece a biossegurança deste produto. Embora ainda não exista uma experiência com a liberação comercial deste OGM, há um conjunto considerável de informações pertinentes advindas da liberação planejada deste mosquito em outros países e no Brasil. Os dados apresentados confirmam o que a biologia do mosquito e as alterações fenotípicas advindas da transformação genética sugerem: não parece haver qualquer impacto do OX513A no ambiente. Após a liberação comercial, o monitoramento será feito nos locais de liberação da linhagem OX513A, em três pontos representativos, usando armadilhas para avaliar a população de Ae. aegypti e a proporção da população portadora do transgene OX513. Podemos concluir, portanto, com base em todas as evidências apresentadas pela proponente, na literatura pertinente e em nossa avaliação de risco que o mosquito Ae. aegypti OX513A não apresenta riscos adicionais ao meio ambiente, aos seres humanos e aos animais quando comparado à mesma espécie não geneticamente modificada. Somos, portanto, de parecer favorável à sua liberação. No âmbito das competências dispostas na Lei 11.105/05 e seu decreto 5.591/05, a CTNBio concluiu que o presente pedido atende às normas e legislação pertinentes que visam garantir a biossegurança do meio ambiente, agricultura, saúde humana e animal. A CTNBio esclarece que este extrato não exime a requerente do cumprimento das demais legislações vigentes no país, aplicáveis ao objeto do requerimento. A íntegra deste Parecer Técnico consta do processo arquivado na CTNBio. Informações complementares ou solicitações de maiores informações sobre o processo acima listado deverão ser encaminhadas por escrito à Secretaria Executiva da CTNBio.
EDIVALDO DOMINGUES VELINI



Comentários GenPeace

1. Em amarelo há uma breve descrição da construção genética, das proteínas expressas e suas funções. Em cinza uma súmula da avaliação de risco e em verde a indicação de que outras informações complementares podem ser pedidas por escrito à CTNBio. Esta última frase do parecer remete à transparência e ao acesso à informação, uma marca da CTNBio.
Em laranja há a declaração de que não há dados confidenciais no processo, o que é uma prática crescente entre as empresas.

2. A CTNBio, com base em todas as evidências apresentadas pela proponente, mas também na literatura pertinente e na própria avaliação de risco concluiu que o mosquito Ae. aegypti OX513A não apresenta riscos adicionais ao meio ambiente, aos seres humanos e aos animais quando comparado à mesma espécie não geneticamente modificada. Observe o leitor que o risco analisado não é o da tecnologia ou se ela vai funcionar, mas apenas o impacto do OGM diretamente no meio ambiente. Até a empresa indicou que o mosquito GM será usado para controlar a população de A. aegypti, sem referência ao controle da dengue. É evidente que, se controlarmos o mosquito, controlamos a dengue, mas cada etapa tem sua demonstração e seus atores específicos.

3. Em tempo: desde 2009 a Instrução Normativa SDA no. 26 (MAPA) proíbe o uso de tetraciclina como aditivo alimentar para a criação do que quer que seja no país. Assim, o antibiótico só será usado para o tratamento de alguma infecção. Além disso, a droga é rapidamente metabolizada e muito instável no ambiente.

Divagações como a que ouvimos na leitura do parecer de vistas são absurdas e em nada ajudam a compreensão dos riscos e tampouco dos benefícios da tecnologia.

sábado, 12 de abril de 2014

Mosquito transgênico para controle da Dengue: argumentos insensatos no lugar de avaliação de riscos

Réplica ao parecer dado por pedido de vistas, lido na reunião plenária da CTNBio no dia 10 de abril de 2014
Ao final da reunião foi aprovada a liberação comercial da variedade OX513a do Aedes aegypti, produzido epla empresa britânica Oxitec.

Logo antes da votação pela CTNBio da liberação comercial do mosquito transgênico um dos seus membros pediu vistas ao processo. Dificilmente se poderia deixar de ficar impressionado com a quantidade de informações distorcidas e argumentos sem base na ciência que foram por ele então trazidos à CTNBio.

Não interessam ao público e talvez nem mesmo aos membros da CTNBio as questões processuais, uma vez que elas são sempre detalhes menos importantes da questão principal: há riscos na liberação destes mosquitos ou não? Se há, quais são?

Portanto, vou me fixar nesta parte da questão, que é o hardcore da avaliação de risco, e vou seguir os passos consagrados da avaliação de risco. Procederei em duas etapas: na primeira, considerarei que toda a tecnologia funciona exatamente como previsto, e na segunda vou discriminar onde pode haver falhas na tecnologia e o que elas representam em termos de riscos novos.

Avaliação de risco
A sinopse da história é a seguinte: os mosquitos transgênicos (Aedes aegypti, transmissores do vírus da dengue e de outras enfermidades) carregam um gene de letalidade condicional, isto é, morrem se não puderem beber água com uma quantidade importante de tetraciclina. O antibiótico é fornecido a eles na “biofábrica”, mas não está disponível na Natureza, uma vez que este antibiótico é artificial. No processo de produção dos insetos, as pupas de machos podem ser separadas das fêmeas e só machos serão depois liberados, nas campanhas de controle. Os machos cruzam com as fêmeas na área de liberação, morrem depois de alguns dias e toda a sua prole também morre, antes mesmo de sua metamorfose para adultos alados. Isto leva a uma redução drástica da população do mosquito e também impede o “escape” dos transgenes para a população selvagem de Aedes aegypti. Como só machos são liberados, os seres humanos não interagem efetivamente com estes mosquitos transgênicos liberados.
Se tudo funcionar exatamente como está descrito acima, quais os riscos?
Muito bem, o que queremos proteger no ambiente urbano onde vivem os A. aegypti e onde serão liberados os mosquitos transgênicos? Os alvos de proteção são o ser humano e seus animais de criação e companhia e alguns animais silvestres urbanos valorados (sabiás, por exemplo, mas seguramente não ratos ou baratas). Não faz sentido dizer que queremos preservar um ecossistema que pudesse ser destruído pela presença transitória do mosquito transgênico, porque o impacto de uma população de mosquitos de tão curta duração, por mais numerosa que seja, seguramente será nulo. Resta então encontrar rotas cientificamente embasadas que pudesse levar a danos aos seres humanos ou a animais urbanos diretamente causados pelos mosquitos transgênicos nos seus poucos dias de vida pela cidade.
Ora, se o mosquito transgênico (macho) nem sequer pica o homem ou qualquer outro animal, não há rota ao dano possível exceto se ele for ingerido. Acontece que os animais que comem insetos comem uma variedade deles e seria muito pouco provável que ingerissem uma quantidade importante dos insetos liberados para controlar a população de insetos, e não para engordar sapos. Mesmo assim, podemos considerar que o primeiro passo de uma rota ao dano a animais insetívoros pode existir, isto é, a ingestão mesma de alguns mosquitos ao longo da semana de liberação controle. Qual é o próximo passo? Mostrar que os mosquitos são tóxicos para estes insetívoros. Mas o que têm de novo estes mosquitos? Duas proteínas que estão fartamente estudadas quanto à toxicidade, sabendo-se que é nula nas doses que os insetívoros poderiam ingerir. Aqui acaba nossa rota ao dano, concluindo-se que não é possível um dano. Mesmo assim, pode-se fazer experimentos com insetívoros (e foram feitos!); conclusão: não houve danos. Logo, para o único objeto de proteção que é real (seja ele um sapo, uma perereca,uma lagartixa, um morcego ou outro insetívoro urbano, que tem uma valoração muito relativa pela população...) não há danos. Então, o mosquito transgênico NÃO APRESENTA RISCOS à saúde humana, animal ou ao ambiente diferente daqueles representados pelos mosquitos não transgênicos.
Poder-se-ia argumentar: esta é a situação ideal; mas se nem todos os mosquitos morrerem? E se fêmeas forem liberadas? E se os mosquitos cruzarem com outra espécie e o transgene letal não funcionar nela?
Vamos agora analisar cada uma destas hipóteses.
De fato, nem todos os mosquitos morrem: perto de 5% sobrevivem, mesmo sem tetraciclina. O que ocorre com eles? Vão procriar e talvez morrer de velhos (em 40 dias), mas vão ter crias. Suponhamos que as crias também sobrevivam na taxa de 5%, e as crias das crias também, e assim por diante. Esta população de insetos transgênicos vai crescer e se perpetuar? De jeito nenhum! Os mosquitos selvagens estão se reproduzindo na mesma área, com uma sobrevivência muito maior. A população dos transgênicos será superada e desaparecerá rapidamente no local. É assim que funciona a Natureza, desde que o Mundo é Mundo, isto é, desde que o primeiro progenoto apareceu na casca da Terra.

E se houvesse mais tetraciclina no ambiente do que se imagina? Afinal, cada lugar tem sua particularidade... Deve-se lembrar que tetraciclina era um antibiótico usado em criação intensiva de animais. Estas criações são muito raras em áreas urbanas e, além disso 
a) o descarte dos efluentes sem tratamento é incomum no caso deste tipo de agroindústria.
b) , o A. aegypti prefere águas mais limpas para a oviposição. Se, por um enorme acaso, uma fêmea que cruzou com um macho transgênico botasse seus ovos numa água com muita tetraciclina, é altamente improvável que sua prole escolhesse o mesmo local para ovipor, pois a troca de locais de postura é uma das características do A. aegypti
c) Além disso, neste mesmo local os mosquitos selvagens também podem fazer posturas... 
d) o mais importante: Desde 2009 a Instrução Normativa SDA no. 26 (MAPA) proíbe o uso de tetraciclina como aditivo alimentar para a criação do que quer que seja no país.!!! Assim, o antibiótico só será usado para o tratamento de alguma infecção. Além disso, a droga é rapidamente metabolizada e muito instável no ambiente. 

Por isso, mesmo sem construir uma rota ao dano formal, vê-se facilmente: a preocupação de que a tetraciclina ambiental pudesse manter viva uma população de mosquitos transgênicas, mesmo pequena, é desprovida de base científica.

Neste pequeno período em que os mosquitos transgênicos que escapam da morte estiverem voando na cidade, o que pode acontecer? Se forem comidos, o assunto já está discutido e concluímos que não há dano. E se picarem pessoas? Procuremos formar uma rota ao dano para este caso. Como a picada do mosquito pode fazer mal a uma pessoa ou a um animal (não considerando a transmissão de alguma doença, porque neste caso não há diferença entre os mosquitos transgênicos e os selvagens)? Pode provocar alergia. De fato, muita gente é alérgica à saliva do mosquito. Então, a pergunta é? Seria a saliva do mosquito (fêmea) transgênico mais alergênica que a do selvagem? Que dano adviria desta nova composição da saliva?

O primeiro passo da rota que leva da presença do mosquito fêmea transgênico ao dano (isto é, uma reação alérgica) é real, embora com baixa probabilidade: alguém ser picado por ele. O segundo passo é: a saliva tem alguma proteína nova alergênica? As duas únicas proteínas novas foram avaliadas quanto ao seu potencial alergênico, concluindo-se que não têm este potencial. Além disso, elas não parecem ser expressas na glândula salivar.  Portanto, a rota ao dano se interrompe no segundo passo e não haverá dano algum, além daquele observado no caso das picadas de mosquitos selvagens.

Resta saber o que aconteceria se o transgene passasse para uma espécie sexualmente compatível. Acontece que esta espécie não existe: mesmo o A. albopictus, um mosquito de hábitos semi-silvestres, que divide áreas de transição silvestre/ rural (ecótonos) com o A.aegypti, não cruza com ele. Então, esta hipótese é nula.

Mas ainda que o transgene passasse ao A. albopictus, este seria morto pela expressão da proteína letal. E ainda que isso não acontecesse, qual seria o problema da população de mosquitos levar os transgenes, uma vez que sua expressão em proteínas não é danosa ao homem nem aos animais? Aliás, a mesma pergunta poderia ser feita para o escape de qualquer transgene cuja expressão não leva a danos: não é presença do transgene que é um dano, mas sua expressão, quando trouxer algum impacto ao ambiente ou à saúde.

De fato, no entendimento da CTNBio, como agência de risco, a introdução pelo homem de alterações genéticas – velha como a agricultura – não é um risco em si mesmo: sua expressão é que pode representar risco. Não havendo risco na expressão dos novos genes, a presença deles em si NÃO é danosa.

Assim, em menos de 6000 palavras (ou duas páginas ofício em espaço 1), fomos capazes de demonstrar que não há riscos reais para os objetos de proteção. Foi, na verdade, muito fácil, porque os insetos não sobrevivem numa taxa que pudesse garantir sua perpetuação: é evidente que os riscos sempre tendem a crescer se os agentes de risco (neste caso, os mosquitos GM) estiverem presentes por longo tempo em grande número numa grande área, o que definitivamente não é o caso aqui.

Folie furieuse
De volta ao parecer de vistas, vale perguntar: que questões de risco foram tratadas? Essencialmente apenas uma: a sobrevivência de uma parcela dos insetos liberados e de sua prole. Como vimos acima, isso não representa risco algum.

E em que mais se estendeu o parecer? Pasmem, a maior parte da explanação foi para mostrar ao público presente (membros e assessores da CTNBio, representantes de empresas e ONGs e curiosos) que a eliminação do A. aegypti poderia trazer problemas muito maiores ao país do que sua presença!  Mas como??? De onde saiu o longo texto lido na planária da CTNBio, carregado de tanta tolice? De um hospício?

Pois é: Segundo o argumento do relator, se eliminarmos o A. aegypti abriremos espaço para outros vetores da mesma doença (o A. albopictus, que está espalhado na periferia das cidades e em áreas com mais cobertura vegetal, é o candidato a tomar conta da casa vazia) ou ainda trocar a dengue por coisa pior, como a chikungunya). Então, queridos 3 ou 4 leitores que me acompanham, o nosso pesquisador propôs que não se elimine o mosquito, deixando de combater o certo por medo de uma ameaça duvidosa.

Será que isso tem fundamento? Quando o Triatoma infestans, vetor da doença de Chagas, foi erradicado do Brasil, o espaço deixado vago nas casas NUNCA foi ocupado por qualquer uma das mais de 100 espécies de barbeiros que vadeiam pela Pindorama. Quando nossos corpinhos ficaram livres do vírus da varíola, nem por isso outros vírus, piores ou melhores, tomaram-lhe o espaço vago.
É uma tremenda bobagem imaginar que o A. albopictus, que prefere se reproduzir em ocos de árvores e outros ambientes silvestres, vá agora ovipor nas nossas latas velhas, caixas d´água e outros ambientes propícios ao A. aegypti. A espécie está aqui desde 1986 e nunca invadiu os habitats do A. aegypti mesmo onde as densidades dele eram baixas. A situação é exatamente igual à do Triaoma infestans, que era altamente domiciliado: o ambiente deixado livre nunca pode ser preenchido pelos outros barbeiros porque eles não têm hábito de morar com o homem. 
Independentemente da possibilidade desta troca de guarda de mosquitos ser real ou não, é completamente absurdo dizer que não devemos eliminar o A. aegypti, um seríssimo problema de saúde pública, por causa de uma hipótese pouco provável e cujas consequências são por demais discutíveis.

É exatamente o caso de um caçador que hesita em atirar num leão que o ameaça numa trilha na floresta porque, atrás dele, pode vir um rinoceronte furioso, contra o qual ele não tem balas que prestem.  A presença do leão é real, mas do rinoceronte só se conhecem histórias. O que você faria no lugar do precavido caçador?

Só pode dizer uma coisa destas quem não tem compreensão da avaliação de riscos e despreza seus cidadãos, colocando seu ideário à frente das questões de seu povo. Não causa espanto também saber que uma parte dos que se opõem a esta tecnologia mora na Europa ou vive em outras áreas frias do globo, onde a dengue não existe ou causa poucos problemas. Começo a gostar do aquecimento global!


quinta-feira, 10 de abril de 2014

Mosquito transgênico para controle da dengue aprovado pela CTNBio

Brasília, 10 de abril de 2014

Hoje pela manhã em reunião Plenária, a CTNbio aprovou o pedido de liberação comercial de uma variedade transgênica de Aedes aegypti (o mosquito transmissor do vírus da dengue e de um novo virus, Chikungunya), desenvolvido pela empresa britânica Oxitec. O A. aegypti OX513a carrega um gene de letalidade condicional, que é ativado na ausência de tetraciclina. Os machos, separados das fêmeas ainda em estado de pupa, podem ser produzidos em biofábrica em enormes quantidades, sendo em seguida liberados no ambiente. Para detalhes ver http://br.oxitec.com/ .

A votação nominal na Plenária teve como resultado 16 votos favoráveis (sendo um condicional) e um contra.

Antes da votação o parecer de vistas do processo foi lido. O membro relator argumentou pela diligência do processo por várias falhas que, ao seu ver, impediam uma conclusão segura do parecer. O argumento principal foi de que a eliminação do A. aegypti, de forma rápida e extensa, abriria espaço para a recolonização do espaço por outro mosquito, como o Aedes albopictus. Seu parecer foi amplamente rechaçado pela Comissão.

Também antes da votação alguns membros sugeriram uma audiência pública de instrução, que foi rechaçada por 11 votos contra 4.

A discussão imediatamente antes da votação versou menos sobre os riscos diretos do mosquito à saúde humana e animal e ao meio ambiente e derivou para aspectos de benefícios à tecnologia. Esta divergência refletiu o consenso da CTNBio quanto à segurança do produto e à premência de novas técnicas para o controle do vetor da dengue. A discussão também refletiu a segurança da CTNBio sobre o potencial da tecnologia na redução de populações de A. aegypti, sem riscos de recrudescimento de outras doenças, parecimento de novas endemias ou substituição do mosquito vetor, em completa oposição ao ponto de vista isolado do membro relator do pedido de vistas. Uma discussão detalhada do ponto de vista do relator está disponível em http://genpeace.blogspot.com.br/2014/04/mosquito-transgenico-para-controle-da_12.html

Com estes resultados,a CTNBio abre ao país a possibilidade de empregar um mosquito transgênico para o controle da dengue. A liberação comercial deste mosquito é, também, a primeira liberação comercial de um inseto transgênico no Mundo. O Brasil, usando uma legislação eficiência e séria na avaliação de risco de organismos geneticamente modificados, dá um exemplo de seriedade e maturidade tanto aos países que já fazem avaliação de risco de OGMs, como àqueles que ainda vacilam em ingressar no uso desta tecnologia.

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Mosquitos transgênicos, segurança e especulações à véspera da votação de liberação comercial pela CTNBio


Hoje, véspera da votação na CTNBio da liberação comercial de uma linhagem transgênica de Aedes aegypti da empresa inglesa Oxitec, a AS-PTA e outros parceiros lançaram uma Nota à imprensa, onde especulam que haveria riscos não corretamente avaliados e erros graves nos procedimentos de liberação pela CTNBio.

Vale a pena uma leitura atenta do texto, à luz da ciência e da avaliação de risco.
Os autores do texto afirmam que os estudos foram feitos “sem que a população tenha sido devidamente consultada, sem a realização de avaliação de risco e sem a existência de dados conclusivos dos estudos de campo nem de um plano de monitoramento”. A verdade é bem outra:
a)      Todos os estudos foram feitos com inteiro conhecimento das populações residentes nos bairros envolvidos (em Juazeiro, na Bahia), que participaram de dezenas de reuniões com a responsável técnica, Dr. Margareth Capurro, da USP. Além disso, o projeto tinha o nome bem claro de PAT – Projeto Aedes Transgênico. Por fim, a população deu enorme apoio ao projeto.
b)      A avaliação de risco, com base no extenso documento enviado pela proponente e numa longa lista de trabalhos publicados sobre o assunto, foi realizada nas duas sub-setoriais na CTNBio, os pareceres discutidos e votados e todas as dúvidas foram esclarecidas neste processo. Os riscos foram considerados mínimos ou negligenciáveis. Esta avaliação foi realizada durante quase seis meses, envolvendo pesquisadores e docentes de quatro universidades ou centros de pesquisa do Brasil, com discussão de todos os membros da CTNBio.
c)       Os estudos de campo (oriundos da liberação planejada em Juazeiro da Bahia) foram concluídos ainda em 2013 e seus resultados incorporados ao processo de liberação comercial, ainda que o relatório final só tenha sido recentemente encaminhado pela USP à CTNBio. Não existe nada neste relatório que contradiga as conclusões dos avaliadores de risco.
d)      Dentro do corpo do processo de liberação comercial encaminhado pela Oxitec já está a proposta de plano de monitoramento, detalhada.

As entidades signatárias também ressaltam em sua nota à imprensa, “que as consequências para a saúde e para o meio ambiente ainda são pouco conhecidas e precisam ser melhor estudadas”. Nada pode ser mais inverídico: o impacto da liberação de machos d, que não picam os serem humanos e que morrem após poucos dias, é completamente compreendido e considerado nulo. Esta foi a principal preocupação da avaliação de risco na CTNBio, naturalmente. A impossibilidade de multiplicação do inseto GM no ambiente foi amplamente demonstrada, seu cruzamento com outras espécies de mosquito é essencialmente impossível e seu impacto direto em predadores também foi avaliado e mostrado ser nulo.
A argumentação de que a eliminação do A. aegypti irá levar à invasão dos ecótopos e ecótonos por A. albopictus, outro vetor de doenças humanas, inclusive a dengue, é desprovida de base científica e foi largamente discutida na CTNBio. Além disso, pelo argumento da AS-PTA e seus parceiros, nunca se poderá eliminar o A. aegypti, porque o A. albopictus irá fatalmente entrar nas áreas liberadas, tornado qualquer tentativa de controle da Dengue impossível. Usar este argumento para bloquear o controle vetorial é condenar os brasileiros a enfrentar as epidemias de dengue para sempre.
Quanto á picadas de fêmeas transgênicas, é apenas fantasia, uma vez que apenas machos são normalmente liberados ou, na pior das hipóteses, menos de 0,1% de fêmeas entre estes machos. De toda forma, o estudo da alergenicidade das proteínas recombinantes expressas no mosquito foi realizado, sem resultados sugestivos de potencial alergênico. Por fim, a expressão dos transgenes na glândula salivar é essencialmente nula!
Ainda sobre as argumentações da AS-PTA, a questão da presença de tetraciclina no ambiente foi extensamente estudada pela CTNBio, não se vislumbrando a possibilidade concreta de presença de tetraciclina em criadouros em concentrações acima do limite para resgatar a sobrevida da linhagem GM. Portanto, é apenas uma especulação vaga da AS-PTA, sem qualquer base na realidade.
Em resumo, todas as preocupações ciosamente trazidas pela AS-PTA e seus parceiros já haviam sido cuidadosamente avaliadas pela CTNBio, concluído a comissão acertadamente que os riscos apresentados pela liberação destes mosquitos são muito pequenos ou negligenciáveis.
Se a Inglaterra apoia ou não este produto como item de pauta de exportação, isso é inteiramente irrelevante. Também é irrelevante se a liberação dos mosquitos transgênicos irá efetivamente controlar as populações nativas, pois a CTNBio não trata da eficiência da tecnologia, e sim do impacto do OGM no ambiente ou diretamente na saúde. Na verdade, nenhuma tecnologia, isoladamente, poderá controlar adequadamente as populações de Aedes aegypti e o controle será sempre parcial, como tem sido até hoje, com raras exceções.
A atitude alarmista, trazendo informações falsas ou incompletas ao público, é condenável e não deveria fazer parte da estratégia de lutas de nenhuma instituição séria.


terça-feira, 8 de abril de 2014

Juiz usa os mesmos argumentos que ativistas usam contra os transgênicos para negar pleito do MPF que pretendia suspender o registro do herbicida 2,4-D

Ironia: o magistrado Jamil Oliveira, da 14ª Vara Federal do Distrito Federal muito apropriadamente avaliou as informações que consubstanciavam o pleito do Ministério Público Federal e concluiu:

“Sem base em estudos conclusivos e sem debate amplo nos foros apropriados e que forneçam aos órgãos competentes, inclusive o Poder Legislativo, informações suficientes, claras, tecnicamente irrespondíveis, não se pode paralisar a produção e o uso de tão importante herbicida, com reflexos prejudiciais à produção de alimentos, de pastagens e de matéria prima para produção de biocombustíveis, assim também às empresas, geradoras de empregos e de divisas e tributos”.

Parece que estamos ouvindo a oposição aos transgênicos, quando diz que não existem estudos conclusivos sobre a segurança das plantas transgênicas, que o debate fica limitado à CTNBio, que os demais órgãos competentes não opinam ou a opinião de seus representantes na Comissão não é considerada e que a lei brasileira está sendo violada. Qual a diferença?

No caso da ação do MPF:
a)      as “evidências” técnicas e científicas eram muito fracas
b)      as autoridades no assunto não foram de fato consultadas e
c)       o debate não foi estendido para um foro mais amplo.

No caso da CTNBio:
a)      as evidências proveem de milhares de publicações. Quanto à questão de credibilidade dos trabalhos científicos, um artigo (ver abaixo) revê essencialmente tudo que foi publicado em revistas científicas sobre riscos de transgênicos. O artigo é de Nicolia e colaboradores e foi publicado na Critical Reviews on Biotechnology. Vale a pena a leitura. Ele tem como anexo online uma impressionante tabela com todos os artigos referenciados: tirando os que são sobre rastreabilidade, há 1482 artigos sobre todos os aspectos de biossegurança e avaliação de risco de transgênicos. Quem quiser conferir, olhe ao menos uma centena deles, tomados ao acaso, e verá que são financiados pelos "CNPq"s de cada país. Nicolia A, Manzo A, Veronesi F, Rosellini D. (2013) - An overview of the last 10 years of genetically engineered crop safety research. Crit Rev Biotechnol. 2013 Sep 16. [Epub ahead of print]. http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/24041244
b)      Todas as demais agências de risco no Mundo, que são as autoridades nacionais naqueles países, corroboram as conclusões da CTNBio (http://genpeace.blogspot.com.br/2014/03/a-ctnbio-nao-decide-diferente-dos.html)
c)       Além das consultas e audiências públicas, as reuniões da CTNBio são públicas, são membros acessíveis a consultas e sua composição suficientemente eclética, permitindo contemplar todos os mais importantes setores da sociedade.


Por isso, o magistrado negou provimento ao pedido do MPF, assim como o TRF4 negou provimento ao pedido da AS-PTA para anular a RN-04 (norma de coexistência do milho). E por isso também as críticas ferozes à CTNBio acabam batendo em solo estéril quando são analisadas pelo crivo da ciência, seja por magistrados, seja pela imprensa, seja pelos próprios movimentos sociais.