domingo, 21 de junho de 2015

Mais uma do Séralini e sua trupe

Quando menos se espera, o bufão de Caen retorna com mais um press release (rolou dia 18 de junho de 2015), anunciando antes da publicação seus resultados e extraordinárias conclusões aos jornalistas ansiosos por uma desgraçazinha. Este comportamento, completamente contrário ao etos científico, é compatível com o comportamento momesco do Séralini.

Mas acontece que os editores do PlosONE, onde o novo pseudo estudo do Séralini seria publicado, tiveram o bom senso de suspender a publicação na horinha! De que  trata o estudo que passou por um primeiro crivo do PlosONE e foi rejeitado na véspera do press release, tirando o doce da boca do garoto francês?

O Séralini e seus companheiros de folia avaliaram a presença de resíduos de agrotóxicos e de transgênicos na ração dos animais de experimentação. O que vocês acham que ele achou? O que é obvio: havia resíduos de um monte de agrotóxicos e as rações continham soja e milho geneticamente modificados. Acontece que os resíduos estavam abaixo do máximo permitido pela legislação. E acontece que os transgênicos são completamente seguros, como demonstrado pelo gigantesco consumo destes produtos mundo a fora nos últimos 10 anos, além do que foi mostrado por mais de 10.000 trabalhos publicados. Mas o que conclui o Séralini e seus maluquinhos, sem qualquer demonstração de causalidade? Que todos os trabalhos que envolvem saúde feitos com animais de laboratório não têm validade!

Uma tamanha viagem jamais poderia ser publicada por uma revista que se proponha a ser científica, embora vá muito bem num site como o GM Watch e em outros ambientes onde mais vale uma bravata do que a verdade. Se o PlosONE publicasse um despautério desta magnitude, seria um desastre para a revista e, ainda mais, para o ambiente científico.

Como esta postagem não tem maior profundidade, recomendo a leitura de outras postagens minhas, que tratam de assuntos mais importantes:

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Transgênicos e riscos: qual o consenso, que valor têm os trabalhos publicados mostrando possíveis danos e porque não se pode estender as observações de um transgênico para outro.

Frequentemente se diz que há um corpo de evidências apontando para danos provocados por alguma planta transgênica. Seriam 20 ou 30 trabalhos, segundo alguns, e quase 700, segundo outros. E o carro chefe costuma ser o trabalho de Séralini e colaboradores com ratos com tumor depois de ingerirem milho transgênico.

É verdade que o trabalho do Séralini foi republicado, ainda que numa revista muito fraca. Mas a publicação não garante que os resultados encontrados e, sobretudo, as conclusões deles exaradas, sejam adequados: é preciso que eles sejam confirmados e estendidos por outros trabalhos. Assim funciona a ciência. No meu conhecimento, nenhum dos trabalhos que mostram danos ocasionados pelos transgênicos, seja ao ambiente ou à saúde, foi confirmado por outros autores. No caso específico do trabalho do Séralini, também não existe uma hipótese de causalidade (um mecanismo molecular) que minimamente pudesse explicar como uma proteína que é prontamente degradada no fluido gástrico poderia causar os danos observados. A falta de uma hipótese que guie os trabalhos é um elemento importante na qualificação negativa de um artigo científico. Há, naturalmente, erros metodológicos graves neste trabalho, como amplamente apontado pelas principais autoridades de avaliação de risco e academias de ciências pelo mundo a fora (por exemplo, EFSA, França, CTNBio). Muitos outros artigos que “mostram” danos dos OGMs têm os mesmos defeitos do artigo do Séralini.

É comum se ouvir e ler que não há consenso entre os cientistas sobre a segurança dos OGMs hoje no mercado. Não é verdade: o que não há é unanimidade, o que é diferente de consenso. O consenso é estabelecido pela maioria. Vozes discordantes sempre existirão, são e serão sempre ouvidas, mas suas afirmações passarão a integrar o corpo maior de evidências apenas na medida em que outros autores forem confirmando e estendendo seus resultados, sempre pressupondo que se baseiem no método científico. Quando os trabalhos mostrando danos derivados dos OGMs tiverem empregado uma metodologia sólida e concluírem por danos que possam ser extrapolados para a vida real, seguramente serão estendidos por outros autores e mudarão o entendimento (ou o consenso) que existe hoje sobre a segurança dos OGMs que estão no mercado. Sugiro a leitura do link para a questão das vozes isoladas na ciência.

Ainda é preciso entender que a avaliação de risco é levada a cabo caso a caso. Assim, pode ser que um dia se prove que certo OGM traz danos à saúde ou ao ambiente, mas é inteiramente equivocado estender a afirmação para todos os OGMs, como se lê frequentemente nos sites, páginas e blogs leigos que abundam na internet.

Por fim, creio que todos os consumidores desejam produtos seguros para si e para sua família e amigos. É natural. Por isso os produtos industrializados e alguns novos produtos são avaliados por agências de governo especializadas: uma gama enorme de produtos, tanto alimentos como outros, é avaliada pela ANVISA. No caso dos transgênicos, o seu impacto direto na saúde e no ambiente é atribuição exclusiva da CTNBio. Nada é liberado pela Comissão sem uma longa e detalhada avaliação, que segue as regras paulatinamente estabelecidas por especialistas e por agências de avaliação de risco de OGMs no resto do Mundo. Não é, portanto, nenhuma surpresa, que as plantas transgênicas aprovadas aqui também o tenham sido pelas principais agências de avaliação de riso no Mundo: as agências americanas, a canadense, a argentina, a europeia, a japonesa, a australiana e por aí vai. Quando avaliados lá fora (a grande maioria o foi), estes produtos que estão em uso no Brasil nunca foram rejeitados para o consumo humano. Em muitos casos o plantio não foi permitido, mas isso é muito mais uma política de estado (pelas suas implicações econômicas) do que uma questão de risco ambiental. Por isso nós, brasileiros, e todos os outros povos, assim como nossos animais de produção e companhia,consomem alimentos formulados com milho e soja transgênico e estamos muito bem alimentados, sem que haja  qualquer relato de dano à saúde humana. Os danos à saúde animal em observações com animais de produção estão restritos a poucos trabalhos com metodologia muito equivocada. A conclusão a que chego, como consumidor, é que posso estar seguro de que os riscos destes alimentos devem ser mesmo muito reduzidos, como concluem as avaliações das muitas autoridades no assunto. Esta conclusão se alia àquela que chego como avaliador de riscos de OGMs, que fui na CTNBio e que continuo sendo, como pesquisador: o consenso científico aponta para a segurança dos produtos que agora estão no mercado e que consumimos diariamente faz mais de 10 anos.


segunda-feira, 1 de junho de 2015

Transgênicos: diálogo retomado

Como é impossível postar um comentário no site do Em Pratos Limpos (o captcha sempre retorna erros, e isso já faz anos), uso o GenPeace para responder ao texto Transgênicos: diálogos (http://pratoslimpos.org.br/?p=7803).

 Algumas observações sobre o que afirmam os autores:

a) Ao contrário do que concluem do texto acima citado, a separação entre avaliação de risco e análise de risco é técnica: a primeira, sendo exclusivamente biológica, é feita por um grupo de experts diferente das demais etapas da análise de risco.

b) O aumento do uso do glifosato, e apenas deste, tem relação parcial com o aumento do uso dos transgênicos. E porque apenas parcial? Porque o glifosato sempre foi usado e continuará sendo em muitas outras aplicações. Poucos anos depois de lançado ele já era o líder de vendas, muito antes do aparecimento dos transgênicos. Por isso, o aumento do uso ambém reflete, sim, a intensificação da atividade agrícola, mesmo no caso do glifosato.

c) Os casos de intoxicação com glifosato são muito menos frequentes do que os provocados por inseticidas ou mesmo por outros herbicidas, apesar de menos usados. Razão?  São muito mais tóxicos que o glifosato. Os estudos feitos no Mato Grosso, por exemplo, mostram que inseticidas de efeito residual, como o DDT e seus análogos, continuam fazendo estragos muito tempo depois da suspensão de uso. O mesmo estudo não tem menção sobre impacto de glifosato.

d) Não há um estudo abrangente do desfecho clínico dos casos de intoxicação por glifosato no país, embora exista uma casuística. Em outros países há suspeitas (inclusive as que foram usadas para reclassificar o glifosato), mas não há também um estudo que conclua pela existência de um impacto importante sobre comunidades. Afirmar, como está no texto acima, que “depois de exposição ao glifosato, trabalhadores rurais e suas comunidades tiveram sérios problemas de saúde” é a mais pura fantasia.

e) A agência que regula o uso do glifosato é a ANVISA. Um paralelo: quem avalia segurança de veículos nãoé a ANP, que avalia a segurança dos combustíveis... O glifosato não é um produto transgênico, mas um insumo empregado no caso das plantas tolerantes a ele. É exatamente como o caso da gasolina, que também é tóxica.


f) Por fim, de volta ao meu assunto: as avaliações de risco feitas pela CTNBio coincidem com aquelas feitas por todas as demais agências governamentais similares no Mundo. Estarão elas todas erradas?  As deficiências apontadas pelos autores acima também existem na EFSA, no OGTR, nas agências canadenses e americanas, na CONABIO e por aí vai? Ou será que o que os autores vêm como deficiência é um viés, como este de cobrar da CTNBio uma posição sobre os agrotóxicos?