quarta-feira, 17 de junho de 2015

Transgênicos e riscos: qual o consenso, que valor têm os trabalhos publicados mostrando possíveis danos e porque não se pode estender as observações de um transgênico para outro.

Frequentemente se diz que há um corpo de evidências apontando para danos provocados por alguma planta transgênica. Seriam 20 ou 30 trabalhos, segundo alguns, e quase 700, segundo outros. E o carro chefe costuma ser o trabalho de Séralini e colaboradores com ratos com tumor depois de ingerirem milho transgênico.

É verdade que o trabalho do Séralini foi republicado, ainda que numa revista muito fraca. Mas a publicação não garante que os resultados encontrados e, sobretudo, as conclusões deles exaradas, sejam adequados: é preciso que eles sejam confirmados e estendidos por outros trabalhos. Assim funciona a ciência. No meu conhecimento, nenhum dos trabalhos que mostram danos ocasionados pelos transgênicos, seja ao ambiente ou à saúde, foi confirmado por outros autores. No caso específico do trabalho do Séralini, também não existe uma hipótese de causalidade (um mecanismo molecular) que minimamente pudesse explicar como uma proteína que é prontamente degradada no fluido gástrico poderia causar os danos observados. A falta de uma hipótese que guie os trabalhos é um elemento importante na qualificação negativa de um artigo científico. Há, naturalmente, erros metodológicos graves neste trabalho, como amplamente apontado pelas principais autoridades de avaliação de risco e academias de ciências pelo mundo a fora (por exemplo, EFSA, França, CTNBio). Muitos outros artigos que “mostram” danos dos OGMs têm os mesmos defeitos do artigo do Séralini.

É comum se ouvir e ler que não há consenso entre os cientistas sobre a segurança dos OGMs hoje no mercado. Não é verdade: o que não há é unanimidade, o que é diferente de consenso. O consenso é estabelecido pela maioria. Vozes discordantes sempre existirão, são e serão sempre ouvidas, mas suas afirmações passarão a integrar o corpo maior de evidências apenas na medida em que outros autores forem confirmando e estendendo seus resultados, sempre pressupondo que se baseiem no método científico. Quando os trabalhos mostrando danos derivados dos OGMs tiverem empregado uma metodologia sólida e concluírem por danos que possam ser extrapolados para a vida real, seguramente serão estendidos por outros autores e mudarão o entendimento (ou o consenso) que existe hoje sobre a segurança dos OGMs que estão no mercado. Sugiro a leitura do link para a questão das vozes isoladas na ciência.

Ainda é preciso entender que a avaliação de risco é levada a cabo caso a caso. Assim, pode ser que um dia se prove que certo OGM traz danos à saúde ou ao ambiente, mas é inteiramente equivocado estender a afirmação para todos os OGMs, como se lê frequentemente nos sites, páginas e blogs leigos que abundam na internet.

Por fim, creio que todos os consumidores desejam produtos seguros para si e para sua família e amigos. É natural. Por isso os produtos industrializados e alguns novos produtos são avaliados por agências de governo especializadas: uma gama enorme de produtos, tanto alimentos como outros, é avaliada pela ANVISA. No caso dos transgênicos, o seu impacto direto na saúde e no ambiente é atribuição exclusiva da CTNBio. Nada é liberado pela Comissão sem uma longa e detalhada avaliação, que segue as regras paulatinamente estabelecidas por especialistas e por agências de avaliação de risco de OGMs no resto do Mundo. Não é, portanto, nenhuma surpresa, que as plantas transgênicas aprovadas aqui também o tenham sido pelas principais agências de avaliação de riso no Mundo: as agências americanas, a canadense, a argentina, a europeia, a japonesa, a australiana e por aí vai. Quando avaliados lá fora (a grande maioria o foi), estes produtos que estão em uso no Brasil nunca foram rejeitados para o consumo humano. Em muitos casos o plantio não foi permitido, mas isso é muito mais uma política de estado (pelas suas implicações econômicas) do que uma questão de risco ambiental. Por isso nós, brasileiros, e todos os outros povos, assim como nossos animais de produção e companhia,consomem alimentos formulados com milho e soja transgênico e estamos muito bem alimentados, sem que haja  qualquer relato de dano à saúde humana. Os danos à saúde animal em observações com animais de produção estão restritos a poucos trabalhos com metodologia muito equivocada. A conclusão a que chego, como consumidor, é que posso estar seguro de que os riscos destes alimentos devem ser mesmo muito reduzidos, como concluem as avaliações das muitas autoridades no assunto. Esta conclusão se alia àquela que chego como avaliador de riscos de OGMs, que fui na CTNBio e que continuo sendo, como pesquisador: o consenso científico aponta para a segurança dos produtos que agora estão no mercado e que consumimos diariamente faz mais de 10 anos.


3 comentários:

  1. Não conheço o nível de credibilidade da Environmental Sciences Europe que republicou o estudo do Seralini. Agora, é bastante suspeito que a revista Food and Chemical Toxicology retirou o estudo dele depois que mudou seu conselho editorial para abrigar um ex-funcionário da Monsanto.

    Vejo que um debate para esclarecer as dúvidas de uma grande parte da comunidade científica não é interessante pra vocês. Isso também é bastante suspeito.

    Mas as coisas estão se esclarecendo aos poucos. Finalmente um representante do CIB admitiu que os transgênicos não tem como objetivo acabar com a fome no mundo, o carro chefe das multinacionais. Muitas pessoas leigas que acreditavam e apoiavam por causa disso não serão mais iludidas e poderão se aprofundar mais no assunto.

    E agora você aqui confirma que não existe unanimidade na comunidade científica. É bom que isso fique bem claro, porque os defensores dos transgênicos que estão nos nossos pratos diariamente sempre dizem que aqueles que duvidam o fazem por ideologia e não por buscar a certeza científica.

    Pois bem, já vi que com você não posso contar para a realização desse grande debate. Mas vou continuar procurando porque tenho certeza que um cientista que tenha 100% de certeza que aquilo que ele criou não afeta negativamente nada vai se interessar de promover esse debate e mostrar suas conclusões para serem avaliadas e vai querer também avaliar as pesquisas daqueles que descobriram problemas.
    Obs.: para comentar aqui não é fácil também. Tive que publicar várias vezes porque me perguntam várias vezes se sou um robo

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  2. Anônimo, boa noite. Esta é a segunda parte da resposta ao seu comentário, uma vez que só cabem 4096 caracteres por comentário.

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    Aliás, falando em independência, é impressionante o conflito de interesse que o Séralini tem. Sugiro a leitura atenta do link http://www.science20.com/genetic_literacy_project/the_industry_funding_behind_antigmo_activist_gilleseric_seralini-156197 . Este é um entre os muitos sites que mostram como o Séralini obtém recursos, sem nem triscar no financiamento oficial (do governo francês ou de outras agências internacionais). Se este cidadão não tem conflitos de interesse, não imagino quem mais possa ter. Entretanto, isso é absolutamente irrelevante quando analiso seus trabalhos: o que importa, mais uma vez, são a metodologia, os resultados e as conclusões, enfim, a aplicação conscienciosa do método científico.

    Quanto aos transgênicos terem vindo para acabar com a fome do Mundo, isso nunca foi verdade e se foi alguma vez afirmado por alguma empresa, nunca teve o apoio dos cientistas: a transgenia aplicada ao campo é, por enquanto, mais uma ferramenta para facilitar a vida do agricultor, reduzir custos para ele e para toda a cadeia produtiva e para o consumidor e, consequentemente, agregar valor à cadeia produtiva. Por isso onde quer que a biotecnologia agrícola tenha sido aprovada pela autoridade nacional, ela rapidamente ganha uso geral. Os opositores da biotecnologia têm batido nesta tecla, mas o som que sai é cacofônico e não acrescenta nada à compreensão da questão.

    Por fim, o consenso e a unanimidade: sugiro que você releia o que escrevi. A ciência nunca funcionou nem vai funcionar com unanimidade, mas o consenso é quem dá as cartas. Uma minoria ínfima de cientistas vê problemas nos transgênicos que estão no mercado e duvida dos milhares de cientistas que publicaram artigos que não mostram problemas, assim como não acredita nos avaliadores de risco das agências de governo nem no método que empregam. Não interessa nem um pouco a motivação destes cientistas, mas a deficiência de suas metodologias, o que leva a resultados disparatados e conclusões ainda piores. Estou certo que, da primeira vez que algum trabalho que siga o método científico mostrar danos causados por OGMs ao ambiente ou à saúde, imediatamente todas as agências de avaliação de risco do Mundo vão se debruçar sobre o problema identificado: cientistas e avaliadores de risco não são irresponsáveis e a vida de seus compatriotas e de outros seres humanos depende da avaliação de risco deles.

    PS. Quando posto um comentário, o blog não pede para provar que não sou um robô, talvez porque não poste como anônimo. Mas não tenho controle sobre isso, é o sistema empregado pelo Blogger, que hospeda as páginas. Lamento pela inconveniência.

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  3. Caro Anônimo, esta é a primeira parte da resposta ao seu comentário.
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    Em resposta aos seus comentários devo lembrar que, muito antes da revista Food and Chemical Toxicology ter resolvido retratar o artigo, um grande número de manifestações contrárias à metodologia e às conclusões o artigo do Séralini, advindas das principais academias de ciências e agências de avaliação de risco do mundo, já mostrava que a revista tinha aceito um artigo impublicável. A FCT demorou muito a reagir e se retratar e isso tirou-lhe boa parte da credibilidade. Claro está que o artigo do Séralini não foi o único retratado: anualmente centenas de artigos sofrem o mesmo tratamento e isso faz parte da ciência: outros cientistas denunciam erros graves ou não conseguem simplesmente reproduzir parte ou tudo que foi publicado e o artigo precisa ser retratado.

    Quanto ao debate que você julga que não me interessa, ele será muito bem vindo e me interessa muito. Mas seu lugar é num foro científico, porque o que está em jogo são o método científico e as conclusões a que os autores chegaram. Seja onde for que este debate tenha lugar, ele será enfadonho para o público geral, que não será capaz de acompanhar a discussão, a não ser em linhas gerais. O que não me interessa é um debate em que os que defendem os resultados de Séralini, Malatesta, Pusztai e uma dezena de outros cientistas argumentem que estes cientistas são “independentes” e que todas as 10.000 outras publicações foram feitas por cientistas que têm conflitos de interesse. Além de ser uma deslavada mentira, esta abordagem foge ao que importa: a consistência da metodologia e das conclusões alcançadas.

    Já pensei em fazer um debate assim, em torno de 10 artigos mais citados pelos que vêm riscos sérios nos transgênicos. Ele aconteceria numa universidade brasileira. Que problemas enfrentei? Os que se opõem à biotecnologia agrícola acham que o fórum não é este. Os que creem na segurança dos OGMs agora no mercado não querem perder seu tempo provando o que, na opinião deles, já está mais do que provado (por isso não têm interesse, não há nada suspeito nisso). E ninguém parece querer financiar. Se você conseguir encontrar recursos, eu organizo os que vão debater os 10 artigos mais importantes e, seguramente, alguns dos debatedores que se filiam ao outro ponto de vista farão o mesmo. Mas a condição é esta: o debate é sobre a consistência dos trabalhos e não sobre a pseudo independência de A, B ou C.

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