segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Ainda sobre a rotulagem dos transgênicos

A lei brasileira obriga a rotulagem dos transgênicos para alimentação. Assim, a menos que seja mudada, ela deve ser cumprida. Se isso de fato protege o consumidor de algum dano a sua saúde ou se o consumidor se interessa pela questão, são as sementes para a discussão da lei e para a elaboração de uma nova.

A questão central da rotulagem é a proteção ao consumidor. A rotulagem obrigatória não está voltada a princípios religiosos, filosóficos ou outros quaisquer. Assim, se temos a rotulagem de produtos kosher ou halal, por exemplo (http://www.abiec.com.br/3_hek.asp),  ela atende aos que demandam um alimento preparado de acordo com estes princípios religiosos, mas não é obrigatória e é regulamentada, executada e em parte fiscalizada pelas entidades religiosas respectivas (veja, por exemplo, http://judaismohumanista.ning.com/forum/topics/lan-ada-nova-rotulagem-oficial-para-alimentos-kasher).  A pergunta então é: a par das questões filosóficas ou de temores fundados na percepção de riscos, acaso os alimentos transgênicos que estão no mercado, de acordo com nossa legislação, representam algum risco à saúde humana ou animal? A resposta, claramente, é: não.

Todos os organismos geneticamente modificados que estão no mercado brasileiro foram avaliados e aprovados pelo órgão competente, isto é, a CTNBio. Qualquer um pode discordar desta decisão, por várias razões, mas ela coincide com a decisão de todos os demais órgãos similares no Mundo: a EFSA europeia, o OGTR australiano, a FDA e o EPA norte-americanos, a agência canadense e por aí vai. Sem uma única exceção. Isso dá à decisão brasileira um enorme respaldo. As decisões de moratória têm sido sempre políticas, à revelia da opinião técnica do órgão regulador. E as opiniões contrárias provêm em geral de ativistas contra a biotecnologia ou de cientistas a eles alinhados (o Séralini e seu grupo e mais dois ou três grupos similares).

Sabendo disso, podemos considerar os alimentos seguros. Porque, então, rotular?
As dúvidas sobre a segurança que são em geral apontadas na mídia foram rotineiramente analisadas pelos órgãos técnicos: potencial alergênico das proteínas (estudo baseado em análise bioinformática) e estudos de toxicidade (estudos baseados em digestibilidade enzimática e ensaios de toxicidade aguda). Também as questões ambientais foram exaustivamente avaliadas (fluxo gênico e fixação em espécies novas e variedades, toxicidade para insetos não alvo e muitas outras) e os riscos, igualmente, foram considerados negligenciáveis (que é um nome técnico para dizer “quase nulos”). Somando as avaliações de saúde e ambientais, a conclusão para todos os OGMs até agora analisados é a mesma, aqui e em outros países: o risco é muito pequeno, efetivamente nulo, quando comparado à mesma planta não geneticamente transformada.

Por outro lado, uma parcela muito variável, porém em geral pequena, entende o que significa o rótulo atual e literalmente ninguém saberia dizer o que significam coisas como Agrobacterium tumefasciens, Bacillus viridochromogenes e nomes complicados que, entretanto, deveriam estar no rótulo por lei. Obviamente, além de ser desnecessário, um rótulo deste tipo implica em aumento no custo: o produto tem que ser analisado por técnicas bioquímicas ou genéticas caras e num mercado com mais de 40 transgênicos sendo vendidos, qualquer rotulagem que obrigue a identificação de níveis e genes/proteínas vai implicar em custos que serão repassados ao consumidor, encarecendo a cesta básica. Na ausência de danos comprovados à saúde e de riscos concretos identificados pelas agências de risco em todo Mundo, e na inexistência de casos concretos de danos à saúde em animais e seres humanos após quase 20 anos de consumo em imensas quantidades em quase todos os países do Mundo, a gente se pergunta: é justo encarecer a cesta básica com informações que não estão relacionadas a riscos concretos à saúde?


Em resumo: embora a percepção de risco indique que os transgênicos podem ser perigosos como alimentos, a avaliação de risco indica o contrário. Um país não deve tomar decisões em cima de percepções de risco, que são muito variáveis de pessoa para pessoa e mudam também em diferentes circunstâncias. A decisão tem que ser técnica, respeitando os princípios científicos da avaliação de risco. Assim foi com as vacinas, a fluoretação da água, a adição se sal no iodo e muitas outras coisas que são, até hoje, combatidas por grupos mais ou menos amplos da sociedade em função de sua percepção de risco. A obrigação legal de tal ou qual ação baseada nestas percepções de risco traz sempre problemas financeiros, dentre outros, sem contribuir um cêntimo para a saúde pública e a nutrição dos brasileiros.