segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Segunda edição do Manual de Biossegurança chega às livrarias

Caros leitores do GenPeace.


Será lançada no dia 24 de novembro próximo a 2a. edição revista e ampliada do Manual de Biossegurança, sob a coordenação de Mário Hirata, Rosário Hirata e Jorge Mancini Filho. Além dos capítulos constantes da primeira edição, revistos nesta, há um conjunto de novos capítulos, conforme listado abaixo. Brevemente estará disponível no site da Editora Manole (www.manole.com.br) para compra.



Capa da 2a. edição do Manual de Biossegurança

MANUAL DE BIOSSEGURANÇA - 2ª. EDIÇÃO (Revisto e ampliado)

CAPÍTULOS EXISTENTES NA 1ª. EDIÇÃO (REVISTOS)
O LABORATÓRIO DE ENSINO E PESQUISA E SEUS RISCOS
BIOSSEGURANÇA EM LABORATÓRIOS DE PESQUISA
EQUIPAMENTOS DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL E COLETIVA
MANUSEIO, CONTROLE E DESCARTE DE PRODUTOS BIOLÓGICOS
MANUSEIO DE PRODUTOS QUÍMICOS E DESCARTE DE SEUS RESÍDUOS
BIOSSEGURANÇA NO USO DE RADIOISÓTOPOS
ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS NA ALIMENTAÇÃO HUMANA
MEDICAMENTOS, CORRELATOS E COSMÉTICOS
BIOSSEGURANÇA E CÂNCER
LEGISLAÇÃO APLICADA ÀS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS EM LABORATÓRIOS DE ENSINO E PESQUISA
RISCOS OCUPACIONAIS DEVIDOS AOS AGENTES QUÍMICOS
BIOSSEGURANÇA EM BIOTÉRIOS
BIOSSEGURANÇA EM BIOTECNOLOGIA INDUSTRIAL
AÇÕES DE BIOSSEGURANÇA NO CONTEXTO DA GESTÃO DA QUALIDADE

CAPÍTULOS NOVOS
BIOSSEGURANÇA E GARANTIA DA QUALIDADE EM CENTROS DE TECNOLOGIA CELULAR (CTC) PARA FINS DE PESQUISA CLÍNICA E TERAPIA CELULAR E MOLECULAR.
BIOSSEGURANÇA EM CENTROS DE TECNOLOGIA CELULAR
BIOSSEGURANÇA E MEIO AMBIENTE
OBJEÇÕES ÁS PLANTAS GENETICAMENTE MODIFICADAS
MEMÓRIAS DA BIOSSEGURANÇA E BIOSSEGURIDADE
BIOSSEGURANÇA  EM LABORATÓRIO  DE VIROLOGIA
A BIOSSEGURANÇA EM LABORATÓRIOS DE BIOLOGIA MOLECULAR
BIOSSEGURANÇA EM NANOTECNOLOGIA

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Novo sistema de monitoramento de organismos geneticamente modificados aprovado na CTNBio

Texto do Prof. Paulo Andrade, Depto. Genética/ UFPE

Hoje, dia 10 de novembro de 2011, será relembrado como um marco na gestão de riscos de Organismos Geneticamente Modificados no Brasil: a CTNBio aprovou um novo sistema de monitoramento de OGMs que quebra paradigmas e inova em vários aspectos em relação aos sistemas vigentes no Mundo. O que há de novo na proposta? O fluxograma representado na figura 1 resume os passos que levam a um plano de monitoramento ou à sua isenção.



Figura 1: Fluxograma de ações e decisões na condução do plano de monitoramento pós liberação comercial, como constante da proposta aprovada em Plenária na CTNBio em 10 de novembro de 2011. O processo se inicia após a avaliação de risco e a decisão de liberação comercial, pois depende dos riscos apontados pela CTNBio nesta etapa. Se for solicitada e concedida a isenção, o processo se encerra. De outra forma, o plano de monitoramento se inicia em geral pelo monitoramento geral (vigilância geral ou general surveillance) e segue nele pelo tempo determinado pelo plano, exceto se danos forem associados ao OGM durante o período, quando então o monitoramento caso-específico é acionado. Outras opções de ação estão mostradas na figura. O fluxograma está disponível no formato pdf em http://www.mct.gov.br/upd_blob/0218/218394.pdf.

A inovação começa pela compreensão de que, em determinados casos, poderá haver isenção de monitoramento. Esta é uma questão polêmica e não será possível estabelecer um consenso em curto prazo, mas há desde já alguns casos de isenção em que há concordância de todos: os OGMs que não são liberados vivos no ambiente (cultivados em tanques de fermentação, etc.) ou aqueles que não proliferam no ambiente (como mosquitos transgênicos que morrem depois de alguns dias e cuja progênie também morre). Com o tempo, outros casos de isenção poderão vir a ser considerados pela CTNBio. É importante ter em mente que a lei brasileira não obriga o monitoramento de OGMs e que a decisão de exigir o monitoramento é muito mais uma questão de atendimento a uma demanda de determinados setores da sociedade do que uma necessidade explícita de gestão de riscos, uma vez que todos os OGMs até hoje liberados pela CTNBio foram considerados tão seguros quanto seus parentais não transgênicos. O monitoramento, desta forma, será em geral dirigido à detecção de danos associados a riscos não antecipados na avaliação de riscos que antecede a liberação comercial. Com o tempo e a experiência no Brasil e no Mundo com o cultivo e uso de vários OGMs, vai sendo construído um alicerce sólido de gestão de riscos que permitirá decidir se é produtivo monitorar um novo OGM ou se as informações precedentes permitem a isenção deste procedimento.

A inclusão da possibilidade de isenção é, assim, uma inovação positiva porque está alinhada com a melhor ciência, ajusta-se à avaliação de risco precedente e evita o dispêndio de tempo, recursos e pessoal em acompanhamento de produtos cuja biossegurança já esteja atestada por um histórico de uso seguro robusto ou por outros critérios, ou que não possa ser monitorado por questões técnicas. Adotar sempre um monitoramento denota excessiva precaução, que acaba criando barreiras importantes para o empreendedor nacional sem trazer qualquer segurança suplementar ao homem, aos animais de criação ou ao ambiente.

Outra inovação da proposta de monitoramento é a introdução do monitoramento geral
 (general surveillance), que talvez pudesse ser melhor designado como vigilância geral. Este mecanismo consta da proposta européia, que tem quase uma década, embora ainda não efetivamente adotada, mas inova de forma importante na sua forma de atuação: enquanto a proposta européia se baseia no acompanhamento de variáveis numéricas extraídas de observações ambientais, com base em valores de base previamente estabelecidos, para múltiplos alvos de proteção, o sistema brasileiro usa alertas de danos diretos, sem auxílio de valores de base.

As duas formas de avaliar danos ambientais são muito diferentes, de fato. Na visão européia são desvios dos valores base que sugerem danos, mas a grandeza do desvio que pode disparar o sistema é uma disputa científica complexa, assim como a própria construção dos valores de base. Todo o sistema é extremamente dispendioso para o Estado que, na Europa, deve produzir os dados. Segundo o sistema de monitoramento brasileiro, os alertas de danos, gerados pelos participantes da rede de monitoramento geral, são avaliados pela empresa (que conduz o monitoramento e paga seu custo) e pela CTNBio, que deve ser comunicada a cada alerta de dano. Havendo uma base científica de causalidade entre o dano e o OGM, um experimento em contenção é conduzido para comprovar a hipótese (sempre previamente aprovado pela CTNBio e acompanhado por ela). Havendo corroboração do vínculo de causalidade, medidas mitigatórias devem ser adotadas e aí se inicial o processo de monitoramento caso específico. Este último pode ser disparado desde o inicio do monitoramento se riscos não-negligenciáveis foram identificados na avaliação de risco antes da liberação comercial. Esta abordagem é muito mais objetiva do que a européia e, adicionalmente, muito mais econômica, e está sumarizada na Figura 2 abaixo (parte do fluxograma da Figura 1)



Figura 2: Trecho retirado do fluxograma geral mostrando como um alerta gerado no monitoramento geral pode disparar o monitoramento caso específico. Um alerta exige a constatação da existência do efeito adverso (dano). Caso de fato exista, o alerta gera um relatório técnico à CTNBio que, juntamente com a empresa, avalia a relação causal entre o OGM e o dano. Havendo bases científicas para causalidade, experimentos específicos devem ser realizados, cujos resultados determinarão as ações seguintes.

Um ponto forte da forma brasileira de monitorar é a possibilidade de construção de uma rede de informação com participação efetiva de muitos atores das áreas onde será conduzido o monitoramento. Embora a proposta européia também descreva uma rede, ela é muito mais restrita  porque é responsável pela criação do banco de dados de valores de base e exige alta qualificação de seus membros, algo complexo e fora da realidade dos órgãos de extensão rural, empresas ligadas ao comércio de produtos agrícolas, associações de produtores e outras formas de organização social no Brasil. A rede de informações pode ter grande capilaridade e deve estar aberta para a entrada de alertas de diferentes naturezas. A qualidade da rede é avaliada pela consistência dos alertas, podendo haver exclusão de componentes que gerem com freqüência alertas inconsistentes. Por outro lado, a rede não é aberta ao público. Assim, uma rede bem construída representa uma fonte valiosíssima de informações, sem gerar alertas inconsistentes freqüentes.

Em conclusão, o novo sistema de monitoramento incorpora decisões importantes para alinhar as demandas incluídas no plano de monitoramento à avaliação de risco e torná-lo efetivo e de custo compatível aos seus possíveis resultados. Ele é também flexível e poderá ser ajustado à realidade brasileira ao longo dos próximos anos em função do aumento da experiência brasileira na área.  Assim, ele atende à demanda da sociedade brasileira por transparência, uso racional de recursos, oportunidade para as empresas nacionais e segurança alimentar e ambiental, sem empregar uma abordagem de precaução excessiva e sobrecarregar a sociedade com custos desnecessários, fatalmente repassados ao consumidor final.

sábado, 5 de novembro de 2011

Risco é coisa séria

Artigo de Francisco G. Nóbrega enviado ao JC Email pelo autor.
JC e-mail 4364, de 14 de Outubro de 2011

A sociedade moderna está banhada em comunicação. Como "boa notícia não é notícia", a lente psicológica humana registra sempre um cenário pior que a realidade. A percepção usual é que os riscos de todos os tipos aumentam dia a dia. A redução global da violência, por exemplo, é tema do livro recente do psicólogo da Universidade Harvard, Steven Pinker (http://www.samharris.org/blog/item/qa-with-steven-pinker). Ao arrepio do senso comum, ele demonstra, objetivamente, que estamos progredindo neste quesito.

Mas nossa mente não descansa em sua aguda capacidade de detectar outras fontes de risco. Temos alguns campeões de audiência: energia nuclear para eletricidade, alimentos geneticamente modificados e aquecimento global catastrófico e antropogênico. O dano potencial das três ameaças mencionadas, objetivamente, não se concretizou de maneira alguma, embora a terceira ameaça deva se realizar no futuro, segundo seus defensores. As pessoas se encantam com o automóvel e seus acessórios, cada vez mais atraentes. Não se pensa em baní-lo, apesar de resultar em cerca de 40.000 mortos e inúmeros incapacitados cada ano, só no Brasil. David Ropeik, que pertence ao Centro Harvard para Análise de Risco, explica como facilmente se distorce o perigo real de situações. Quanto mais afastadas do senso comum (como radiação e plantas geneticamente modificadas), mais facilmente são manipuladas, por ignorância ou interesses outros, apavorando o cidadão comum. Ropeik explica como este medo sem sentido passa a ser um fator de estresse e um risco objetivo para a saúde das pessoas, devendo ser evitado.

Dentro desse universo, são justificadas as preocupações do Dr. Ferraz ("O feijão nosso de cada dia", Jornal da Ciência, 6/10/2011). Ele é membro da CTNBio, atua na setorial vegetal/ambiental e sua área de concentração é em agroecologia, o que explica, pelo menos em parte, suas dúvidas. No entanto essas preocupações não têm a consistência sugerida pelo autor e a análise da CTNBio, que resultou na aprovação deste feijão, é confiável.

A comissão se pauta sempre pelas diretivas da legislação que são amplas, para dar conta de todas as possibilidades de risco para os consumidores e meio ambiente. No entanto o corpo técnico existe exatamente para atuar de maneira seletiva e consciente, examinando caso a caso. Os testes são examinadas com o rigor que a modificação introduzida na planta exige para plena segurança. Se as modificações são consideradas sem qualquer risco significativo, os testes são avaliados à luz deste fato.

Testes com muitos animais, altamente confiáveis estatisticamente, seriam exigidos pela comissão na eventualidade de uma planta transgênica produzir, por exemplo, uma molécula pesticida não protéica que seria em tudo semelhante a uma droga produzida pela indústria farmacêutica. Isto poderá acontecer em certo momento, já que as plantas têm capacidade de produzir os mais variados pesticidas naturais para se defenderem na natureza. A substância seria absorvida no intestino e se disseminaria por órgãos e tecidos, possivelmente exercendo efeitos sistêmicos e localizados que exigem avaliação. Isso já aconteceu, sem querer, com uma batata produzida por melhoramento convencional nos EUA. Seu consumo levou a mal estar e foi recolhida apressadamente: portava altos níveis de glicoalcalóides tóxicos para o homem, o que explicava sua excelente resistência às pragas da cultura.

No caso do feijão Embrapa, nenhuma molécula não protéica nova é produzida e o pequeno RNA que interfere com a replicação do vírus, caso alguém venha a ingerir folhas e caules, será um entre centenas ou milhares de RNAs que ingerimos diariamente com qualquer produto vegetal. O RNA introduzido, no entanto, não foi detectado no grão do feijão cozido, usando técnicas extremamente poderosas.

As variações detectadas, se estatisticamente significativas (concentração de vitamina B2 ou cisteína por exemplo) não representam risco algum. A técnica clássica de cultura de tecidos, usada para gerar variedades de qualidade em horticultura e propagação de árvores, reconhecidamente resulta em variações naturais que introduzem certas modificações desejáveis e algumas indesejáveis, que o melhorista depois seleciona. É a variação somaclonal, que também afeta os clones geneticamente modificados na sua fase de seleção.

Portanto, é no mínimo ingênuo dizer que o feijão Embrapa 5.1 "deveria ser idêntico" a variedade de origem pois as manipulações necessárias para gerar o transgênico resultam em certas alterações que, se irrelevantes, são ignoradas e se deletérias são descartadas pelos cientistas. Se fizermos as mesmas análises, cujos resultados preocupam alguns, com as muitas variedades convencionais consumidas no país, as diferenças serão impressionantes e irrelevantes para a questão "segurança".

Como já foi comentado anteriormente, não existe base factual (bioquímica ou genética) para imaginar que o feijão Embrapa apresente risco maior do que um feijão comum ou melhorado por mutagênese química ou física, que por sinal, não é supervisionado nutricional e molecularmente antes de sua comercialização. Sem base biológica, os testes tornam-se formalidades supérfluas e o ruído experimental, principalmente com amostras pequenas, quase inevitavelmente vai gerar resultados que são irrelavantes a menos que se amplie muito o número de animais (para amostras controle e transgênicas) além de ser prudente incluir animais alimentados com outros feijões convencionais para uma idéia realista do significado das variações detectadas. Imaginem o custo dessa busca "caça fantasma", desencadeada simplesmente devido a uma aplicação pouco esclarecida do princípio da precaução. As preocupações sem base racional, levantadas a todo momento pelos que temem a tecnologia, se aplicariam com maior lógica aos produtos convencionais.

Caso isso aconteça, do dia para a noite estaria inviabilizada a produção agrícola do planeta. Por que não fazer estudos com Rhizobium e nodulação em todos os feijões comercializados? Por que não conduzir estudos nutricionais de longo prazo com os alimentos convencionais derivados de mutagênese? Qual a razão lógica que exclui essas preocupações com as plantas convencionais? Ou a razão seria metafísica? A alteração introduzida seria "contra a natureza", algo como o pecado original, que, em muitas interpretações, consistiu apenas em comer o fruto da "árvore do conhecimento"? Recentemente 41 cientistas suecos da área vegetal lançaram um manifesto contra a sobre-regulação da genética moderna na Europa (reproduzido no blog GenPeace: genpeace.blogspot.com). Os autores observam que, fazendo um paralelo com as exigências para os produtos farmacêuticos, a "lógica da legislação atual sugere que apenas drogas produzidas por meio de engenharia genética deveriam ser avaliadas quanto a efeitos indesejáveis".

Instilar o medo com base em suposições não ajuda a proteger a população ou o meio ambiente. Marie Curie teria dito "Na vida nada deve ser temido. Mas tudo deve ser compreendido". Considero irresponsável usar o "princípio da precaução" como alguns o fazem. Inclusive a OMS caiu nesta armadilha, classificando os telefones celulares no grupo 2B de risco para causar câncer. A radiação destes equipamentos é cerca de um milhão de vezes inferior à energia que pode produzir radicais livres e gerar dano ao DNA. A classe 2B inclui o risco de câncer relativo ao café, resíduos da queima de combustíveis fósseis e uso de dentadura.... O que a WHO manteve viva, irresponsavelmente, é a justificativa para a dúvida, que vai legitimar pesquisas caras e irrelevantes, cujo resultado será inconclusivo, como o mega estudo anterior. Incrivelmente mais perigoso é o uso do celular enquanto se dirige.

Francisco G. da Nóbrega é professor da Universidade de São Paulo (USP).