terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Semente transgênica já é maioria também na agricultura familiar

27 de fevereiro de 2012 - 15:54h
Autor: Assessoria

A biotecnologia já é um benefício consolidado entre agricultores familiares de todo o Brasil. Independente do tamanho da propriedade, a opção pela semente geneticamente modificada (GM) é uma realidade entre todos os produtores que, segundo Narciso Barison Neto, presidente da Associação Brasileira de Sementes e Mudas (ABRASEM), têm, hoje, acesso direto a variedades que facilitam o manejo das plantações e trazem maior produtividade.

“A semente transgênica é uma escolha em meio às diversas opções oferecidas, e que faz cada vez mais sucesso também entre os pequenos e médios agricultores”, acredita Barison. Ele explica que o ponto forte do uso das sementes com tecnologia é a facilidade de manejo. “Muitos agricultores não têm acesso ao melhor maquinário, por exemplo, mas têm as sementes GM, que são mais fáceis de utilizar, mesmo em áreas menores”.

De acordo com o presidente da ABRASEM, os pequenos e médios produtores de soja, milho e algodão (culturas que têm as variedades GM liberadas para uso comercial no Brasil) perceberam que podem também entrar no mercado junto a grandes produtores se investirem em tecnologia. “O agricultor passou a ver a biotecnologia de uma maneira diferente e positiva nos últimos anos. Os benefícios dessas sementes já estão claros e, também, da comodidade e tranquilidade que trazem para as plantações”. Para ele, com o tempo e os resultados, ficou comprovado que esse tipo de semente ajuda a melhorar a renda e a reduzir custos de produção, uso de defensivos e impactos ambientais.

A utilização de biotecnologia também colocou os agricultores familiares dentro do mercado, com uma presença mais atuante. “As vantagens em relação aos custos da produção também são reconhecidas. São tecnologias a um preço acessível e que trazem benefícios nos resultados, com maior produção e produtividade”. Para ele, é importante lembra ainda que, nas lavouras brasileiras, existe espaço para todas as opções dos agricultores e para convivência com todos os nichos de mercado.

Nota da redação de GenPeace

O que impede o pequeno agricultor ou o agricultor familiar de embarcar na nova tecnologia? Por outro lado, será ele obrigado a isso? A decisão é inteiramente baseada numa questão de custo-benefício, mais nada. É evidente que a questão da coexistência terá que ser equacionada: afinal, o pequeno agricultor tem uma relação superfície plantada/perímetro muito desfavorável para as regras de coexistência. Será instrutivo acompanhar isso e ver como o quadro se desenvolve.

Gerando Desinformação



Prof. Dr. Walter Colli
Médico e bioquímico, ex-presidente da CTNBio e professor titular aposentado da USP
Artigo publicado no Jornal Brasil Econômico de 17/02/2012.



            Os alimentos transgênicos são uma realidade. No Brasil, seu plantio teve início em 2003, dois anos antes da Lei de Biossegurança regulamentar sua pesquisa e comercialização. O País hoje perde apenas para os Estados Unidos em volume de produção de produtos geneticamente modificados. Segundo o relatório do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações Biotecnológicas Agrícolas (ISAAA), o Brasil plantou 30,3 milhões de hectares de cultivos transgênicos em 2011, um aumento de 19,3% em relação ao ano anterior. Isso significa que 75% da soja e 55% do milho cultivado hoje no Brasil são transgênicos. Para a safra de 2011/2012, o Instituto Céleres prevê que atingiremos 31,8 milhões de hectares cultivados.

            Apesar dos números superlativos, a grande maioria dos consumidores não faz ideia do que seja um alimento transgênico. De acordo com uma pesquisa da Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação (ABIA), realizada pelo Instituto Ipsos em 2010, 74% dos brasileiros nunca ouviram falar em transgênicos ou organismos geneticamente modificados (OGM). Esse dado é preocupante, uma vez que o Brasil se projeta como grande líder na produção de alimentos, posição esta também alcançada pelo uso da tecnologia no campo – neste caso específico, o uso da biotecnologia.

            A preocupação na comunicação acerca dos transgênicos aumenta. O decreto nº 4680/03 requer que todos os alimentos ou ingredientes alimentícios que contenham mais do que 1% de sua composição final de produtos provenientes de OGMs deverão apresentar essa informação em seus rótulos, hoje representada por um triângulo amarelo e um “T” no centro.
Segundo uma pesquisa realizada pela ABIA em 2010, apenas 8% dos entrevistados associam o símbolo do “T” aos OGMs. Outros 56% afirmam não saber seu significado, 22% o associam a um sinal de trânsito e 11% a um sinal de perigo, alerta de proibição ou de que o produto faz mal à saúde.

            Desse modo, o que deveria ser um instrumento de informação ao consumidor acaba confundindo e gerando desinformação sobre os produtos transgênicos. Nega-se ao consumidor a informação mais importante, ou seja, a de que não existe comprovação científica de que os transgênicos façam mal à saúde ou mesmo uma explicação plausível sobre a presença de  transgênicos no alimento.

            A obrigatoriedade da rotulagem por meio de um símbolo que gera desinformação é um desserviço ao consumidor. O fator de maior importância nessa discussão é que os alimentos – sejam eles convencionais, transgênicos, orgânicos, funcionais, diet ou light – cheguem ao mercado com informações corretas, isentos de especulações ou pressões de grupos partidários. A indústria alimentícia não deve temer o triângulo contendo o T. Mas nada impede que embaixo do símbolo esteja escrito "aprovado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio)". Desse modo, os consumidores terão garantido o direito ao livre arbítrio e exercerão o seu poder de compra de maneira segura, precisa e consciente. Há que informar, mas corretamente.     


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Agrotóxicos e transgênicos no Brasil: muito barulho por nada

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Revi este texto logo após a invasão da CTNBio pelo MST. Na ocasião os manifestantes repetiram inúmeras vezes que os transgênicos eram os culpados pelo aumento dos agrotóxicos e que os agrotóxicos estavam envenenando os trabalhadores e nossa comida. Ora, o texto abaixo, escrito em 2013, revia justamente a questão dos agrotóxicos e dos casos de intoxicação, com base nos dados do Sinitox (Fiocruz) e não apenas com base no que se escuta por aí. O resultado é surpreendente: os agrotóxicos têm um impacto muito pequeno na saúde do trabalhador e muito menor ainda, na do consumidor. Aliás, era de se esperar, uma vez que há um controle relativamente rígido no emprego destes produtos. Assim, a maioria esmagadora dos casos de intoxicação provém de erros no uso (acidentes individuais) e tentativas de suicídio (estas são 30 % dos casos notificados). Um número ínfimo (em geral rondando 10 casos por ano) é de intoxicação alimentar. Ainda assim, muito provavelmente por produtos que não envolvem transgênicos, uma vez que a maior parte dos alimentos encontrados com resíduos de agrotóxicos provem da pequena agricultura familiar. A releitura do texto, no rescaldo das invasões do MST, é importante demais.
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Recentemente o Valor Econômico (23/02/2012) publicou texto de José Agenor Alves da Silva, diretor da ANVISA, sobre o trabalho daquela agência no rastreamento de resíduos de agrotóxicos em alimentos e as dificuldades que a agência tem enfrentado na aceitação de seus resultados, tendo sido desafiada em sua credibilidade por alguns setores da sociedade (http://www.valor.com.br/opiniao/2538528/agrotoxico-pimentao-e-suco-de-laranja). Não podemos aqui discutir esta questão, que ultrapassa em muito os objetivos deste fórum, mas queremos ressaltar que a incidência de intoxicações alimentares devidas a agrotóxicos no Brasil está grosseiramente exagerada pela mídia e por alguns órgãos de governo. Isso tem também relação direta com as plantas transgênicas, falsamente acusadas de ser fonte de intoxicação por agrotóxicos, o que é uma tremenda inverdade, como se verá mais abaixo.
Se é certo que o Brasil consume uma imensa quantidade de agrotóxicos, é certo também que exporta um volume enorme de produtos agrícolas para todas as partes do mundo, com raríssimos casos de problemas relacionados a resíduos de agrotóxicos. A razão disso é que o grande produtor tem um controle rígido do uso de agrotóxicos, que não apenas representam para ele custos, mas são uma fonte de problemas pós-colheita caso resíduos acima do permitido permaneçam no produto. Isso é válido tanto para produtos de exportação como para o mercado interno, que é fiscalizado, inclusive pela ANVISA. O resultado é que os alimentos industrializados de origem vegetal raramente contem resíduos de agrotóxicos acima do permitido.
Poder-se-ia argumentar que o ideal é resíduo zero. Ora, a própria natureza se encarrega de produzir um sem número de diferentes toxinas, muitas delas análogas aos agrotóxicos, que estão em nossos alimentos sempre. Além disso, como é sabido desde Paracelso, faz quatro séculos, a dose é o que importa. Pode haver, em alguns casos, uma bioacumulação no consumidor final, mas isso só corre com alguns agrotóxicos que são, por isso mesmo, muito controlados. O uso bem feito dos agrotóxicos tem permitido ao Brasil ganhar um enorme espaço na exportação de alimentos, ao mesmo tempo oferecendo aos brasileiros alimentos de qualidade por preço altamente competitivo.
Assim, é pouco provável que o grosso dos alimentos consumidos pelos brasileiros chegue ao mercado contaminado. Além disso, ao contrário do que afirma o diretor da ANVISA, a linha que separa os efeitos benéficos de eliminar uma praga e os efeitos maléficos, que podem levar um ser humano à morte, não tem nada de tênue. Os mecanismos de ação podem ser muito diferentes e, sobretudo, a dose de agrotóxico que chega a ser ingerida num alimento é muitas ordens de grandeza inferior àquelas observadas na lavoura. Com estas informações em mente, podemos analisar os dados que o país dispõe sobre intoxicação com agrotóxicos e sobre a parcela destes casos que é devida à ingestão de alimentos contaminados com agrotóxicos agrícolas.
O acesso online ao SINAN permite gerar várias tabelas, entre elas esta, para 2006, Não há registro no banco de anos posteriores, embora haja um relato em pdf que está discutido mais abaixo.


Uma breve análise mostra que, dos pouco mais de 3000 casos registrados em 2006, 33% foram tentativas de suicídio, a maior causa percentual de intoxicação com agrotóxicos. Em seguida, outros 30% são devidos a acidentes de trabalho, totalizando quase 1000 casos. Há 15% de casos sem identificação de circunstância. Outros 15% são devidos à acidentes.O que salta à vista é que apenas 43 casos foram atribuídos à contaminação de alimentos, embora não esteja discriminada a origem deles (se diretamente da lavoura ou de revenda, se de pequeno proprietário ou agroindústria, nem o tipo de alimento).
Assim, o número absoluto de casos é muito reduzido e as causas da contaminação alimentar são difíceis de avaliar. No total de casos, elas representam apenas 1,2% dos casos notificados. Uma análise da distribuição geográfica mostra que os casos estão espalhados por alguns estados, sem correlação óbvia com o plantio de transgênicos.
Apesar de suas deficiências conhecidas (subnotificação, viés do notificador, etc,), o SINAN é confiável e abrange todo o país. Uma estimativa precisa dos casos de intoxicação alimentar por agrotóxicos está fora dos objetivos deste artigo. O que se que ressaltar aqui é a pequena relevância  percentual dos casos de intoxicação alimentar por agrotóxicos (em torno de 1%) quando comparada às causas maiores (acidentes, ocupação, suicídio, etc.). Deve-se lembrar aqui que o SINITOX registra quase 10 vezes mais casos de intoxicação por alimentos devidos ao próprio estado de conservação dos alimentos do que por contaminação por resíduos de agrotóxicos.

Em um documento da SVS-MS (http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/af_III_informe_agrotoxicos_09.pdf), as mesmas informações acima podem ser apreciadas para 2008. O cenário não muda significativamente (os casos que interessam aqui são da coluna C9):



Para 2007, o SINITOX registra apenas 12 casos de intoxicação alimentar por agrotóxicos para todo o país. Ainda que o total anual de casos no Brasil de intoxicação alimentar por agrotóxicos totalizasse 100, suas causas podem ser as mais diversas, assim como a origem destes produtos. Não há dúvida que a intoxicação de trabalhadores e por acidentes é um sério problema, assim como o uso destes produtos em tentativas de suicídio, mas não há qualquer base para se atribuir aos transgênicos a pecha de levar à boca do consumidor os agrotóxicos usados na lavoura. Até porque dos alimentos onde se detecta ocasionalmente níveis de pesticidas acima do permitido por lei não faz parte nem milho nem soja, as únicas plantas transgênicas consumidas como alimento no Brasil (do algodão, terceira planta transgênica, só se consome o óleo, que é um produto purificado e não contem pesticidas nem proteínas recombinantes expressas pela planta geneticamente modificada). De fato, a ANVISA monitorou  dezoito  alimentos: abacaxi, alface,  arroz, batata, beterraba, cebola, cenoura, couve, feijão, laranja, maçã, mamão, manga, morango, pepino, pimentão, repolho e tomate. A escolha das culturas baseou-se nos dados de consumo obtidos pelo  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na disponibilidade destes alimentos nos supermercados das diferentes  unidades da Federação e no uso intensivo de agrotóxicos nestas culturas. De acordo com a própria ANVISA, no texto produzido pelo programa PARA, análise dos dados do Censo Agropecuário  do IBGE de 2006 mostra alguns fatores  que  potencializam o risco de uso inadequado dos  agrotóxicos e  a contaminação dos alimentos:
• 785 mil estabelecimentos (56,3% daqueles onde houve utilização de agrotóxicos) não receberam orientação  agronômica.  Das propriedades que receberam assistência (172 mil), 76,7% usam agrotóxicos.
• Quase 85% da mão de obra agrícola se encontram nas pequenas  propriedades, e mais de 80% dos  proprietários rurais  e 37,5% dos trabalhadores com laços de parentesco com  eles é analfabeta ou sabe ler e escrever, mas não tem escolarização formal ou apenas o ensino fundamental incompleto.
Isso é especialmente válido para os produtores dos itens agrícolas que foram avaliados pelo PARA, mas não se aplica de uma forma geral aos produtores de plantas transgênicas, que tem um domínio técnico muito mais elevado. Não se está aqui afirmando que o problema da contaminação dos alimentos com agrotóxicos está restrito à pequena agricultura e à agricultura familiar, mas que ele é certamente de muito menor proporção na agroindústria. Efetivamente, não há qualquer dado que indique contaminação de agrotóxicos em soja e milho, nem razão técnica para isso, e muito menos no caso destes cultivos, quando transgênicos.

Concluímos que, na questão de intoxicação alimentar por agrotóxicos, há muito barulho por pouco. E, especificamente para a participação das plantas transgênicas nisso, há certamente muito barulho por nada. A quem interessa manter esta mentira rolando na mídia?

Atualização

A consulta ao Sinitox para 2012 (dado mais recente) não muda o cenário descrito com base no relatório anterior (1998-2007). Observemos as tabelas:


Tabela das intoxicações em 2012 (Sinitox)

Agente
Vítima humana
Vítima animal
Informação
Total
% do total de intoxicações no país em 2012
Medicamentos
24029
132
627
24788
27,62
Agrotóxicos/Uso Agrícola
3937
76
98
4111
4,58
Agrotóxicos/Uso Doméstico
1843
144
118
2105
2,35

A tabela 10 (http://www.fiocruz.br/sinitox/media/tabela%2010_2012.pdf) mostra que houve pouco mais de 100 óbitos e 22 sequelas associadas aos agrotóxicos. 

Mas que circunstâncias estavam envolvidas nestes casos? É extremamente instrutiva a inspeção da Tabela 6 (http://www.fiocruz.br/sinitox/media/tabela%206_2012.pdf) :

De dos os quase 3000 casos, apenas 7 foram por ingestão de alimentos. Ainda assim, não se sabe em que condições exatas. A maioria esmagadora foi a soma de casos individuais e tentativas de suicídio, que são justamente as circunstâncias que levam a sequelas e morte.

Leituras recomendadas:

Resultados de campo sobre uso de agrotóxicos por pequenos produtores: muito elucidativo: http://www.ecodebate.com.br/2012/02/23/pequenos-produtores-estao-cientes-de-riscos-dos-agrotoxicos/
Neice Müller Xavier Faria,  Anaclaudia Gastal Fassa e Luiz Augusto Facchini - Intoxicação por agrotóxicos no Brasil: os sistemas oficiais de informação e desafios para realização de estudos epidemiológicos. Ciência & Saúde Coletiva, 12(1):25-38, 2007 (http://www.scielo.br/pdf/csc/v12n1/04.pdf)


Leia também:

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

A ciência das coisas que não são assim

A ciência das coisas que não são assim

Por Bruce Chassy & I. Henry Miller
Prêmio Nobel de Química, Irving Langmuir relatou em um discurso famoso em 1953 a sua visita ao laboratório de JB Rhine, da Duke University, onde Rhine estava reivindicando resultados de experimentos com percepção extrasensorial que não poderiam ser atribuídos ao acaso, e que ele atribuiu a fenômenos psíquicos. Langmuir descobriu que Rhine estava apenas filtrando seletivamente os dados de seus experimentos, omitindo os resultados daqueles que acreditava haverem sido produzidos pelos seus parceiros apenas a fim de humilhá-lo.
A evidência? Rhine achou que alguns dos valores foram baixos demais para terem ocorrido ao acaso, e que seria, portanto, na verdade, enganoso incluí-los nos cálculos. Langmuir apelidou esse desvio dos princípios do método científico "ciência patológica", a "ciência das coisas que não são assim."
Praticamente todos os cientistas concordam que a metodologia de Rhine cruza a linha de incompetência e desleixo e cai na categoria de má conduta científica, mas essa linha é mal definida hoje para alguns cientistas, cuja pesquisa reflete uma agenda política óbvia. Muitas vezes, a agenda é a oposição cega e a obstrução a qualquer pesquisa, produto ou tecnologia que eles condenam.
Um exemplo atual de um cientista que, embora menos culpado de falsificar dados para obter a resposta desejada, sistematicamente prima pelo desempenho insatisfatório de experimentos através do mau planejamento e da grosseira deturpação dos resultados, é o biólogo francês Gilles-Eric Séralini;, Ele se tornou especialista em experimentos mal projetados, irrelevante e não interpretáveis ​​(mas sobre-interpretados!), destinados a demonstrar dano a partir de plantas geneticamente modificadas em vários cenários experimentais altamente artificiais.
Seu último exercício na ciência-para-propaganda é um artigo que pretende mostrar efeitos tóxicos de duas toxinas da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), cujos genes foram introduzidos em muitas variedades de milho, soja e algodão para aumentar a resistência a insetos. É interessante notar que os esporos e proteínas purificadas produzidas por Bt têm sido usados ​​para controlar pragas de insetos desde a década de 1920: consideradas seguras, exceto para insetos suscetíveis, estirpes diferentes e formulações de Bt estão livre e fartamente disponíveis para jardineiros e agricultores).
Séralini e seus colaboradores examinaram os efeitos de duas toxinas Bt (na presença e na ausência de herbicida Roundup) in vitro sobre uma linhagem de cultura de células embrionárias de rim. Eles procuraram - e encontraram - efeitos sobre três biomarcadores de "morte celular" - ou seja, mudanças nos níveis de diversas enzimas.
Há todo um conjunto de falhas fundamentais no experimento de Séralini. Em primeiro lugar, porque o teste numa placa de Petri é pouco preditivo dos efeitos sobre um animal intacto no mundo real, não sendo de forma alguma um substituto para o teste em animais. Muitos produtos químicos e proteínas que consumimos rotineiramente e sem intercorrências seriam tóxicos se aplicado diretamente às células isoladas. Como a absorção e distribuição de um produto ingerido ou injetado no corpo tem que ser levadas em conta, os testes de toxicologia devem ser realizados de uma forma que se assemelhem à exposição prevista do organismo vivo no mundo real.
Em segundo lugar, quase todos os produtos químicos testados são tóxico para as células isoladas em cultura, literalmente indefesas numa placas de Petri. Uma concentração elevada de sal de cozinha, por exemplo, faz com que células em cultura sequem e morram; muitas são igualmente sensíveis a pequenas alterações no pH. Esta situação é muito diferente em um organismo vivo: os animais evoluíram defesas elaboradas contra os milhões de substâncias químicas presentes no ambiente que podem prejudicar as células. A primeira linha de defesa é simples: a pele, e as células que revestem o trato gastrointestinal. Proteínas Bt não podem atravessar as células destes tecidos (como a imensa maioria das outras proteínas. Nota do editor), e por isso as outras células e órgãos dos animais não são expostos às proteínas Bt. Este fato - que Séralini convenientemente ignora - é conhecido há décadas.

Em terceiro lugar, Séralini e seus parceiros de aventura ignoraram o antigo provérbio de que a dose faz o veneno. Ele é conhecido desde Paracelso no século 16: todas as substâncias podem ser venenosas, mas é a dose determina se são ou não prejudiciais. Sem não tomarmos a coisa nesses termos, sabemos que seria verdade que substâncias tão díspares como o monóxido de carbono e Tylenol poderiam ser encaradas como venenos.

A afirmação de Séralini de que, em seus experimentos, as células em cultura foram expostas a doses agronomicamente relevantes do Roundup (uma marca do onipresente herbicida glifosato) é hipócrita. Os produtos alimentares produzidos a partir de soja e milho geneticamente modificados, amplamente cultivados e consumidos em todo o mundo e tolerantes a herbicidas, contêm apenas pequenas quantidades de Roundup que são várias ordens de magnitude menor do que aqueles usados ​​por Séralini em seus experimentos. Roundup em si é tão tóxico quanto o bicarbonato de sódio. Como informação adicional, é interessante notar que os resultados de Séralini sugerem que proteína Bt efetivamente protege as células de cultura dos danos causados ​​pelos Roundup... Mas é claro que no mundo real as células isoladas nunca seria exposta nem a uma substância nem à outra. 
Quarto, os resultados Séralini são refutados pelos resultados bem conhecidos de experiências reais de alimentação animal: as proteínas Bt não prejudicam os animais em doses um milhão de vezes maiores do que os humanos poderiam encontrar em suas dietas.  Numerosos artigos científicos publicados em revistas de corpo editorial rígido têm demonstrado que as proteínas Bt não são tóxicas para animais ou seres humanos. Proteínas Bt tem especificidade biológica estreita e afetam apenas algumas espécies de insetos estreitamente relacionados, mas não tem nenhum efeito em outros insetos ou organismos superiores. Esses fatos por si só tornam os resultados deste experimento de Séralini irrelevantes.

Finalmente, os toxicologistas avaliam os potenciais efeitos prejudiciais de uma substância baseados na dose e nos níveis e frequência de exposição. Nos Estados Unidos, a vasta maioria do milho colhido vai para alimentação animal e biocombustível; menos de 2% da colheita total de milho é usado para fazer produtos alimentícios de (chips, farinha de milho, etc). Em muitos destes produtos, a farinha de milho é processado de uma maneira que destrói as proteínas Bt.
Em qualquer caso, cozer, assar ou fritar o alimento fatalmente desnatura as proteínas Bt. Os demais usos da soja e do milho Bt em outros alimentos em geral envolvem amidos altamente purificados e óleos que não têm contem Bt. O ponto crítico é que a exposição humana esperada para proteínas ativas de Bt é efetivamente nula. Mesmo se pequenas quantidades sobreviveram ao processamento e forem consumidas na forma ativa, seriam desnaturadas pelo ácido gástrico e digeridas no intestino. E finalmente, mesmo que por algum motivo restem algumas moléculas sem serem digeridas, elas não seriam absorvidos pelas células epiteliais do trato gastrointestinal , sendo excretadas pelas fezes ao final. (Mesmo no Nordeste brasileiro e em outras áreas do mundo, onde o milho é consumido in natura ou diretamente em preparações alimentares, mas sempre cozido, assado ou frito – pipoca -  o consumo nunca é tão alto nem tão regular como se poderia imaginar pelo discurso dos aguerridos oposicionistas ao milho GM. Nota do Editor)

Tais experimentos irrelevantes e flagrantemente falhos nunca farão incursões na comunidade científica, mas sua existência é importante porque suas descobertas espúrias são copiadas e repetidas várias vezes por ativistas anti-biotecnologia.

Às vezes eles podem até encontrar o caminho para a grande mídia, e aí reside o perigo. Ela distorce a opinião pública através do fenômeno da "cascata de informação." Esta é a maneira pela qual as idéias incorretas ganham a aceitação, por serem repetidas à exaustão até que sejam aceitas como verdadeiras, mesmo na ausência de evidência persuasiva.
Muitos equívocos sobre certos temas, tecnologias ou produtos, tais como produtos químicos, energia nuclear e engenharia genética, surgem a partir da batida constante de acusações dúbias de grupos de defesa variados, políticos de plantão e da mídia. A promoção de tecnofobia tornou-se uma grande indústria nos Estados Unidos e na Europa. (mas os tecnófobos não dispensam a energia elétrica gerada pelas usinas nucleares, os caros novos, celulares, Ipods, Ipads, tablets, etc...Nota da redação).
Outro fator que contribui para equívocos entre o público é o que foi apelidado de "ignorância racional", que entra em jogo quando o custo de se informar suficientemente acerca de um assunto para tomar uma decisão supera qualquer benefício potencial que se poderia esperar a partir dessa decisão. Por exemplo, os cidadãos ocupados com as preocupações da vida diária de suas famílias, trabalho e saúde podem não considerar que seja rentável estudar os potenciais riscos e benefícios de usinas nucleares ou de plastificantes em brinquedos infantis. Isso é lamentável, porque a liberdade de expressão e os processos democráticos só podem servir a sociedade quando os cidadãos estão suficientemente bem informados para serem capazes de rejeitar alegações pseudocientíficas como as de Séralini e de outros propagandistas e deturpadores da ciência.
Nas sociedades livres, propagandistas como Séralini podem cometer delitos ou mesmo improbidade, sem medo de represálias. Para conter aqueles que abusam da ciência responsável, outros cientistas devem expor enganos e as revistas científicas devem realizar rigorosa e consciente revisão por pares de todos os artigos (mais rigorosa e consciente, certamente, do que foi feita no artigo de Séralini).

Bruce M. Chassy é professor de Ciência dos Alimentos e Nutrição Humana na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e um ex-membro da Comitê Consultivo da FDA; Henry I. Miller é médico e ex-diretor do escritório do FDA de Biotecnologia, Robert Wesson fellow de Filosofia Científica e Políticas Públicas na Universidade de Stanford. 

links para os textos originais