segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sociedade Brasileira de Melhoramento de Plantas na 65ª Reunião Anual da SBPC – Mesa redonda e Mini-curso


Adicionar legenda
A Sociedade Brasileira de Melhoramento de Plantas (SBMP) esteve presente na 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, realizada em Recife, de 21 a 26 de julho deste ano. A associação teve participação em uma conferência, um minicurso e uma reunião com o Ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação.


O Presidente da SBMP, Ney Sakiyama, e representantes de outras sociedades científicas brasileiras participaram do Diálogo com o Ministro Marco Antonio Raupp, que demonstrou grande disposição em ouvir a comunidade científica. O vice-Presidente da SBMP, Messias Gonzaga Pereira, proferiu a conferência "A Importância dos Recursos Genéticos para a Agricultura", tendo sido acompanhado pelo ex-Presidente da SBMP, Aluízio Borém. O minicurso "Biossegurança de Plantas Transgênicas" sugerido pela SBMP foi ministrado pelo professor Paulo Paes de Andrade, da UFPE.

domingo, 28 de julho de 2013

Brincadeira tem hora, brincadeira tem hora! Crítica sobre biossegurança e uso comercial de plantas transgênicas parece retirada de uma peça de Ionescu.

Só pode ser brincadeira a forma como certos especialistas procuram embaralhar as informações em biossegurança e agricultura para confundir a cabeça do público. Vejam, por exemplo, a pérola publicada pela Revista Agriculturas ( v. 10,  n. 1, março de 2013) e intitulada “Transgênicos no Brasil: a manipulação não é só genética”. Os autores querem passar aos leitores a ideia de que o Governo (através da CTNBio, da Presidência e de outras instâncias) manipula os resultados da avaliação de risco, faz propaganda enganosa dos produtos transgênicos e de toda forma expõe a população a riscos em nome do capital. Pode ser que, em maior ou menor grau, algum tipo de lobby e conchavo tenha ocorrido e ainda ocorra dentro deste país, mas a matéria publicada não mostra nada disso em relação à CTNBio que, por seu cunho expressamente técnico e por sua constituição é essencialmente imune a estas artimanhas. O que ela faz é amontoar coisas sem relação umas com as outras, seja porque aconteceram em épocas distintas, seja porque seus mecanismos de ação são diferentes. Desta forma, os autores chegam a conclusões de fato surpreendentes, mais ainda quando se considera que dois são engenheiros agrônomos e membros da própria CTNBio, que tão duramente acusam.

Como a argumentação (em parte baseada em notícias da mídia leiga e no disse-me-disse usual da internet) e as conclusões estão erradas de cabo a rabo, é impossível fazer uma sinopse e o leitor  terá que ser paciente e ir montando seu mosaico à medida que avança no nosso. Nossa crítica será, portanto, realizada passo a passo. Para que o leitor possa nos acompanhar, sugerimos que vá ao portal da revista e baixe o artigo em pauta.

Os autores começam historiando a criação de um sistema de avaliação de riscos de OGM no Brasil, lá ainda na década de 90. O país não tinha experiência alguma nisso e o Mundo tinha pouca. E, naturalmente, os ajustes tiveram que ser feitos com o tempo. Corretamente se diz na matéria que havia a percepção de que o assunto (biossegurança) era da alçada de diferentes instâncias, mas a verdade é que, naquele tempo, tanto a forma de avaliar riscos como a inserção da avaliação de riscos no contexto da análise de riscos estavam muito pouco claras.  Quando a nova lei foi promulgada, em 2005, já havia um consenso internacional de que a avaliação de riscos era um processo essencialmente científico e que os demais componentes  da análise de risco (gestão e comunicação de riscos) deveriam ser mantidos separados, sendo atribuição de outros especialistas.
Assim, bem ao contrário do que sugerem os autores, não foi para atender à pressão das empresas que o legislador decidiu dar total independência à CTNBio para decidir sobre riscos e ligá-la ao Ministério da Ciência e Tecnologia, deixando ao Conselho Nacional de Biossegurança a tarefa de avaliar questões socioeconômicas e de outras naturezas, quando este julgasse cabível (ou quando acionado pelos órgãos de fiscalização e registro). Fê-lo, sim, mas para dar clareza à avaliação de risco e manter sua independência das demais fontes de elementos de análise.  Como a lei não delegou a qualquer outra instância a tarefa de avaliar riscos, a CTNBio deixou de ser consultiva e passou a ser deliberativa. Ao contrário do que dizem os autores, isto não foi uma exigência das empresas, mas uma consequência da evolução da forma como se faz análise de risco e da atualização da legislação. Depois da nova lei, como esperado,  as avaliações finalmente foram sendo concluídas e, sendo os riscos iguais àqueles observados nas plantas não transgênicas, as plantas transgênicas começaram a ser aprovadas para uso comercial.

O legislador também foi sábio em criar uma comissão com uma base muito variada de especialistas e de não os remunerar, evitando a formação de um corpo permanente e permitindo uma renovação constante dos quadros. Com estas duas ações (ligar a CTNBio ao MCT e criar um corpo plural e multidisciplinar) o legislador alcançou uma representatividade importante da CTNBio frente à sociedade. E evitou o conflito de interesses entre os diferentes ministérios quando deles dependia diretamente uma última palavra.  É sempre bom lembrar que muitos ministérios têm representantes  na CTNBio e que outros grupos sociais também estão representados, além das sociedades científicas.

Mas o legislador se equivocou (por pressão dos setores contrários à biotecnologia dentro do Governo ) e criou um voto majoritário por 2/3 para decisões comerciais. E porque se equivocou? Porque ciência se faz por maioria e avaliação de risco é baseada fortemente em ciência. Se 50% mais uma pessoa julgam que a coisa é segura, os demais obedecem. Não adotar um produto por que oito julgam que é arriscado e 15 julgam que é seguro não é uma medida de precaução, é simples e rematada tolice. Entendendo desta forma o Presidente Lula mudou este quorum de votação e a regra científica foi reestabelecida. Curiosamente,  deste dia em diante sempre houve maioria folgada na CTNBio para aprovação comercial, em geral maior que os tais 2/3. É viver para ver...

Ao adentrar na análise do que a CTNBio já aprovou e como o fez, os autores dizem “de chapa” que a CTNBio nunca cumpriu com o que ela mesmo pede. E, lá na nota do pé de página, vem a eterna cantilena de que a RN-05 (resolução que regra as liberações comercias) exigiria estudos toxicológicos com animais prenhes e de longa duração. Mas esta é uma interpretação muito pessoal dos autores. O que a RN pede é que eles sejam apresentados à CTNBio, se existirem. Não pede que sejam feitos, porque eles só devem ser aventados em caso de toxicidade aguda, coisa que NUNCA foi vista para NENHUMA proteína produzida por planta transgênica até hoje em NENHUMA parte do Mundo. Mas, claro, esta é uma “falha” sistematicamente apresentada por uma minoria dos membros da CTNBio, entre um rol relativamente restrito e repetitivo de outras hipotéticas “falhas” que são apontadas em todos os dossiês comerciais.

Finalmente os autores saem das acusações mais gerais - e quase de cunho político e adentram nos supostos erros de avaliação da biossegurança. E já começam chutando para a fora da barra porque não tratam de biossegurança, mas de uma suposta falha da tecnologia! Ora, a CTNBio não foi criada para acompanhar o sucesso (ou o insucesso) de uma tecnologia, mas para avaliar o impacto direto dos transgênicos na saúde e no meio ambiente. Assim, ela não se interessa e nem pode se interessar pelos herbicidas, arado, plantio direto, lucros, prejuízos, agroindústria, agroecologia, royalties e todas estas coisas que são importantes, mas não são sua função. Vamos, ainda assim, ao primeiro grande tema: as plantas transgênicas tolerantes a herbicidas (HT). Embora o assunto resvale meio para fora da praia deste blog, há erros tão crassos que merecem o devido reparo.

Os autores começam com uma frase espetacular: “O surgimento e a multiplicação de espécies espontâneas tolerantes ao glifosato até recentemente eram descartados pela maioria dos membros da CTNBio7, apesar de ser um fenômeno previsto pela ciência e alertado pela
minoria crítica na comissão.” Comecemos pela referência 7 citada: saiba assim o leitor que ela se refere ao parecer para a liberação comercial da primeira soja transgênica, isso lá nos idos de 1998. Então é assim que os autores entendem algo que se passou recentemente? Só rindo.  Em seguida, é preciso esclarecer ao leitor que todos os membros das subcomissões de saúde das plantas e ambiente e, provavelmente, a maioria dos demais, sabe perfeitamente que o aparecimento de ervas daninhas ou insetos resistentes aos praguicidas é algo absolutamente esperado e que será tanto mais retardado quanto melhor for o manejo integrado de pragas empregado. Este manejo não depende de uma única tecnologia, como  falsamente nos passam os autores deste texto. A tal minoria crítica não trouxe esta informação à CTNBio e sim os livros, que todos nós lemos. O que a minoria fez e faz é um enorme alarde sobre esta questão (aparecimento de resistência), que não é um problema de biossegurança e, portanto, não é da alçada da CTNBio. Mas para passar a ideia de que os membros da CTNBio são uns pascácios vale tudo: mistura e manda!

Em seguida os autores dizem que o aparecimento de algumas espécies tolerantes indica fracasso da tecnologia. Nada disso: o aparecimento de pragas resistentes indica o mal uso do manejo integrado de pragas ou o seu abandono por parte provavelmente daqueles mesmos agricultores que agora enfrentam o problema. Como é que dois engenheiros agrônomos assinam uma afirmação destas é que nos parece extravagante.

Logo adiante os autores dizem que as novas plantas GM vão ser feitas tolerantes a herbicidas de alta toxicidade. Mas não falam quais são eles. Ora, basta que se façam rotações adequadas de culturas e uso de herbicidas seletivos em plantas não transgênicas para que 99% destes problemas sejam resolvidos. Além disso, não há nenhuma planta no pipeline de aprovação nem em pesquisa que tolere herbicidas altamente tóxicos, isso é a mais rematada mentira. Para que isso, a não ser confundir o público? (Os autores devem estar se referindo ao herbicida 2-4-D, extensamente usado no país. Para ele há a seguinte informação, facilmente disponível:
Herbicidas clorofenoxiacéticos - Toxicologia Aplicada (ltc.nutes.ufrj.br/toxicologia/mXII.cloro.htm). O 2,4-D, o principal representante deste grupo de herbicidas, é um produto muito usado em todo o país e apresenta toxicidade moderada para mamíferos.

Na verdade, a preocupação maior seria com a dioxina, contaminante deste produto. Mas este não é um assunto da CTNBio, e sim do MAPA, da ANVISA e do IBAMA, que devem discutir entre si antes da aprovar o herbicida.

O próximo disparate é sobre plantas invasoras. Os autores afirmam que “também temos assistido ultimamente as PGMs se tornarem invasoras, comprometendo o cultivo de outras PGMs”. Fica-se imaginando um milharal invadindo uma plantação de soja GM ou vice versa, como numa batalha entre gregos e troianos. Mas quando vai se ler, os autores na verdade se referem às voluntárias que surgem quando se semeia uma nova safra na mesma área. Ora, sempre pode ocorrer que alguns grãos da safra anterior caiam no solo e germinem na safra seguinte. Procura-se evitar isso de várias formas e uma delas é usando um herbicida de largo espectro. Mas, evidentemente, se a planta da primeira safra era resistente a um certo herbicida, ele não pode ser usado para desvitalizar a área antes do novo plantio. (http://www.portaldoagronegocio.com.br/conteudo.php?id=86385).
 Os autores chegam a afirmar que a alternativa seria a eliminação manual do milho.
Que coisa, não é? Evidentemente, houve falha na desvitalização...O que há de excepcional nisso? Porque estas plantas foram chamadas de invasoras? Mais uma vez, só pode ser brincadeira com o leitor.

O texto continua falando (errado) sobre tecnologia e como nosso blog é sobre avaliação de risco e biossegurança, achamos que basta sobre plantas tolerantes a herbicidas. Os próprios autores reconhecem que a CTNBio não quer se debruçar sobre este problema tecnológico. É verdade: nem quer, nem deve, nem pode.

Quando os autores analisam a tecnologia Bt, cometem exatamente os mesmos erros que foram discutidos com a tecnologia HT. Falam do aparecimento de insetos resistentes como se fosse falha da tecnologia, quando na verdade é falha do manejo integrado de pragas ou acabou aparecendo porque um dia aparecerá mesmo! E, o pior, não reconhecem que, no caso dos insetos, houve a recente introdução no país de uma nova praga, a Helicoverpa armigera, para a qual nossas plantas GM não são resistentes. Isso confundiu o cenário, recentemente, e é um tremendo desserviço à população confundir mais ainda as coisas não falando desta nova praga e botando a culpa de tudo numa tecnologia que tem que andar casada com tudo mais na prática agrícola.


Para concluir, concordamos com os autores que é tempo de se levar à sociedade a questão dos transgênicos, mas de forma bem diversa da mostrada por eles nesta matéria desrespeitosa à ciência agrária, aos avaliadores de risco e ao bom senso geral (e, porque não, à inteligência do leitor atento e bem informado). Até agora apenas os que vêm problemas com os transgênicos se manifestam e são sistematicamente repetidos pela mídia online, que parece apreciar uma nota sensacionalista. Assim, os autores exploram bem este viés e nos contam uma história de governos vendidos ao capital, de pesquisadores e professores inebriados com a tecnologia e com a ciência e de mártires que digladiam sozinhos contra a massa de marias-vão-com-as-outras, que são todos os que não vêm problemas nos transgênicos e que se negam a encontrar pelo em ovo.  E, propositalmente, enfiam a CTNBio numa confusão que não é dela (e sim do MAPA, da ANVISA e do IBAMA), enquanto escondem a vasta e crescente adoção da tecnologia pelos nossos agricultores. 

domingo, 21 de julho de 2013

Transgênicos: acusações aos “favoráveis” e “contrários” na CTNBio formam um perfeito espelho e são plenamente justificáveis (mas não necessariamente verdadeiras)

Cansado de ser acusado de porta-voz das empresas, pelego, entreguista, alesado e irresponsável, amundiçado (com meus pares na CTNBio), vendido ao ouro negro do social-imperialismo,  despreparado para distinguir uma foice de um cacumbu, e outras coisas do gênero, resolvi fazer uma tabela que resume, na minha visão, o que se passa neste cenário altamente ideológico, além de técnico. Para maiores informações sobre as questões relativas à analise de risco e à avaliação de risco, assim como às atribuições da CTNBio e às críticas a trabalhos científicos rejeitados pela maioria dos cientistas, veja-se o fim desta postagem.

Tabela 1: Características dos membros “favoráveis” e dos “contrários” na CTNBio, atribuídas por eles mesmos ou por grupos sociais (ou observadas por mim), no que concerne a avaliação de risco e o monitoramento. No último bloco eu listo alguns ethos...

“Favoráveis”
“Contrários”
Tachados de favoráveis à biotecnologia por que não viram riscos importantes nos produtos analisados
Tachados de contrários à biotecnologia por que viram riscos importantes nos produtos analisados
Acusados de estarem a serviço das empresas multinacionais
Acusados de estarem a serviço das ONGs multinacionais
Acusados de se aferrarem a um cartesianismo míope e à mera interpretação de questões biológicas
Acusados de misturar elementos da análise de risco na avaliação, atrapalhando o andamento dos trabalhos na CTNBio
Se autoconsideram neutros (com poucas exceções)
Se autoconsideram neutros (com poucas exceções)
Baseiam suas avaliações de risco em:
Artigos aceitos pelas comunidades científicas
Baseiam suas avaliações de risco em:
Artigos aceitos e rejeitados pelas comunidades científicas, sobretudo os últimos.

Relatórios das empresas e de instituições contratadas

Não aceitam os relatórios das empresas e de instituições contratadas.

Procedimento passo a passo, caso a caso estabelecido pela prática de mais de 10 anos pelo Mundo

Procedimento passo a passo, caso a caso, mas fugindo de padrões internacionais, como o Codex Alimentarius

Aceitam transportabilidade de dados e simplificações para eventos piramidados cujos eventos simples já foram analisados

Não aceitam transportabilidade de dados e simplificações para eventos piramidados
Interpretam as resoluções normativas de acordo com a prática científica e as diretrizes internacionais

Interpretam as resoluções normativas sempre de forma a dificultar ao máximo o processo de avaliação e análise

Invocam o Princípio da Precaução de acordo com o que diz o texto do Protocolo de Cartagena
Invocam o Princípio da Precaução de acordo com interpretações diversas e mais restritivas do que a do Protocolo
São contrários ao monitoramento pós-liberação comercial, salvo em casos muito específicos
Defendem monitoramentos complexos para todo e qualquer produto transgênico liberado comercialmente
Comparecem a eventos científicos e cursos de biossegurança oferecidos por universidades e centros de pesquisa
Comparecem a eventos científicos e cursos de biossegurança oferecidos por universidades e centros de pesquisa
Comparecem a eventos oferecidos por instituições com ligação a empresas
Quase nunca comparecem a eventos oferecidos por instituições com ligação a empresas
São pesquisadores, professores e técnicos de órgãos de governo, na ativa ou aposentados.
São pesquisadores, professores e técnicos de órgãos de governo, na ativa ou aposentados.  

A conclusão a que chego é que, se sou vendido ao capital multinacional e a uma ideologia neoliberalista e globalizante, os que me acusam disso são pagos pelo ativismo internacional, bombeado pela ala mais retrógrada da Europa e que quer segurar o desenvolvimento dos outros países, negando a estes o que a Europa e os demais países desenvolvidos já tiveram de sobra. As duas acusações são, muito provavelmente, inteiramente falsas.

Paulo Andrade
andrade@ufpe,br

Apêndice com links para textos que podem contribuir à interpretação do que está dito na tabela

O que cabe à CTNBio
·         O que cabe à CTNBio? Reflexões sobre avaliação de risco, análise de risco, método científico e visões divergentes sobre biossegurança - http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/o-que-cabe-ctnbio.html
·         O que cabe à CTNBio: perus , frangos e sabiás - http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/o-que-cabe-ctnbio-perus-frangos-e.html
·         Quem libera os transgênicos: CTNBio avalia, mas decisão pode ser questionada pelo Conselho Nacional de Biossegurança e liberação depende do MAPA e da ANVISA - http://genpeace.blogspot.com.br/2012/11/quem-libera-os-transgenicos-ctnbio.html
Avaliação de risco
·      Livro-texto: Guia de Avaliação de Riscos Ambientais de Organismos Geneticamente Modificados – uma iniciativa da América Latina - http://genpeace.blogspot.com.br/2012/09/guia-de-avaliacao-de-riscos-ambientais.html
Outros textos:
·      Os três componentes da análise de risco de transgênicos - http://genpeace.blogspot.com.br/2012/04/os-tres-componentes-da-analise-de-risco.html
·      Avaliação de riscos X análise de riscos - http://genpeace.blogspot.com.br/2011/08/analise-de-risco-x-avaliacao-de-risco.html
Monitoramento
·      Brazil´s new post release monitoring system for GMOs - http://genpeace.blogspot.com.br/2011/12/brazils-new-post-release-monitoring.html
Crítica a trabalhos científicos
·      Séralini et al. (2013) – ratos com tumor - Fim da polêmica dos ratos com tumores: A EFSA   publicou hoje (28 de novembro de 2012) a revisão final do artigo de Séralini e cols. -  http://genpeace.blogspot.com.br/2012/11/fim-da-polemica-dos-ratos-com-tumores.html
·      Séralini et al. (2013) ) – ratos com tumor - Artigo que “mostra” o surgimento de tumores em ratos provocado pelo consumo de milho geneticamente modificado carece de qualquer base científica
·      Séralini et al, (2013) – Repeating  Séralini´s experiment. - http://genpeace.blogspot.com.br/2012/09/artigo-que-mostra-o-surgimento-de.html
·      Carman et al. (2013) - inflamação em estômago de porco - Estômago e espírito de porco: milho transgênico causa inflamação no órgão suíno? - http://genpeace.blogspot.com.br/2013/06/estomago-e-espirito-de-porco-milho.html
·      Heinemann et al. (2012) - riscos ocultos nos siRNA- Segurança do feijão GM da Embrapa: sobre a improvável existência de siRNA off target – http://genpeace.blogspot.com.br/2013/05/a-interferencia-de-rna-e-um-processo.html
·      Heinemann et al. (2012) - riscos ocultos nos siRNA- Documento em que a comissão contesta os argumentos levantados em artigo assinado por Sarah Agapito e detalha o processo de avaliação de riscos feito com OGMs.- http://cienciahoje.uol.com.br/blogues/bussola/2013/04/dsRNA%20-Flavio%20Finardi.pdf
·      Mezommo et al. (2013) – proteínas Cry e sistema imune - Failure to demonstrate any harm from Cry proteins on mice: comments on Mezzomo et al., 2013 - http://genpeace.blogspot.com.br/2013/06/failure-to-demonstrate-any-harm-from.html


quinta-feira, 18 de julho de 2013

Biossegurança de plantas transgênicas: texto de especialista ao CONSEA não ajuda a esclarecer os principais elementos da questão

Os “Elementos para a discussão no CONSEA” elaborados por Leonardo Melgarejo, membro da CTNBio, trazem informações relevantes, mas falham na sistematização desta informação e refletem apenas a posição de quem é claramente contra a biotecnologia agrícola. Por isso, o texto certamente irá trazer mais confusão ao ambiente de discussão do que luzes. (link para o texto: http://www4.planalto.gov.br/consea/noticias/imagens-1/melgarejo)

O problema central do texto é a falta de separação entre os elementos da análise de risco dos OGMs (Figura 1) e, particularmente, das plantas transgênicas que estão no mercado ou que dele se aproximam.  A avaliação de risco é, em si, um processo puramente científico, instruído por dados de biologia, genética, bioquímica, etc. e visa classificar os riscos associados a um determinado uso de um OGM. Nesta parte da análise de risco não cabem considerações socioeconômicas nem está em discussão o problema central da comunicação de risco.  Uma vez que um OGM tenha seu risco devidamente classificado, as demais questões podem ser trazidas à discussão, mas em nada invalidam a avaliação de risco anterior (veja-se o consenso internacional neste sentido em http://genpeace.blogspot.com.br/2012/04/os-tres-componentes-da-analise-de-risco.html). Assim, um OGM ser seguro de acordo com a CTNBio, mas pode ser considerado inadequado para o país por outras razões que não a de biossegurança. Estas considerações suplementares são tarefa do Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS) e, em menor grau, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e da ANVISA.




Figura 1: A avaliação de risco é apenas um dos três elementos conformadores da análise de risco. Na avaliação não cabem questões socioeconômicas, que devem fazer parte da comunicação de risco e da gestão de risco, mas apenas o risco representado pelo produto transgênico na saúde humana e animal e ao meio ambiente.

Tendo isso claramente delineado, pode-se ler a contribuição do Leonardo Melgarejo e avaliar os pontos positivos e negativos dela.

O autor inicia seu texto de forma clara, mostrando que as plantas transgênicas agora no mercado mostram apenas tolerância a herbicidas ou resistência a insetos, ou uma combinação destas características. Entretanto, não esclarece ao leitor nem ao CONSEA porque isso é assim, não apenas no Brasil, mas pelo mundo afora. A razão é muito simples: estas características são ao mesmo tempo as mais importantes para a agricultura moderna e aquelas mais fáceis de ser obtidas por transgenia. Não há nenhum demérito nisso, como o autor insinua com a alegação de que “apenas isso” foi o que a transgenia trouxe até agora. Estas novas características estão longe de ser um detalhe e dão uma vantagem competitiva enorme ao agricultor que adota o produto. A prova disso é a adoção extensiva de variedades GM que expressam os dois fenótipos em todos os países que permitem o plantio de cultivos transgênicos.

Em seguida, o autor adentra o corpo do artigo, com palavras de efeito lançadas ao leitor sem qualquer base nas evidências. Os “elementos para discussão”,  retirados do texto do autor, são:
a)      Fundamentalmente, nenhum daqueles produtos (as plantas transgênicas aprovadas pela CTNBio) cumpre exigências legais na medida e que seus processos não incluem estudos fundamentais para a segurança do consumidor, mesmo quando exigidos por lei como, por exemplo, avaliações nutricionais com animais em gestação e estudos de longo prazo (duas gerações) para análise de efeitos carcinogênicos e teratogênicos.
b)      Quais as vantagens e quais os riscos associados à transgenia que devem ser observados no presente?
c)       Os resultados obtidos no Brasil contrariam de alguma forma a realidade internacional?
d)      Em países onde as liberações começaram mais cedo os resultados são diferentes?
e)      Como entender a rápida adoção dos transgênicos pelos agricultores e sua rejeição pelos consumidores?

Nas perguntas já há uma mistura de elementos que são pertinentes à avaliação de risco (essencialmente a primeira pergunta e talvez parte da terceira e da quarta que, aliás, se confundem). Esta mistura será danosa à compreensão do texto, como veremos.

O autor, contudo, produziu um texto não linear e antes de adentrar nas questões acima especula sobre outras questões de fundo, que permeiam toda a análise de risco. Assim, depois de explicar convenientemente as vantagens para o agricultor representadas pelos fenótipos de tolerância a herbicidas e resistência a insetos, o autor parte para avaliar os problemas que, na sua visão, estão na ordem do dia da aprovação e  uso de plantas transgênicas, mas inicia com as tais questões de fundo.

Primeiro, o autor sugere que a ciência não pode ser desagregada da visão social inerente ao uso do produto, o que está certíssimo quando se fala em análise de risco, mas completamente errado quando se fala em avaliação de risco. Além disso, o autor esquece que o inverso é igualmente verdadeiro: a visão social e econômica não pode prescindir da base científica. Por isso, também o cientista social deve ter clara em sua mente a fala da ciência e não pode menosprezar suas conclusões. Para uma análise detalhada desta questão, sugerimos a leitura de http://genpeace.blogspot.com.br/2013/06/transgenicos-banimento-frances-do-milho.htmlComo veremos, na sua crítica à biotecnologia agrícola e à 
avaliação de risco realizada pela CTNBio, o autor se apoia em uma visão social clara (contra a biotecnologia) mas patentemente afastada e frequentemente em conflito com a ciência. Falha, assim, tanto na avaliação de risco - em particular -  como na análise de risco enquanto visão holística do problema..

O avaliador de risco (isto é, o especialista que senta na CTNBio) deve se distanciar dos aspectos sociais e econômicos para poder ver apenas os riscos, assim como o público deve se distanciar do drama para entender o aspecto social do teatro brechtiano (http://en.wikipedia.org/wiki/Distancing_effect).  O leitor deveria ser esclarecido sobre isso pelo Leonardo Melgarejo, assim como os colegas do CONSEA, para depois não virem pedir à CTNBio aquilo que não é seu papel e que, ao contrário do que se poderia imaginar, em nada contribuiria para uma avaliação de risco bem feita. A abordagem mais holística, que adiciona os questionamentos sociais e econômicos, cabe ao CNBS, como dissemos acima. É evidente que outros grupos dentro da sociedade podem também contribuir com a discussão, mas pouco ou nada poderão fazer para adicionar informação à avaliação de risco se insistirem em misturar os elementos da análise de risco mostrados na Figura 1. Para maior esclarecimento do leitor adicionamos o Quadro abaixo, que contem o conceito de risco e sua distinção em relação a perigo e outros termos popularmente empregados na percepção do risco.

Em seguida, o autor sugere que há um “enorme distanciamento entre as informações sustentadas pela ciência e as práticas comerciais”. Ora, no caso dos transgênicos a ciência foi usada no seu desenvolvimento e na avaliação de risco. O avaliador de riscos também emprega em suas avaliações dados aportados pela melhor prática agrícola, mas o agricultor apenas muito indiretamente emprega a ciência, uma vez que esta é “traduzida” nas instruções pragmáticas da atividade de campo.  Não há distanciamento algum nisso! O texto sugere, contudo, que os agricultores estão fazendo algo muito diferente daquilo que os cientistas esperavam em suas avaliações de risco, naquilo que trata do uso pretendido. De jeito nenhum: não há fundamentalmente coisa alguma na agricultura que contrarie as expectativas dos avaliadores daCTNBio, pelo menos em relação aos riscos identificados, e isso é o que importa. É evidente que têm assento na CTNBio especialistas em cada uma das culturas transgênicas (soja, milho, algodão e feijão), assim como daquelas que estão sendo estudadas em experimentos de campo (cana-de-açúcar, eucalipto, laranja, etc.); quando por ventura falta algum conhecedor profundo do assunto, a CTNBio prontamente convida especialistas ad-hoc para sua instrução. Por isso, boa parte do que acontece na agricultura é de conhecimento da CTNBio, mas apenas aquilo que diretamente contribui para os riscos deve ser discutido na Comissão.

Por causa deste imaginário distanciamento, o autor diz que é preciso manter uma posição cautelosa. Não é nada disso: precisamos manter uma posição cautelosa porque isso faz parte da postura do avaliador de risco e porque somos signatários do Protocolo de Cartagena, independentemente de quão distantes pudessem ou não estar a 
teoria científica e a prática agrícola (que não estão!). Logo em seguida o autor saca do bolso uma definição do “Princípio da Precaução” que está inteiramente equivocada e que nada tem a ver com o que reza o Protocolo de Cartagena. Leonardo nos informa: o “Princípio da Precaução ... afirma o fato óbvio de que a inexistência de informações sobre riscos e danos não pode ser assumida como evidência da inexistência destes riscos e danos”. Ora, o que o Protocola afirma é “Princípio 15: Para que o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental" (http://homolog-w.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=71&idConteudo=7877). O Princípio não fala de inexistência de informações, mas de incertezas (ou falta de certeza científica total). Mais ainda, fala especificamente que "Onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total etc...) Ora, então é preciso que essas ameaças existam de forma definida. E isso de forma preliminar. A precaução vem em consequência de eventualmente não se saber lidar com essas ameaças (ou as avaliar) de forma clara. Mas a ameaça (o risco) tem que pré-existir. Não pode ser um conto da carochinha. 


O Princípio da Precaução também nada fala da tal inferência de que uma incerteza levaria à conclusão de que não haveria riscos. Isso é totalmente absurdo, evidentemente. Ora, nunca haverá uma certeza científica total, portanto o avaliador deverá sempre ser cauteloso e não postergar a adoção de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental. Isto significa dizer que, se houver riscos, medidas preventivas ou mitigatórias devem ser adotadas, mas não significa, de modo algum, que o produto não deverá ser adotado. Além disso, e como enfatizamos anteriormente, o Protocolo claramente diz em que condições a autoridade nacional deve ter uma abordagem precautória desta natureza: onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis. No entender da CTNBio e de todos as agências oficiais de avaliação de risco no Mundo, as plantas transgênicas até hoje aprovadas NÃO REPRESENTAM AMEAÇAS DE RISCOS SÉRIOS E IRREVERSÍVEIS ao ambiente ou à saúde. Os riscos foram sempre avaliados como pequenos ou insignificantes pelas agências da Europa (EFSA), Estados Unidos (várias), Austrália (OGTR), Argentina (CONABIO) e muitas outras, além da nossa CTNBio. Todas estas agências poderiam estar erradas, é claro, mas o plantio de 170 milhões de hectares de plantas transgênicas pelo mundo afora e o consumo de grãos e produtos processados por gente e bicho em dezenas de países, sem qualquer relato sério de dano, prova que estas plantas NÃO REPRESENTAM AMEAÇAS DE RISCOS SÉRIOS E IRREVERSÍVEIS. Assim, os avaliadores de risco devem continuar seguindo o Princípio da Precaução da forma como vêm fazendo, pois os resultados demonstram que as avaliações e liberações muito provavelmente não trarão danos graves e irreversíveis ao ambiente ou à saúde humana ou animal.

Seguindo a argumentação de que a CTNBio fez sempre uma avaliação baseada em dados insuficientes (portanto, recheada de incertezas), o autor espera que  apesar da “confiança otimista na tecnologia – exagerada e distante da sustentação científica”, os “problemas potenciais” não se tornarão realidade. Ora, a CTNBio não avalia tecnologia, mas o produto. E não lhe interessa nem um pouco se o produto será um sucesso ou não, ou se o país precisa ou não dele. Sua função é avaliar riscos. E para isso justamente os tais "problemas potenciais" é que são os mais analisados e têm - SIM! - seus riscos avaliados! Enfim, uma curiosa mistura de ideias desconectadas da prática de avaliação de risco com informações distorcidas. Isso induz o leitor à conclusão de que os membros da CTNBio são um bando de pascácios irresponsáveis e tolos.

Depois destes preâmbulos o autor penetra na discussão dos problemas das plantas transgênicas, mas não inicia com os alegados desrespeitos à lei (primeiro item da sua pauta de elementos para discussão), e sim com questões de benefícios ou expectativas não cumpridas pela tecnologia. Estas questões não são exatamente o tema dos avaliadores de risco, mas parece óbvio que a taxa de adoção crescente da tecnologia nos principais cultivos para os quais existem variedades GM, dentro e fora do Brasil, prova suficientemente que as plantas transgênicas cumprem o que prometem, pelo menos em grande parte. Assim, não vamos discutir esta parte do texto, que deve ser analisado por engenheiros agrônomos especialistas em cada um dos cultivos transgênicos principais (milho, soja e algodão).

Finalmente chegamos a uma das perguntas formuladas no início do texto (na verdade, a quinta e última): o que leva os agricultores a adotarem a tecnologia? Leonardo, partindo do princípio de que as plantas transgênicas de fato não trazem vantagem ao agricultor (contrariando o que sugere a adoção da tecnologia e a opinião de milhares de especialistas, além de artigos científicos sobre o assunto), chega à surpreendente conclusão de que o agricultor brasileiro emprenha pelas orelhas!  Assim, embora não negue as vantagens de manejo de campo, ele contabiliza como muito importantes para a decisão de compra dos agricultores “ a influência de formadores de opinião, das campanhas de marketing, e de decisões da própria CTNBio”. Ora, o agricultor brasileiro não é um consumidor final, mas um produtor. Assim, é o rendimento no fim da safra que vai determinar sua próxima compra. É muito diferente da compra de um celular ou de um automóvel. É evidente que a propaganda pode influenciar um pouco; é claro também que se a CTNBio tivesse uma posição dúbia sobre a segurança, talvez desencorajasse algum agricultor, mas a adoção crescente é expressiva e eloquente: os agricultores gostam da tecnologia e a adotam cada vez mais. Leonardo afirma, ao fim, que não há alternativas. Hoje, de fato, a maior parte do mercado de sementes é transgênica, mas isso não era assim há míseros 3 anos. O que mudou? Mudou a preferência, em função do desempenho, e assim a oferta das plantas não-GM é cada vez menor. Ainda assim, se subitamente os agricultores resolvesses mudar para as variedades não GM, em pouco tempo a oferta seria revertida. Mesmo hoje há mais de 250 variedades comerciais de milho no mercado e menos de 30% é transgênica.

Ao final do item dedicado à opção dos agricultores, o autor toca na questão da avaliação de risco ambiental realizada pela CTNBio quando diz: “Embora comum nos pareceres da CTNBio, a afirmativa de que as PGMs são seguras porque  submetidas a avaliações rigorosas não procede. Os estudos de campo realizados pelas empresas são, majoritariamente, voltados à verificação da eficácia dos produtos ou associados a campanhas de divulgação e marketing entre produtores”.  É muito estranho que um membro da CTNBio queira passar a ideia de que a avaliação de risco é baseada apenas em experimentos de campo. Muito pelo contrário: os dados de laboratório são muito mais informativos e uma parcela majoritária das questões de risco é resolvida com este tipo de experimentos. Estes dados procedem de várias fontes, é claro, e não apenas das empresas. Além disso, avaliações a campo também estão disponíveis na literatura científica, ainda que em geral não realizadas no Brasil. As conclusões, contudo, são perfeitamente transportáveis para nossos ecossistemas.

Seguindo a linha de raciocínio de que os estudos a campo são vitais, o autor afirma que “a avaliação de riscos ambientais depende de estudos desenvolvidos nos vários biomas”. Pois está enganado: em geral as questões de risco são resolvidas, como dissemos, por experimentos de laboratório. A condução de uma porção de experimentos em campo em diferentes biomas não traz qualquer informação suplementar, exceto para alguma questão muito específica  e seguramente não é o caso das espécies listadas pelo Dr.Rubens Nodari e apresentadas na figura 9 do texto do Leonardo. Poder-se-ia perguntar porque fazem as empresas tais experimentos a campo, uma vez que os dados obtidos em laboratório são mais informativos. Porque a CTNBio, na sua RN-05, sugere (mas não obriga) que experimentos a campo sejam feitos. É evidente que isso só faz sentido se os experimentos acrescentarem informação valiosa para a avaliação de risco, o que por vezes não ocorre. Ainda assim, ao contrário do que diz o autor, vários dos estudos a campo realizados no Brasil foram publicados, uma vez que realizados dentro do rigor científico, em geral em parceria com as instituições de pesquisa mais conceituadas do país.

Mais adiante, ao comentar os riscos à saúde, o Leonardo Melgarejo toma como verdade o desacreditado e vergonhoso artigo de Séralini e sua turma, onde se pretende mostrar que um milho transgênico pode dar tumores em ratos. Este é, sem dívida, o maior desserviço que ele poderia fazer ao debate que teve lugar no CONSEA e seguramente se estenderá a outras plateias. Também é a mais eloquente demonstração de que seu compromisso com uma ideologia anti-transgênicos o leva a separar sua luta social da prática e do conhecimento científicos, batendo de frente com o que nos ensinam os pedagogos e filósofos, em particular o Paulo Freire, como comentamos antes. Os efeitos mostrados no artigo e emblematicamente apresentados pelo Melgarejo no texto ao CONSEA são devidos a uma causa muito diferente do consumo do milho GM (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/11/fim-da-polemica-dos-ratos-com-tumores.html; http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/seis-academias-cientificas-francesas_9343.html; http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/brazil-officially-rejects-seralinis.html). Além do mais, nos EUA e em muitos outros países aves, porcos e vacas consomem milho transgênico por muitas gerações e nada disso foi visto. Tomemos, por exemplo, a criação de frangos de corte e galinhas poedeiras. Como todos sabem, uma galinha é essencialmente um “milho de asas”, contribuindo este cereal com 80% de seu peso. Matrizes, pintos, frangos e galinhas têm sido alimentados exclusivamente com milho GM por anos a fio e não se viu nada que pudesse condenar seu uso. O mesmo é válido para suínos e bovinos, embora a contribuição do milho seja menor (equivalente ou maior, contudo, que a do rato do Séralini).
Para reforçar sua opinião favorável ao disparate gerado pelo Séralini e sua trupe circense o Leonardo afirma que será possivelmente bom o apoio que a União Europeia parece dar a uma reavaliação (repetição) do trabalho por outros autores. Aqui cabe um reparo importante: nenhum cientista sério vai repetir o absurdo experimental gestado por Séralini et caterva. Podem, quando muito, fazer experimentos com prazos muito dilatados e talvez optar por ensaiar em vários animais. Mas achamos muito difícil que algum grupo de pesquisa perca tempo com isso, uma vez que a prática na avicultura, na suinocultura e nas demais áreas onde se alimentam animais com milho prova amplamente que nada do que viu o Séralini é minimamente possível. Além disso (ou principalmente por isso!), não há uma hipótese científica que justifique tais experimentos. Para uma discussão sobre o tema veja-se http://genpeace.blogspot.com.br/2013/04/repeating-seralinis-experiment.html.

Lá pelo meio do texto o autor comenta os problemas que, na visão dele, impediram avaliações de risco corretas, seja por desrespeito à lei ou por outra razão qualquer. E afirma que a CTNBio desrespeita a lei por não exigir ensaios de múltiplas gerações ou em animais prenhes como item de avaliação de risco alimentar. Ora, o Codex Alimentarius e outros textos internacionais, além da prática toxicológica, mostram claramente que estes estudos só se justificam se houver evidências de toxicidade da fase aguda. Isto nunca foi observado para as proteínas transgênicas que, ademais, estão sempre em quantidades diminutas nos grãos GM e são prontamente degradadas pelo nosso sistema digestivo. O que a CTNBio pede, na RN-05, é que estes resultados (que o Leonardo tanto enfatiza) sejam apresentados, se existirem. Como nunca houve indicação cientificamente justificável para sua realização, eles em geral não foram feitos. Mas, como dissemos anteriormente, a prática mostra que, geração após geração, galinhas, porcos, patos, perus, gansos, bois, vacas e todo tipo de animal de criação comedor de milho vivem muito bem, assim como seus descendentes. Também no Brasil, após o consumo de milho GM por pelo menos dois anos por boa parte dos brasileiros que comem comida de milho, nunca foi vista qualquer anormalidade, assim como em qualquer outra parte do Mundo. Mais uma vez o Leonardo se opõe ao método científico, adotado e referendado internacionalmente, para avaliar toxicidade e valoriza mais a letra legal (de forma equivocada!) do que tudo o mais, inclusive o que ocorre no mundo real.

Há ainda outros elementos trazidos pelo texto para uma discussão que, seguindo a mesma tônica dos anteriores, semeiam dúvidas baseadas numa compreensão insuficiente de avaliação de risco de OGM e numa visão pessoal e radicalmente contrária à biotecnologia agrícola. Cremos, contudo, que a crítica mais importante e pormenorizada está feita e que remete o leitor (e, esperamos, os membros do CONSEA) a meditar sobre a pertinência de um texto produzido com um perigoso viés anticientífico num assunto em que a ciência é fundamental: avaliação de risco.