quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Drauzio detona: artigo confirma o que a CTNBio vem dizendo há anos

O Dr. Drauzio Varella sempre se pautou pelo rigor científico em suas inúmeras apresentações na TV ou no rádio. Com rara coragem ele defende pontos de vista delicados, educando com a autoridade de médico, cancerologista, divulgador da ciência médica, batalhador da saúde pública nos ambientes mais precários, autor premiado de muitos livros. Quem não leu Carandiru, ou assistiu o filme? 

Recentemente dedicou um artigo aos organismos transgênicos:"Reflexões transgênicas" (http://drauziovarella.com.br/wiki-saude/reflexoes-transgenicas/). Eu me considero "do ramo" após acompanhar a tecnologia (desde os anos 70) e a polêmica (desde 2004) além de participar da CTNBio desde 2007. Portanto parabenizo, com alguma autoridade, o Dr. Drauzio, pela excelência do texto que discute a tecnologia com a percepção do estudioso que  sabe o valor da ciência para o bem estar humano.

Gostaria de comentar as duas preocupações que o Dr. Drauzio Varella considera totalmente justificadas: dano ecológico e dano á saúde.  Ele lembra que com 70% dos americanos consumindo transgênicos há mais de uma década, nada foi constatado de adverso. Podemos acrescentar muitos outros países como o Canadá além do imenso "experimento" com milhões de animais que recebem rações derivadas de plantas transgênicas, inclusive na Europa. Quanto à danos ambientais, também nada foi detectado durante os 15 anos de plantio. As preocupações, inicialmente justificadas, sendo tecnologia nova, cujo produto será alimento humano. Infelizmente os perigos potenciais que justificam os inúmeros testes e estudos, que tornam extremamente caro aprovar um transgênico em qualquer lugar do planeta, surgiram mais do interesse da Monsanto em fazer reserva de mercado, do que de considerações biológicas reais. Os testes pressupõem dúvidas, as quais foram imediatamente abraçadas e exacerbadas devido a disputa comercial entre EUA adiantado e Europa relativamente atrasada na tecnologia, com agricultura subsidiada e produção abundante além de contar com partidos "verdes" poderosos. Atualmente, a poeira vai baixando e ambientalistas com as credenciais de Stewart Brand reconhecem que as plantas geneticamente modificadas são "verdes". Idem para vários acadêmicos e agricultores que defendem o plantio orgânico.

O assunto é complexo, pois é necessário conhecer um bocado de biologia, particularmente de plantas, a história da agricultura, e a moderna genética e biologia molecular, para  apreciar com clareza o que seria risco e o que é fantasia. A coisa mais fácil é inventar um rosário de "possíveis" efeitos adversos, extrapolando aspectos da biologia/ecologia mal explicitados. Bilhões de humanos, por décadas, consumiram e consomem as milhares de variedades de plantas, entre as quais temos arroz, trigo, milho, etc. que foram melhoradas por meio de mutagênese pesada com radiação ou agentes químicos, e carregam dezenas de alterações genéticas desconhecidas, sem efeitos adversos. Como então ter "dúvidas" frente à modificações cirúrgicas, precisas e conhecidas, além de estudadas por vários anos antes da comercialização? 

Do lado ecológico  se insiste na "perda de biodiversidade" devido ao fluxo gênico natural que pode levar, em taxas muito reduzidas, o transgene para plantas vizinhas e relacionadas. Exagero absurdo, essa migração aconteceu sempre com genes das plantas melhoradas por mutagênese cega e ninguém se encomoda, já que não pode detectá-las. Cada transgênico, sendo conhecido, permite usar sondas moleculares para saber se foram transferidos e em que proporção. Deveria ser fator de tranquilidade, exceto para a irracionalidade reinante e estimulada pelos que defendem um "nazismo genético" segundo o qual o transgene é "do mal" já que originário de outra espécie. Precauções são tomadas sempre para reduzir a níveis irrelevantes a migração dos genes que, quando ocorre, pode ser mapeada e quantificada para deleite acadêmico, pois seu efeito real é praticamente nulo no ambiente. A natureza nos brinda com um número crescente de exemplos naturais de transferência horizontal de genes entre seres bastante afastados  quanto à sua origem evolutiva.

Na verdade os trangênicos trouxeram a mitigação de desastres ecológicos. Soja, algodão e milho resistente a herbicidas estão produzindo benefício ecológico da maior importância ao permitir o plantio direto que, evitando a tratoragem para remover as ervas daninhas, mantém a estrutura do solo, que retém mais carbono, além de cortar o gasto de combustível. Assim a perda do solo fértil superficial com as chuvas é bastante reduzida, um dos grandes problemas da agricultura moderna.

O uso das plantas que expressam a proteína inseticida de um bacilo do solo, contrariando a histeria mal informada, revela-se uma tecnologia que está contribuindo para que insetos não-alvo, como a borboleta Monarca, sejam preservadas. Isto porque há importante redução na aplicação de inseticidas químicos, bem mais tóxicos que a proteína do bacilo e que matam indiscriminadamente os insetos, no local ou arrastados pelo vento, ao contrário da ação restrita do transgênico, afetando principalmente os insetos-praga que atacam a planta imóvel no solo.

O bem para a saúde já está evidente seja na redução dos envenenamentos por inseticidas químicos com o uso das plantas Bt, já demonstrado entre os cotonicultores indianos, bem como na redução drástica de micotoxinas como se constata no milho Bt. Exemplo: milho contaminado adoeceu no Quênia (2004) mais de 300 pessoas com 39% de casos fatais. Ademais o consumo crônico pode levar ao câncer hepático.

O final do artigo do Dr. Varella me pareceu particularmente brilhante, quando ele discute a diferença entre prova negativa e positiva de efeitos adversos. O estudo que relata, para demonstrar, sem sombra de dúvida, que a carne vermelha potencia a doença cardiovascular, demonstra a futilidade de certas discussões recorrentes sobre como detectar efeitos adversos nos consumidores de alimentos com o "tesão". A resposta me parece simples e tenho certeza que o tempo vai corroborar: olhe para a alteração biológica introduzida e verá que, em todos as plantas transgênicas que foram até aqui comercializadas, não há qualquer base racional para um possível efeito deletério. A menos que se invoque a metafísica, como fazem os que desejam condenar o feijão resistente à vírus da Embrapa.

Francisco G. Nóbrega
SC Campos, 27/09/2011

Reflexões transgênicas - Drauzio Varella http://drauziovarella.com.br/wiki-saude/reflexoes-transgenicas/



Os alimentos transgênicos poderão representar, para a saúde pública dos próximos cem anos, avanço semelhante ao do saneamento básico no século 20.

A descrição da molécula de DNA, nos anos 1950, rapidamente levou às conclusões que criaram as bases da transgenia:
1.       Das bactérias ao Homo sapiens, os genes estão localizados entre as duas hélices da molécula de DNA;
2.       Os genes de todos os seres vivos têm estruturas químicas semelhantes.

A constatação de que os genes possuem estruturas quimicamente idênticas em todos os seres criou a possibilidade de transplantá-los de uma espécie para outra, tecnologia batizada com o nome de DNA recombinante.

Já na década de 1980, essas descobertas levaram à produção de proteínas humanas em bactérias escravas: o gene do interferon humano, transplantado para Escherichia coli, permitiu que uma reles bactéria presente nas fezes produzisse interferon recombinante para tratamento de hepatites, câncer e outras doenças. Pela mesma tecnologia, hoje, são produzidas proteínas preciosas como a insulina, a interleucina 2 e muitas outras. Da mesma forma, as técnicas para introduzir genes humanos no gado leiteiro com a finalidade de obter proteínas de interesse médico, excretadas no leite, chegam à fase de implantação comercial.

Vantagens dos transgênicos na agricultura

Mas, nenhuma aplicação da biotecnologia tem a abrangência da produção de alimentos transgênicos. Inserir genes novos nos vegetais cria possibilidades concretas de obter plantas resistentes às pragas e às intempéries da natureza, capazes de produzir com mais eficiência e de fabricar compostos de interesse médico, como vitaminas, proteínas ou vacinas contra várias enfermidades.

A produção de vacinas em vegetais poderá modificar a história da saúde pública. Por exemplo, introduzir nas bananeiras genes que codificam proteínas existentes na cápsula do vírus da hepatite B pode estimular a produção de anticorpos contra essa doença epidêmica em populações inteiras.

Alimentos transgênicos ricos em micronutrientes para combater deficiências nutricionais responsáveis por patologias graves como o câncer, assim como a possibilidade de vacinar grandes massas populacionais contra a maioria das doenças infecciosas através da ingestão de tomate, alface ou batatas transgênicas, tornam absurda a idéia de abrirmos mão do estudo e desenvolvimento de pesquisas com DNA recombinante.

Preocupações justificadas

Por que, então, tanta polêmica sobre os transgênicos? Por causa de duas preocupações totalmente justificadas:
1.       Plantas transgênicas causarão transtornos ecológicos?
2.       Alimentos transgênicos farão mal à saúde?

A primeira pergunta deve ser respondida objetivamente pelos estudos de impacto ambiental. É fundamental uma legislação que estabeleça com clareza o conjunto de testes necessários para avaliar o impacto a curto e médio prazo da introdução de um transgênico em determinado meio. Desastres ecológicos não interessam a ninguém, muito menos aos cientistas.

Quanto aos consumidores, não podemos esquecer que até hoje jamais foi descrito qualquer agravo à saúde provocado pela ingestão de transgênicos. E que, nos Estados Unidos, país de legislação bastante rigorosa, pelo menos 70% de todos os produtos alimentícios contêm algum ingrediente geneticamente modificado.

Prova negativa

Quanto à exigência da prova de que eles não fazem mal à saúde, é preciso não esquecer que estudos positivos são fáceis de serem feitos, enquanto os negativos são difíceis de elaborar, excessivamente dispendiosos e demorados.

Explico melhor: provar que sardinha enlatada faz mal é fácil; basta saber se quem comeu ficou doente (estudo positivo). Agora, provar que não faz mal (estudo negativo) é outra história. Quantos precisarão comê-la? Milhares ou milhões? Deverão ser acompanhados por quantos anos para ficarmos tranquilos? Será seguro comê-las diariamente, ou apenas uma vez por semana, ou uma vez por mês? Quantas dúvidas persistirão no final de um estudo desses?

Só para dar uma idéia das dificuldades, tomemos o exemplo da carne vermelha. Os epidemiologistas da Universidade de Harvard estimam que um estudo programado para definir se a ingestão de carne vermelha aumenta a incidência de ataques cardíacos deveria envolver pelo menos 100 mil consumidores de carne e um número equivalente de abstinentes (grupo controle). Seria necessário acompanhá-los por pelo menos 20 anos, a um custo aproximado de 1 bilhão de dólares.

Enquanto não surgirem voluntários para patrocinar uma pesquisa dessas, continuaremos sem saber se comer carne faz mal para o coração. E a carne é conhecida de nossa espécie há 5 milhões de anos!

Os que exigem estudos negativos, para demonstrar que os transgênicos não causarão problemas de saúde a longo prazo, desconhecem a complexidade do tema e ignoram a inexistência de provas semelhantes para a carne, para o arroz ou para a cenoura.

Poder de decisão

Essa questão é muito relevante para ser decidida por políticos despreparados ou por militantes repetidores de slogans a favor ou contra. Em nossas universidades e, especialmente, na Embrapa há cientistas com conhecimento suficiente para que o Brasil ocupe posição de destaque nessa área; basta um mínimo de vontade política.

O benefício que os transgênicos poderão trazer à humanidade é de tal ordem que não admite discussões apaixonadas. O tema exige preparo intelectual e racionalidade nas decisões.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Para quem ainda não sabe...


Depois de dar uma boa olhada no livro "Transgênicos para quem? subtítulo: Agricultura, Ciência e Sociedade (TPQ), recentemente lançado com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, imediatamente lembrei da história da atendente da GOL, quando um senhor furou a fila exigindo seu check-in de primeira classe. A jovem pediu que ele esperasse sua vez na fila. Imediatamente o passageiro disse para que todos ouvissem: Você faz alguma idéia de quem eu sou? A atendente pediu um instante, pegou o microfone:  Posso ter um minuto da atenção dos senhores, por favor? (a voz ecoou por todo o terminal). Continuou: Nós temos aqui no balcão um passageiro que não sabe quem é, deve estar perdido... Se alguém é responsável por ele, ou é seu parente, ou então se puder ajudá-lo a descobrir a sua identidade, favor comparecer aqui no balcão da GOL. Obrigada.

Minha leitura do texto (TPQ) me deixou com esta sensação, os autores não sabem para quem são as plantas genéticamente modificadas que há 15 anos são plantadas e consumidas pelo planeta afora. Eu acho que posso ajudar. Vamos lá: ninguém é obrigado a cultivar plantas geneticamente modificadas (PGMs). Aqui entre nós, os agricultores do sul resolveram, ilegalmente, usar soja GM da Argentina. Certamente vantagens substantivas os levaram a arriscar a perda de sua produção que alguns queriam destruída. Agora sabemos que agricultores chineses estão também se antecipando à autorização oficial do governo, cultivando arroz geneticamente modificado. Vamos aos fatos: de 2009 a 2010 houve um aumento de 10% no número de agricultores que adotaram a tecnologia. O tom dos artigos do TPQ leva a pensar que apenas megaprodutores adotaram a tecnologia. Ao contrário, mais de 90% dos 15,4 milhões de agricultores de 2010 são pequenos produtores de poucos recursos e de países em desenvolvimento. Como disse o ambientalista Brand, os pequenos agricultores pobres adotam as plantas GM com a rapidez com que adotaram o telefone celular, ferramentas para sair da pobreza. Há um pensamento regressivo ao longo de texto: temos agricultura, não é necessário inventar PGMs... Na época da revolução verde de Borlaug os autores deste livro diriam que não se devia obter trigo de alta produtividade e adubar, coisas artificais. O sucesso desta tecnologia salvou até hoje 2 bilhões de pessoas da fome. Mas os autores do TPQ tem a mente da velha Europa, desenvolvida, de agricultura pesadamente subsidiada, faz tempo não passam fome, têm alto nível de consumo e suas preocupações agora são exclusivamente ecológicas. O homem não importa, já que é o fator principal para perturbar o "ambiente natural". Cuidam bem de seus jardins, florestas plantadas e águas, após ter sentido os efeitos do descuido ambiental, e se voltam para "proteger" as florestas e ambientes de outros países, que desejam intocadas. Em seu neo-malthusianismo se apavoram com o crescimento populacional dos outros: Américas Central e do Sul, África e Ásia. Adotaram um racismo genético: assim como Hitler alucinou com sua teoria de que a etnia ariana iria degenerar havendo casamentos com outras, os modernos inimigos das PGMs se horrorizam com a possibilidade de um gene cruzar a barreira da espécie. Aqui mais um sinal de que não estudam: desconhecem que há enorme semelhança funcional entre os genes dos mais distintos organismos, a base física deste fio condutor evolutivo que nos torna parentes mesmo de bactérias. Cada vez mais temos publicações mostrando a migração horizontal de genes entre bactérias, bactérias e fungos, bactérias e plantas, vermes com bactérias e fungos, mesmo bactérias recebendo DNA humano e um parasito passando parte de seu DNA para o homem, trabalho de um grupo de pesquisadores da UNB em Brasília.

Ao longo do tempo, sujeitos a pressões ambientais distintas, os organismos de todos os filos acabam desenvolvendo genes com propriedades funcionais particularmente úteis para se adaptarem a seus habitats. Muitos destes genes poderão ser usados para melhorar as plantas que nos alimentam. Um dos métodos mais usados para introduzir genes em plantas usa a maquinaria inventada a milhões de anos pela bactéria Agrobacterium tumefasciens. Aprendemos a copiar a estratégia desta bactéria que "sabe" colocar na planta os genes que lhe são úteis. Os românticos regressivos têm como marca inventar argumentos pobres para atacar qualquer nova tecnologia. Mas espere um deles desenvolver um câncer, diabetes, asma ou uma cardiopatia complicada. Vão correr para o melhor especialista e receber de bom grado a última novidade da medicina, mesmo que derivada da "engenharia genética", para conseguir sua cura ou alívio, vão usar seus laptops para se informar, não recusarão nenhuma tecnologia "desnecessária" como consideram as PGMs. Mas consideram desnecessário melhorar a eficiência da produção de alimentos. Talvez a explicação seja no desejo de reduzir a população humana pela fome ou atrasar o progresso de sociedades em ascenção do mundo em desenvolvimento, que estarão ameaçando a hegemonia de sociedades em regressão em parte por declínio populacional - seria o eco-imperialismo denunciado por muitos. Os editores foram buscar os representantes de uma das sociedades mais regressivas quanto à agricultura: a França. O país que teve o bom senso de adotar a tecnologia nuclear para a geração de ~80% de sua energia, surpreendentemente revela-se jurássico na agricultura e exporta seus "pensadores" para fazer pregação entre nós. Certamente a tecnologia não é para eles, bem alimentados, ricos, educados, podendo se dar ao luxo de consumir produtos "orgânicos". Poderiam pelo menos não atrapalhar a marcha desta incrível ciência. Mas passam o tempo a inventar riscos "possíveis" e nisso têm enorme imaginação e nenhuma ciência. Infelizmente, um tema que nos é caro, o ambientalismo, serve de "canivete suíço" para alavancar no momento a maioria dos argumentos contra o uso das PGMs, à medida que fica quase impossível avançar nas demais áreas. O dano causado pelo ativismo apoiado por ONGs multinacionais conhecidas tem sido imenso: vinte anos tentando retardar o avanço da tecnologia que pode aumentar a segurança alimentar, melhorar a qualidade do produto (vide a redução de micotoxinas no milho Bt), reduzir o impacto ambiental da aragem (PGMs resistentes a herbicidas), reduzir os acidentes de intoxicação pela redução do uso de defensivos (vide comprovação alemã do benefício aos cotonicultores da Índia), a perda de vidas na África com governos induzidos a recusar doação de milho transgênico, seguro para canadenses e americanos, o retardo da introdução do arroz dourado, enquanto dezenas de milhares de crianças adoecem e ficam cegas com avitaminose A.

Lamento que a tecnologia em sua imensa maioria esteja restrita a "commodities" de grande valor como soja, algodão e milho. Este quase monopólio das grandes empresas está assentado no processo de regulamentação que é caríssimo (e na maioria de suas exigências fútil e supérfluo, como discute Ingo Potrykus) e interessa a essas empresas para afastar a concorrência de institutos públicos, universidades e pequenos empreendedores que poderiam criar os transgênicos que podem ajudar a agricultura de populações pobres e em deficiência nutricional. O título da obra sugere que as PGMs sirvam apenas à interesses estranhos aos pequenos e pobres o que é falso. Mas a insistência deles em intermináveis testes de segurança, absolutamente afastados da realidade biológica que foi modificada, está em perfeita congruência com o monopólio das gigantes da biotec que certamente agradecem em silêncio. A campanha contra as PGMs é do mesmo naipe dos ativismos irracionais que vemos contra o açúcar, contra os adoçantes sintéticos, contra a vacinação de crianças, contra a adição de flúor na água, contra o uso da energia nuclear para geração de energia, etc. Sempre nocivas, baseados em relatos isolados e trabalhos científicos invariavelmente desmentidos. O volume vai engrossar o depósito de bobagens pseudo-científicas, pseudo-ambientalistas, pseudo-defensoras de pequenos agricultores que prolifera entre delírios que laudam "os bons tempos de outrora" da agricultura. Como disse Franklin Pierce Adams, bons tempos passados são resultado da má memória, ou seja, estudo insuficiente da história.


Francisco G. Nóbrega

SJ Campos, 25/09/2011

domingo, 25 de setembro de 2011

Tomada de decisão X polêmica e protelação eternas

Leitores deste blog.

É saudável a discordância, sempre. A unanimidade é burra, como dizia o Nelson Rodrigues. Mas decisões têm que ser tomadas, em resposta a demandas da sociedade. No caso deste feijão, a demanda é econômica: os danos à produção impostos pelo vírus do mosaico dourado são enormes. A Embrapa e muitas outras instituições mundo afora procuraram desenvolver um feijão não transgênico resistente a este vírus e ninguém conseguiu. Então, um grupo  brasileiro iniciou os estudos com várias construções transgênicas e, desde 2004, tem testado exaustivamente este feijão transgênico, tanto no que se refere à resistência quanto aos aspectos de biossegurança.

Os estudos foram suficientes? Há quem ache que não. Mas a maioria na CTNBio, que é o órgão técnico responsável por avaliação de biossegurança de OGMs no Brasil, acha que sim. Os que acham que não acusam os que aprovaram a liberação de, no mínimo, terem sido apressados. Expõem suas razões para terem votado pela diligência (isto é, mais estudos) e creem que, vindo estes estudos, se poderia deliberar outra vez com mais certeza de uma decisão correta. Até aí está certo. Mas há um grupo de pessoas que sistematicamente acusa a CTNBio de irresponsabilidade, de uso de má ciência e até de ligações perigosas com as empresas privadas. Estas acusações são fruto da ideologia destas pessoas, e não de fatos. E resvalam foram da avaliação de risco, que é o cerne desta questão.

Os que julgam que os estudos são suficientes não se apoiam em vantagens do feijão GM, mas na ausência de riscos não-negligenciáveis. É preciso que se entenda isso: não são levadas em consideração na avaliação de risco as vantagens, só as desvantagens (efeitos negativos na saúde e no ambiente). Após análise dos documentos aportados (o processo tem 500 páginas, envolveu 10 unidades da Embrapa e mais de 100 pesquisadores e técnicos durante 7 anos pelo menos), mais toda a vasta literatura sobre este tema (interferência de RNA, construção de plantas GM com esta característica, etc.), 15 membros da comissão votaram pela aprovação (nas setoriais da CTNBio já havia sido votado o processo e aprovado por ampla margem de votos). Podem estar errados? Sim. Mas os riscos percebidos foram muito pequenos e não justificavam a não-aprovação. E os benefícios? Outras instâncias devem analisar isso e contrabalançar com os riscos. A decisão técnica foi tomada.

Ao longo dos próximos anos a Embrapa ainda terá que trabalhar muito para produzir sementes para todos os que quiserem. Não serão cobrados royalties e ninguém será obrigado a comprar e plantar estes feijões, é uma decisão do agricultor, que faz parte do exercício democrático. Poderá haver risco para os produtores de feijão não transgênico? Dificilmente, porque a biologia reprodutiva do feijão facilita muito o trabalho de coexistência. Estará afetada a agrobiodiversidade? Milhares de acessos de variedades brasileiras de feijão estão guardadas nos bancos de germoplasma, garantindo o país quanto a isso. Poderá o feijão fazer mal à saúde? Dificilmente, porque não expressa nenhuma proteína nova e porque tem uma composição igual à do feijão não transgênico. Tudo isso pode estar errado, em parte ou em todo? Sim. O que fazer? Se o feijão for adotado pelos agricultores, será preciso acompanhar por alguns anos os efeitos dele no campo e na alimentação. Chama-se a isso monitoramento. Quanto tempo se vai monitorar? O que se vai acompanhar? Estas são questões que estão em discussão no Brasil e que vão se consolidar numa norma técnica para monitoramento. Organizações independentes também podem e devem acompanhar os resultados do plantio e do consumo deste feijão, quando, daqui há 3 anos, ele chegar ao mercado. E fazer alertas reais, cientificamente embasados, de casos onde efeitos adversos sejam observados. Assim, nós brasileiros saberemos se a avaliação de risco foi certa ou errada. Até agora a CTNBio acertou todas e não há relatos confirmados (só boatos) de danos à saúde ou ao ambiente no Brasil provocados pelas plantas transgênicas comercializadas aqui. Até a coexistência, que não é um problema de biossegurança, mas econômico, vem sendo respeitada em grande parte.

É aguardar para ver.

sábado, 24 de setembro de 2011

Uma oportunidade para o Brasil e a Bélgica - Coordenação de Marc van Montagu

Caros leitores.


O Dr. Marc vam Montagu, um dos pioneiros da transformação de plantas e expoente neste campo de pesquisa, informa que o simpósio sobre Agricultura Sustentável, numa perspectiva biotecnológica, está aberto. O foco é justamente a oportunidade que a biotecnologia abre para o Brasil e a Bélica (terra natal do Dr. Montagu). As informações estão abaixo.


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Symposium 7 Oct 2011: Sustainable agriculture for an innovative economy – an opportunity for Brazil and Belgium
7 Oct 2011 – Ghent, Belgium

In Brazil, biotechnology is rapidly changing the face of the economy. From agriculture and biofuels to green chemistry, the country is leading the way in public-private partnerships in agricultural research and deployment of new products. On the other side of the world, Belgium has built an impressive track record of pioneering fundamental plant science. Belgian plant scientists are generating frontline knowledge that can form the basis of many innovations in sustainable agriculture and industry.

Now, the Institute of Plant Biotechnology for Developing Countries (IPBO), founded by biotech pioneer Marc Van Montagu, is organizing a symposium about cooperation between Belgium and Brazil in biotech. Aim is to foster the translation of fundamental plant science research into innovative applications for agriculture, cleaner chemical industry and mitigation of environmental impacts in both countries. Representatives from research organizations and companies from both countries will present case studies and opportunities for collaboration in biotechThe symposium is organized at the occasion of the launch of Europalia.Brazil and a FWO and FRS-F.N.R.S.joint workshopon science cooperation between Belgium and Brazil.
Attendance is free, but registration is obligatory.
Venue
De Oude Vismijn
St. Veerleplein 5, 9000 Gent
(see 
map)
More info:

sábado, 17 de setembro de 2011

"Jus esperneandi": oposição se debate com velhas críticas ao feijão GM


Caros leitores da Rede Brasil Atual.

Há um grande número de imprecisões neste artigo que merecem uma crítica serena, em prol do melhor entendimento do que se passa em relação à aprovação ou rejeição de transgênicos pelos vários setores da sociedade. Como só foi ouvido um lado da questão, vou me debruçar sobre o texto e comentar cada um dos pontos críticos, alinhavando ao final com algumas conclusões. Espero que se enxerguem as críticas como contribuição ao debate plurifocal, que é defendido por todos, inclusive os membros da CTNBio, como eu.

Primeiramente, o João Peres afirma que a “A CTNBio é uma pequena comissão” e que “dentro de um auditório, quase sempre pouco povoado, pesquisadores definem quais transgênicos chegarão ao mercado”. Não há nada mais incorreto: a CTNBio é formada por 56 membros, entre titulares e suplentes, além de uma dezena de assessores, quase todos Doutores em ciências. Nenhum país do Mundo tem uma comissão de igual porte. Seus vários membros distribuem-se pelas 4 sub-setoriais (saúde animal, saúde humana, meio ambiente e vegetal) e deliberam, titulares e suplentes sobre todos os processos que tramitam na comissão. No caso do feijão, 8 pareceres foram emitidos ao longo de pelo menos 6 meses de análise do processo, sempre acompanhado de muito debate, além de dois pareceres finais, por vistas ao processo, lidos na reunião da votação. Se houve 23 votos, é porque estavam presentes bem mais do que isso, já que apenas os titulares votam e os suplentes só o fazem na ausência do titular.

Ainda no mesmo parágrafo está dito que o processo foi turbulento. Não houve turbulência nenhuma, apenas a usual discordância entre opiniões, que faz parte do exercício da ciência. Entretanto, ao contrário do que ocorre em certos fóruns políticos, a decisão científica é tomada por maioria, e não por consenso.

Outra imprecisão está na afirmação de que as plantas GM não se mostraram mais produtivas e com menos impacto ambiental. Quanto ao maior lucro do agricultor, basta ver o índice de adoção da tecnologia: o produtor não é burro e se adota a planta GM é porque tem melhor retorno. Quanto ao uso de agrotóxicos, há inúmeros relatórios mostrando que houve enorme redução do uso de herbicidas mais tóxicos e de inseticidas. Fora a melhoria da qualidade dos grãos, sobretudo nas variedades de milho Bt. No caso do feijão GM da EMBRAPA, sua adoção vai implicar numa redução espetacular do uso de inseticidas, no combate à mosca branca (vetor do vírus do mosaico dourado).

A suspeita de que os alimentos e rações formulados com plantas transgênicas façam mal é refutado pelo consumo maciço deles por gente e por bicho há mais de uma década, sem qualquer relato cientifico de dano à saúde. Continua circulando pela internet, naturalmente uma penca de “relatos” cuja veracidade é nenhuma. Há também alguns artigos científicos que não foram comprovados por outras pesquisas e que apontam possíveis danos. Não há absolutamente nenhuma relação entre plantas transgênicas e câncer, é uma das fantasias que circulam por aí.

As decisões dos pesquisadores brasileiros na CTNBio (apoiada por 950 assinaturas de outros pesquisadores, professores e profissionais na área de transgenia e biossegurança e por 90 assinaturas de pesquisadores estrangeiros, inclusive o fundador da biotecnologia de plantas, Marc van Mantagu) nunca tomam “uma decisão qualquer”. Soja e milho entram na dieta do brasileiro, seja como grão, como alimento processado ou como composto. A CTNBio tem que se preocupar com todos os OGM que libera e a decisão tem que ser muito bem abalizada na ciência. A afirmação do José Maria Ferraz de que a liberação foi feita por uma “postura ufanista de liberar porque quer liberar” é completamente equivocada, como muitas de suas outras posturas neste caso do feijão e em outros na comissão, onde faz uma “oposição pela oposição”, votando sistematicamente contra todas as plantas transgênicas, sem uma única exceção. Um exemplo claro: o José Maria se pega  na existência de ínfimas diferenças de composição entre o feijão GM e o convencional cultivados nas mesmas condições ambientais, para dizer que a isso será um problema a longo prazo. Esconde a verdade, porque as diferenças na composição de uma mesma variedade de feijão são enormes dependendo de onde e quando ele foi cultivado. Esquece também, propositalmente, que muitas variedades diferentes, transgênicas ou não, serão consumidas, e nunca apenas feijão, mas sempre outras coisas juntas, por mais pobre que o brasileiro seja. Aliás, o mais pobre não come feijão, porque é caro, mas ele não sabe disso.

Já o Leonardo Melgarejo reclama como voto vencido:  “O que houve foi uma desconsideração das opiniões que ponderam ser interessante tomar uma decisão mais bem sustentada.”. Na ciência vence a maioria, os votos vencidos, até prova em contrário, defendem posições equivocadas.

Resvalando prá fora da biossegurança, argumenta-se que os agricultores familiares perderiam suas variedades crioulas, cultivadas em grupos familiares ou de relação próxima pelo Brasil afora. Nada disso: o pólen do feijão na maioria esmagadora das vezes só poliniza outros feijoeiros na mesma roça. E a distância de dispersão do pólen é muito reduzida. De toda forma, isso é questão de coexistência e um assunto do MAPA e não da CTNBio.

A “especialista” Sarah Agapito, que ecoa as opiniões do notório combatente anti-OGM, Rubens Nodari, fala do que não sabe: nunca fez avaliação de risco e seu conhecimento no assunto se limita a avaliações preliminares de diferenças de expressão gênica entre plantas GM e convencionais que, é claro, existem, mas NADA TÊM A VER com biossegurança. Os dois produziram um texto cheio de noções científicas equivocadas e “empurraram” a obra na CTNBio à véspera da votação, na tentativa de criar um factóide. Não funcionou.

Quanto aos argumentos sobre confidencialidade, segundo o mesmo Nodari, “a Embrapa alegou que deveriam ser mantidos em sigilo muitos (sic) pontos. Deste modo, o monitoramento pós-liberação fica impossibilitado porque não sei qual alteração genética se realizou.” Mais uma vez, é falso o argumento: a confidencialidade é para o público em geral (inclusive o Nodari) e não para os membros da CTNBio que assinaram o acordo de confidencialidade que a AGU produziu. Assim, sabemos exatamente como identificar o evento no grão ou em mistura. Depois da liberação comercial estes dados serão passados aos órgãos de fiscalização, tão simples quanto isso.

Está correto o que o João Peres diz: o feijão resistente ao vírus mosaico dourado tem a particularidade de não produzir nenhuma proteína. O que o grão faz é, ao se desenvolver, criar pequenos fragmentos de moléculas de RNA. Mas a conclusão a que chega a Sarah está redondamente equivocada: não existem efeitos em cadeia que não estão estudados. A Interferência de RNA é um processo bem conhecido e no caso deste feijão foi EXTENSAMENTE estudada. O resto é pura especulação irresponsável.

Já a assessora jurídica da Terra de Direitos reclama e desqualifica o entusiasmo de muitos pelo desenvolvimento desta tecnologia pela EMBRAPA: “Não é um orgulho nacional. É uma empresa pública desrespeitando a legislação”. Sò houve desrespeito na visão dela e da turma que se posiciona contraa TODOS os transgênicos. Foi tudo feito criteriosamente, num trabalho que começou há dez anos e que produziu uma imensa quantidade de evidência científica, gerada por 10 unidades da EMBRAPA e totalizando mais de 100 pesquisadores. O peso é grande, certamente muito maior do que a da advogada.

Também está dito que “no início da semana, a Terra de Direitos, o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), a Articulação do Semi-árido Brasileiro (ASA) e a AS-PTA, uma organização especializada em projetos em agroecologia, enviaram uma carta ao ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, alertando para os atropelos do processo de liberação”.  Não é verdade: a carta, assinada apenas por um representante da Terra de Direitos, chegou ao gabinete do Ministro no dia 13 à tarde, terça feira. E não alertava apenas, pedia que o Ministro suspendesse a votação do dia 15. Extremamente democrático. Acontece que só a justiça pode determinar a suspensão de alguma atividade específica da CTNBio. O Ministro, sabedor da lei, não se envolveu com a questão, claro.
Também se comenta que “um dos desrespeitos realizados ao longo do processo é relativo a uma das mais fortes regras da comissão”, a que supostamente obriga a realização de testes com aniamis prenhes e em mais de uma geração. O que a resolução diz explicitamente é que “a proponente (a EMBRAPA, neste caso) deve apresentar estudos de efeitos do OGM em múltiplas gerações de animais e em animais prenhes, se houver”.  Na interpretação estrita de dois membros da CTNBio e de algumas ONGs envolvidas no Movimento por um Brasil Livre de Transgênicos, este parágrafo obriga a realização destes estudos. Não é nada disso, contudo. O Codex Alimentarius, que funciona como guia não vinculante para todos os países, indica muito claramente que se estudos de toxicidade aguda não mostrarem evidências de efeitos adversos, não devem ser tentados estudos alimentares e, muito menos, em múltiplas gerações. Isso porque o alimento não é uma droga e os métodos empregados para avaliar drogas por longos períodos simplesmente NÃO SE APLICAM AOS ALIMENTOS. Esta insistência de alguns, repetida como um mantra de forma irresponsável e tola, só faz atrapalhar as reuniões, embaralhar a avaliação pública e colocar dúvidas no procedimento da CTNBio quanto à avaliação de risco.

Outra insistência recorrente é a exigência do uso de um grande número de animais para concluir alguma coisa. Além de ser um desrespeito aos animais, é anti-ético e pouco informativo. Os ensaios foram feitos para toxicidade aguda e são mais que suficientes, estão de acordo com as normas internacionais, sendo aceitos pela grande maioria dos membros da CTNBio. Além disso, uma avaliação de risco não é um paper científico, as regras são outras. Por fim, as alterações patológicas que o José Maria diz que foram vistas NÃO CONSTAM do processo.

O Ferraz afirma que a análise do processo foi feita com descuido por causa do ufanismo. Tolice: a avaliação foi feita com todo rigor, como deve ser. O mesmo Ferraz orgulha-se de ter “estragado os planos da maioria” pedindo vistas: esquece-se que outro membro também pediu e que ele mesmo nem pode receber o processo numa primeira instância porque se negava a assinar o termo de confidencialidade.

Não sei de onde tiraram a idéia de que, antes de ter acesso aos relatórios completos, 16 integrantes da comissão... haviam lançado e assinado um manifesto a favor da liberação. Não foi nada disso: um dos membros criou uma petição online, mecanismo democrático de avaliação de opiniões. Não era manifesto nenhum. Está ainda online e conta com a adesão de quase 1000 assinaturas, quase todas de acadêmicos e de gente ligada à ciência neste país. A petição não aponta de forma alguma os opositores da tecnologia como gente que está contra o país. Isso é uma interpretação livre de quem tem espinho na garganta.

Por fim, está bem ressaltado pela Rede Brasil Atual que “as mesmas instituições que entregaram o manifesto a Mercadante foram ao Ministério Público Federal se queixar que tais integrantes não poderiam votar.”. Nenhum juiz do Brasil atual daria ouvidos a uma reclamação deste tipo, tirada diretamente dos porões da ditadura. Se a moda pega no terceiro setor, o país vai ter uma eficiente lei da mordaça. Que vergonha.

Concluo dizendo que em jornalismo responsável não é correto ouvir um lado só.
Paulo Andrade

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Vencida a batalha científica, começa o embate jurídico: a luta do país para garantir a liderança na geração de transgênicos de última geração

Dia 15 de setembro, 10:00h, a CTNbio aprova a liberação comercial do feijão Embrapa 5.1. Os votos contrários de sempre, que tentam impedir a aprovação de qualquer planta transgênica, seja ela feijão, arroz, milho, soja ou algodão. As afirmações, as mesmas: faltam estudos, há incerteza, os riscos são grandes, etc. Em entrevista ao Estado de São Paulo a Terra de Direitos brindou o país com uma série de afirmações tanto espetaculares quanto pouco apoiadas em ciência.

Um dos questionamentos recorrentes provém de uma interpretação pessoal e enviesada de um artigo da Resolução Normativa 5 (para liberação comercial de OGMs) que diz:  “a proponente (a EMBRAPA, neste caso) deve apresentar estudos de efeitos do OGM em múltiplas gerações de animais e em animais prenhes, se houver”. Na interpretação estrita de dois membros da CTNBio e de algumas ONGs envolvidas no Movimento por um Brasil Livre de Transgênicos, este parágrafo obriga a realização destes estudos. Não é nada disso, contudo. O Codex Alimentarius, que funciona como guia não vinculante para todos os países, indica muito claramente que se estudos de toxicidade aguda não mostrarem evidências de efeitos adversos, não devem ser tentados estudos alimentares e, muito menos, em múltiplas gerações. Isso porque o alimento não é uma droga e os métodos empregados para avaliar drogas por longos períodos simplesmente NÃO SE APLICAM AOS ALIMENTOS. Esta insistência de alguns, repetida como um mantra de forma irresponsável e tola, só faz atrapalhar as reuniões, embaralhar a avaliação pública e colocar dúvidas no procedimento da CTNBio quanto à avaliação de risco.

Outra crítica que sempre aparece é a de que a EMBRAPA deveria ter feito estudos em todos os biomas onde o feijão será cultivado. Embora isto esteja na RN-05, o fato é que, para fins de biossegurança deste feijão, as avaliações conduzidas em 3 locais distintos são mais que suficientes: o feijão não é nativo do Brasil, não tem parentes silvestres, usualmente não é polinizado por insetos e suas flores não servem para a produção de mel nem funcionam com fonte importante de alimento para insetos distintos em distintas regiões. Por tudo isso, não faz o menor sentido cobrar avaliações em tudo que é lugar desta Terra Brazilis.

Quanto à afirmação bombástica, mas vazia, da advogada da Terra de Direitos (apud O Estado de São Paulo), de que a CTNBio deveria aguardar a chegada de informações complementares, ela é fruto da tentativa extemporânea de “empurrar” para dentro do processo, na véspera da votação, dois textos enviados às pressas e propositalmente no apagar das luzes. Que textos são estes: um é um “arrazoado” (sic) encaminhado por 4 ONGs ao Ministro Mercadante (mas assinado por apenas uma delas), cheio de afirmações sem nenhuma base científica e, sobretudo, sem nenhuma novidade. O outro é um aglomerado de críticas pseudo-científicas escritas e assinadas pelo Dr. Rubens Nodari e uma aluna sua de pós-graduação, que não traz nada de novo e só segue a linha anti-OGM deste ex-membro da CTNBio. Suspender um processo que está sendo analisado há 8 meses por seis membros da CTNBio por causa de dois textos vazios em termos de ciência e cheios de ideologia não teria mesmo cabimento.

Não devemos esquecer que o tal “arrazoado” foi encaminhado para que o Ministro ordenasse a suspensão da votação. Ora, uma atividade da CTNBio só pode ser suspensa por força de lei, isto é, por despacho de juiz. É claro que o Ministro, sabiamente, não se meteu nesta questão.

A advogada mencionada ainda afirma que o procedimento da EMBRAPA “é uma vergonha”. Vergonha é uma declaração destas, sem pé nem cabeça, eivada do mais podre ativismo, sem qualquer fundamento científico. O país não precisa disso. Esperamos que esta declaração seja revertida no futuro, quando a advogada olhar de forma mais serena para a questão, e não no calor de um debate do qual ela só percebe uma mínima parte.

A prova de que a compreensão científica dos que se opõem ao feijão GM da EMBRAPA é muito reduzida pode ser depreendida da frase abaixo, ainda da advogada da Terra de Direitos, mas que espelha a idéia de muitos outros atores neste cenário: comentando que, no desenvolvimento da nova variedade de feijão, foram feitos 22 experimentos, dos quais 20 deram errado, arremata: "Não soubemos o que ocorreu." A falta de entendimento de transformação genética, em geral, e de transformação de plantas, em particular, é a causa deste não entendimento...

Abaixo, a entrevista no Estado de São Paulo

Liberação do Feijão Transgênico deve ser questionada na Justiça
A liberação comercial do feijão transgênico da Embrapa provocou inquietação entre cientistas e deve ser questionada na Justiça por organizações não governamentais.
Cinco dos integrantes da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança consideraram insuficientes as informações contidas no relatório e pediram diligências. Entre as lacunas apontadas está a suposta falta de estudos sobre o impacto do consumo do feijão entre animais em gestação e pesquisa sobre o comportamento do organismo geneticamente modificado em todos os biomas no Brasil.
"Foi um desrespeito à Constituição Federal, às regras da própria CTNBio", afirmou a advogada da Terra de Direitos, Ana Carolina Almeida. "Antes da aprovação, eles deveriam aguardar o envio de informações complementares e, se preciso, a realização de novos estudos."
A advogada está convicta de que o fato de a semente ter sido desenvolvida pela Embrapa levou integrantes do conselho a fazer uma análise pouco cuidadosa do projeto. "Uma empresa pública deveria dar o exemplo, mas não foi o que ocorreu. É uma vergonha", completou.
A Terra de Direitos deverá entrar na Justiça nos próximos dias questionando a legitimidade da aprovação. "A Constituição afirma que é dever preservar o patrimônio genético nacional. Liberar uma variedade transgênica sem estudos suficientes é uma afronta." Ela questiona também o fato de, no desenvolvimento da nova variedade de feijão, terem sido feitos 22 experimentos, dos quais 20 deram errado. "Não soubemos o que ocorreu."
O líder da pesquisa, Francisco Aragão, afirma que os questionamentos são indevidos. "Fizemos estudos entre 2005 e 2010. Verificamos não haver risco ao meio ambiente."
(O Estado de São Paulo)
Fonte: Jornal da Ciência

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Análise da reunião da CTNBio para votação da liberação comercial do feijão transgênico da EMBRAPA

Dia 15 de setembro à tarde, feijão transgênico aprovado, tensão acalmada, como se lê o que passou?

Como sempre, os dias que antecederam a reunião foram cheios de tensão: esperava-se uma ação judicial movida pelos grupos contrários aos transgênicos para impedir que os membros da CTNBio que assinaram a petição online em apoio ao feijão da EMBRAPA. Mas até o último momento nenhum juiz deu a temida liminar. A razão parece óbvia: num país democrático, expressar opinião e mobilizar o público são coisas que fazem parte do exercício da cidadania. Na verdade, são coisas esperadas. Apenas os que ainda trazem na mente o restolho da ditadura podem pensar ao contrário.

Na falta da liminar algumas organizações integrantes do Movimento por um Brasil Livre de Transgênicos produziram um documento com uma série de argumentos que, na leitura delas, implicam em grande risco para a saúde dos brasileiros e para o ambiente. E enviaram este documento ao Ministro Aloísio Mercadante, com cópia ao representante titular do MCT na CTNBio, Dr. Carlos Nobre, pedindo a suspensão da votação. Dos quatro signatários (Terra de Dieitos, ASA, AS-PTA e IDEC), só um tem o apoio de uma assinatura (a Terra de Direitos, pelo seu secretário executivo). Esqueceram-se os pleiteantes que as reuniões da CTNBio não podem ser suspensas e que apenas uma ordem judicial (liminar ou semelhante) poderia redundar em suspensão de votação.

Vencidas estas duas etapas, na noite anterior à votação, circulou a notícia de que deputados estariam prontos a comparecer à reunião. Temeu-se que, como de outra vez, o tumulto se estabelecesse e a reunião não chegasse a votar nada. Mas hoje (dia da votação) ninguém apareceu. Um esquema de segurança eficaz foi montado, mas não foi preciso mobilizar os seguranças.

Um quarto momento de tensão e dificuldade era esperado na própria plenária. De fato, alguns membros da CTNBio que historicamente sempre se alinharam com a oposição à biotecnologia procuraram, com argumentos baseados na existência de novos textos  (texto enviado pelas organizações citadas acima outro enviado à véspera por uma aluna de pós-graduação e um professor titular), argumentar que era preciso dar atenção a estes novos textos. Contudo, eles foram analisados por todos os membros que deram parecer no processo e estes julgaram que nada havia de novo nestes textos e que eles nada acrescentavam à avaliação de risco já concluída. O presidente, assim, rechaçou o pedido.

Lidos os pareceres de vistas ao processo de dois membros, a oposição à maioria ainda argumentou que não havia no momento representante dos consumidores e de outros setores da sociedade, mas mais uma vez o argumento não foi considerado suficientemente forte para adiar a votação uma vez que o assunto já havia sido amplamente discutido na CTNBio, avalliado em audiência pública e discutido em muitos outros fóruns. Também foi argumentado por um dos representantes da oposição aos transgênicos que a petição online assinada pelos membros seria causa suficiente para que a votação fosse irregular, o que foi imediatamente rechaçado pelo presidente da CTNBio.

Assim, a votação foi levada a cabo e concluída, com 15 votos a favor, duas abstenções (do membro da unidade da EMBRAPA proponente do feijão GM e do Dr.Carlos Nobre) e 5 votos pela diligência (isto é, continuação do processo de análise, para adição de mais dados). A maioria, portanto, considerou que as análises foram suficientemente abrangentes e que garante a segurança do produto.

Mas não tenham dúvidas os brasileiros: esta novela não acabou e a oposição aos transgênicos, em que pese a enorme evidência da biossegurança deste produto e de outros que estão no mercado há mais de 10 anos, ainda voltará a atacar, procurando obstruir um feijão que é tão seguro quanto o não transgênico e que demanda muito menos inseticida que o não transgênico

Lá, como cá, a oposição ideológica atravessa a ciência

A Convenção de Biodiversidade tem nos grupos de experts ad-hoc um braço executivo de sua política geral de proteção ao meio ambiente. Os grupos são criados em resposta a demandas dos países membros quanto a questões específicas. Há vários anos alguns AHTEGs, como são chamados estes grupos, têm-se debruçado sobre várias questões candentes referentes ao meio ambiente. Alguns destes grupos atuam no contexto do Protocolo de Cartagena e se dedicam a várias questões ligadas aos organismos geneticamente modificados. Um grupo destes dedicou-se a produzir recomendações (guidelines) sobre avaliação/análise de risco e outros procuraram exemplificar a aplicação destas guidelines para plantas piramidades, plantas resistentes a estresse e mosquitos transgênicos.
Na opinião da maioria dos participantes dos fóruns on-line que avaliaram estes documentos previamente à MOP/COP, o objetivo não havia sido alcançado em nenhum dos 4 textos. De fato, os guidelines para avaliação de riscos não foram aceitos na MOP e tiveram que voltar a ser discutidos e aprimorados. Insensatamente, contudo, foi pedido que outros grupos se debruçassem sobre novas questões quando as anteriores ainda estavam largamente não resolvidas.
Dois outros assuntos foram priorizados: monitoramento pós-liberação comercial e avaliação de risco de árvores perenes (espécies florestais). Como esperado, o resultado foi um completo desastre. Para se ter uma idéia da inconsistência do trabalho, fruto da colocação de viés ideológico claramente anti-GM à frente da ciência, repassamos os comentários do Prof. Dr. Steve Strauss, da Oregon State University, EUA. Eles espelham os muitos outros comentários no fórum on-line e dezenas de outros fora dele, que repudiam o texto como um todo.
O fórum pode ser acessado pelo link abaixo. Da página do fórum pode-se baixar vários documentos, inclusive a proposta de avaliação de risco de florestas GM.



POSTED ON BEHALF OF STEVE STRAUSS

I am writing as an observer to comment on the document “RISK ASSESSMENT OF LIVING MODIFIED TREES” that was open for comment under the discussion group "Risk Assessment of LM Trees", 5-17 September 2011.

I am a Distinguished Professor of Forest Biotechnology in the College of Forestry at Oregon State University in the USA.  I have taught and conducted research in forest genetics and transgenic biotechnology for 30 years thus believe I understand both genetic, ecological, and surrounding social issues of GM trees in considerable depth.  You can view my background, publications and CV at this web site:http://www.cof.orst.edu/coops/tbgrc/Staff/strauss/index.htm 
 

GENERAL EVALUATION
I was most unhappy with the tenor and content of the document, and believe an entire rewrite is warranted.  It had many value judgments that posing as scientific statements of fact, and lacked sufficient context to guide the formulation and design of relevant risk assessments.
 
 
SPECIFIC COMMENTS

1. The document considered intensively grown tree plantations as equivalent to natural forests, when societies throughout the world have chosen to allow, and often to encourage, plantations because of their very high social and economic value for wood production compared to management and harvest of wild forests.  This is similar to the decision to create agricultural fields rather than to conduct a hunter-gatherer-foraging kind of food production.  These forests are intentionally highly simplified in ecological structure and diversity because of the large social benefits, and sparing on impacts on wild forests, that they bring.  The impacts from GM trees in plantation systems should only be compared to the already very large impacts implicit to plantation forests, such as from short planting and harvest cycles with evenly spaced plantations of single species or genotypes, usually under intensive weed control and fertilization.  Thus, consideration of “landscape architecture” and “ecosystem function services” (e.g. illness 222-223) needs to be considered within a social framework that has already chosen to simplify and allocate these amenities these in a highly differential manner. 
 

2. The document stated in more than one place that forest trees are “unique” (e.g., line 88 and nearby) or are “ecosystems in themselves” (e.g., line 100) or have “extensive interactions with other organisms” (e.g., line 145 and nearby) or are crucial to “food webs” (e.g., line 258).  In fact many of their traits including perennial habit, vegetative persistence, and support of complex ecological communities are shared by many other plant species that are not trees nor part of forests.  The long-lived grasses that dominate native prairies are good examples.  Thus, these exaggerations and value judgments do not belong in a scientific document.
 
 
3. Wood was considered as a potential vegetative propagule with respect to possible transboundary movement, and thus movement of wood should be carefully considered (line 131 and nearby).  The large majority of wood is dead and unable to serve as propagules; only rarely, when dormant and well-preserved branch or root sections are shipped, are they effective propagues, and even then usually need to be planted and cared for by humans.  Likewise, normal vegetative propagule movement, such as through branches, is rarely found outside of the Salicaeae among industrially grown plantation trees.  Moreover, even there it is the major source of spread only special environments, such as in high elevation and wild Populus tremula/tremuloides (where no GM trees are intended). Thus, the sections are misleading.
 

4. The document often said that forest trees were little domesticated (e.g., see line 106 and 205 and nearby).  In fact, some of the most widely grown and intensively bred trees are highly domesticated, which can be accomplished in a single generation in case the case of interspecific hybrids in Populus and Eucalyptus.  These trees are usually highly infertile because of their hybrid genotypes and often produce highly variable and maladapted progeny, thus are substantially domesticated with respect to their ability to invade natural habitats.  These are the same types of genotypes most likely to use GM varieties in plantation forestry in the future. 
 

5. The conventional wisdom of tree breeding that local rather than exotic provenances are best (lines 147-153) are now being seriously questioned worldwide as global climate change substantially alters growing seasons, frost periods, high temperatures, and drought cycles.  Exotic kinds of trees, including some kinds of GM trees with enhanced abiotic or biotic stress tolerance properties, may be desirable and important for sustaining forest productivity and even survival in many environments. 
 

6. The document focuses on risks of changes to status quo, however, the rapidly rising world demand for solid wood, pulp, and bioenergy products—together with increased climate and forest pest injury—is putting serious and growing stresses on all kinds of forests.  The document lacks any perspectives on the risks to forests of doing nothing with advanced GM methods given these serious social and ecological stresses.  The long term and ecologically thorough risk assessments demanded throughout the document will make the use of GM increasingly impractical, taking a major tool for plantation forest improvement away from tree breeders (in fact, this has already begun under the CBD:  Strauss, S.H., H. Tan, W. Boerjan, and R. Sedjo. (2009) Strangled at birth? Forest biotech and the Convention on Biological Diversity. Nature Biotechnology 27:519-527).  .  Tree breeders themselves rarely wait for more than a fraction of a rotation to begin to make selection decisions, thus there is no reason for the more specifically modified GM trees to do otherwise.
 
 
7. The document suggests that instability of transgenic traits in trees is a serious issue (line 88 and nearby).  However, it is has been known for several years that stable expression of transgenes and associated traits is what is predominantly observed in the field with transgenic forest trees; instability is rare and easily managed (Brunner, A., J. Li, S. DiFazio, O. Shevchenko, R. Mohamed, B. Montgomery, A. Elias, K. Van Wormer, S.P. DiFazio, & S.H. Strauss. (2007) Genetic containment of forest plantations. Tree Genetics & Genomes 3:75-100).  Thus, the document is once again quite misleading.
 

I hope that these comments are useful.  As you can see, the flaws in perspective and fact are inherent to the very structure of the document—with its powerful anti-GM and anti-plantation bias.  I strongly urge that it be discarded and a new, more neutral document be drafted.
 


Thanks for considering these comments
Steve Strauss, Distinguished Professor

CTNBio aprova feijão transgênico da EMBRAPA

Acaba de ser aprovada por 15 votos favoráveis, duas abstenções e 5 votos por diligência a liberação comercial do feijão geneticamente modificado para resistência ao vírus mosaico do feijoeiro desenvolvido pela EMBRAPA.

sábado, 10 de setembro de 2011

Entre a seriedade e o disparate


No que diz respeito à discussão sobre o uso da engenharia genética na agricultura nosso país tem entrado em uma perigosa rota do vale tudo, em que qualquer um pode falar o que quer. Em muitos casos as questões são levadas para um nível tão absurdamente baixo que nem mesmo vale a pena comentá-las. Em geral os cientistas não se dão ao trabalho de fazer comentários a críticas nesse nível porque são pessoas demasiadamente ocupadas e procuram dedicar o tempo escasso para a geração de conhecimento. Por outro lado há uma enorme confusão sobre o que é o debate político e o que o debate científico. No debate científico há formas de se demonstrar qual grupo tem a melhor resposta (como bem colocou o Prof. Francisco Nóbrega em seu artigo “Validação por plebiscito?”). No debate científico, mais cedo ou mais tarde se demonstrará que é a terra que gira em torno do sol, mesmo que o debate político tente mostrar por centenas de anos que é o contrário.

Muito se tem escrito sobre o feijão transgênico resistente ao mosaico dourado. Alguns comentários são sobre questões de biologia molecular e mostram o completo despreparo de quem os escreve. É assim o comentário não assinado feito no site “Em pratos limpos” sobre a entrevista concedida pelo Dr. Pedro Arraes (presidente da Embrapa) ao Valor Econômico. Embora esse seja também um dos casos que a resposta não valha a pena, diante dos absurdos tão cabais, cabe um comentário.

            O processo de liberação comercial do feijão está disponível na CTNBio há meses e qualquer cidadão pode requisitar uma cópia. Mais recentemente foi disponibilizado para download sem necessidade de requisição. Uma prova de que a Embrapa busca a transparência e não tem absolutamente nada a esconder da sociedade brasileira. Tem sido assim ao longo da sua história de sucesso reconhecida pelo mundo. Apenas uma página foi colocada em sigilo com o único objetivo de proteger o patrimônio público, uma vez que pode ser alvo de proteção intelectual e geração de divisas para o país. A falta dessa página em nada impede uma avaliação de biossegurança. Aliás, contém informações que não são requeridas por autoridades de biossegurança de vários países.

            A estratégia utilizada para geração do feijão GM é muito bem conhecida e tem sido intensamente estudada nos últimos 20 anos. Na verdade, o silenciamento gênico para suprimir genes virais tem sido observado desde os anos 50. O mecanismo molecular do silenciamento gênico foi elucidado quase que simultaneamente por grupos na Austrália, Estados Unidos e Inglaterra e levou aos pesquisadores americanos a ganhar o Prêmio Nobel de Medicina em 2006. Mas o “Em pratos limpos” diz que no caso do feijão “os proponentes ainda não sabem explicar muito bem como funciona o transgene criado”. Todas essas questões estão sim muito bem esclarecidas no processo apresentado à CTNBio e nas publicações sobre o feijão na revista Nature Biotechnology (volume 27 de 2009) e MPMI (volume 20 de 2007). Essas são as melhores revistas na área de biotecnologia e fitopatologia. Seria interessante que o autor do comentário se assessorasse de alguém com capacidade de entender essas questões.




As formas pelas quais RNAs de interferência silenciam a expressão gênica. A produção de RNAs fita dupla pode ser comandada a partir de genes da própria célula ou a partir de transgenes.  http://www.nature.com/nrg/journal/v8/n3/images/nrg2006-f1.jpg

            Também citam um artigo da Nature Biotecnology em que se mostrou “outros cientistas criticando a eficácia do projeto”. Pois bem, esse artigo citado, escrito pelo grupo italiano de Lucioli et al. é um artigo teórico em que dizem que provavelmente a estratégia baseadas em proteínas e pequenos RNA não funcionariam para geminivírus. Esse artigo foi contestado pela realidade e por outro artigo escrito por cientistas brasileiros e publicado como resposta àquele artigo na mesma revista Nature Biotecnology em 2009. Lucioli & Tavazza tiveram a chance de fazer mais um comentário e disseram que na verdade eles se referiram às estratégias baseadas em proteína e que as “opiniões pessoais” expressadas sobre pequenos RNA estavam baseadas no fato de não haver um caso demonstrando a eficácia da nossa estratégia. Pois bem, esse caso foi justamente o feijão. Na verdade, nós no Brasil fomos pioneiros em demonstrar que essa estratégia funciona para vírus de DNA e abrimos a porta para que isso fosse aplicado a outros vírus. Foi justamente isso que aconteceu. Depois que demonstramos que era possível, outros grupos desenvolveram plantas transgênicas resistentes a geminivírus usando essa mesma estratégia: tomates em Cuba, milho na África do Sul e Mandioca nos Estados Unidos e África. É só procurar a literatura científica.

            Por fim o artigo anônimo de “Em pratos limpos” diz que “foram encontradas apenas 26 proteínas enquanto outros estudos acharam mais de 500 também no feijão”. Por si só isso mostra a total incapacidade do autor em fazer uma avaliação rasteira desse processo. Obviamente que o feijão tem dezenas de milhares de proteínas e 26 dessas foram usadas como marcadores para estudar possíveis alterações. Nenhuma diferença foi encontrada. A comparação feita em feijoeiros cultivados em Goiás, Paraná e Minas Gerais foi entendida a 5 tipos comerciais de feijoeiros cultivados por sete anos (em distintas safras em cada ano) nas regiões Nordeste, Centro Oeste, Sul e Sudeste. Nenhuma comparação mostrou qualquer diferença biológica entre o feijoeiro GM e os feijoeiros cultivados no Brasil.

            Os dados de avaliação do feijão GM foram discutido em vários congressos internacionais em que estava presente a nata dos cientistas da área de biologia vegetal. A discussão dos dados feita em alto nível sempre mostrou que os resultados obtidos são extremamente robustos para atestar a segurança para o consumo e cultivo no Brasil. Não se pode esperar unanimidade entre os cientistas. Seria péssimo que assim fosse. Seria um veneno para o desenvolvimento do conhecimento. Mas podemos dizer que quando o processo foi apresentado aos melhores cientistas da área de biologia vegetal, biologia molecular, nutrição, medicina (entre outros) do Brasil, Índia, México, Estados Unidos, Japão, China, Canadá, Europa e vários outros países, houve um consenso em afirmar que os dados eram na verdade mais que suficiente para atestar a segurança desse feijão. Certamente a CTNBio tem membros em quantidade e qualidade mais que suficientes para fazer uma avaliação baseada no conhecimento humano disponível e necessário para julgar a segurança o feijão resistente ao mosaico dourado. Qualquer avaliação fora disso coloca a nossa população, agricultura e economia em risco.

Paulo Paes de Andrade
Departamento de Genética/ UFPE
e
CTNBio