segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Para quem ainda não sabe...


Depois de dar uma boa olhada no livro "Transgênicos para quem? subtítulo: Agricultura, Ciência e Sociedade (TPQ), recentemente lançado com apoio do Ministério do Desenvolvimento Agrário, imediatamente lembrei da história da atendente da GOL, quando um senhor furou a fila exigindo seu check-in de primeira classe. A jovem pediu que ele esperasse sua vez na fila. Imediatamente o passageiro disse para que todos ouvissem: Você faz alguma idéia de quem eu sou? A atendente pediu um instante, pegou o microfone:  Posso ter um minuto da atenção dos senhores, por favor? (a voz ecoou por todo o terminal). Continuou: Nós temos aqui no balcão um passageiro que não sabe quem é, deve estar perdido... Se alguém é responsável por ele, ou é seu parente, ou então se puder ajudá-lo a descobrir a sua identidade, favor comparecer aqui no balcão da GOL. Obrigada.

Minha leitura do texto (TPQ) me deixou com esta sensação, os autores não sabem para quem são as plantas genéticamente modificadas que há 15 anos são plantadas e consumidas pelo planeta afora. Eu acho que posso ajudar. Vamos lá: ninguém é obrigado a cultivar plantas geneticamente modificadas (PGMs). Aqui entre nós, os agricultores do sul resolveram, ilegalmente, usar soja GM da Argentina. Certamente vantagens substantivas os levaram a arriscar a perda de sua produção que alguns queriam destruída. Agora sabemos que agricultores chineses estão também se antecipando à autorização oficial do governo, cultivando arroz geneticamente modificado. Vamos aos fatos: de 2009 a 2010 houve um aumento de 10% no número de agricultores que adotaram a tecnologia. O tom dos artigos do TPQ leva a pensar que apenas megaprodutores adotaram a tecnologia. Ao contrário, mais de 90% dos 15,4 milhões de agricultores de 2010 são pequenos produtores de poucos recursos e de países em desenvolvimento. Como disse o ambientalista Brand, os pequenos agricultores pobres adotam as plantas GM com a rapidez com que adotaram o telefone celular, ferramentas para sair da pobreza. Há um pensamento regressivo ao longo de texto: temos agricultura, não é necessário inventar PGMs... Na época da revolução verde de Borlaug os autores deste livro diriam que não se devia obter trigo de alta produtividade e adubar, coisas artificais. O sucesso desta tecnologia salvou até hoje 2 bilhões de pessoas da fome. Mas os autores do TPQ tem a mente da velha Europa, desenvolvida, de agricultura pesadamente subsidiada, faz tempo não passam fome, têm alto nível de consumo e suas preocupações agora são exclusivamente ecológicas. O homem não importa, já que é o fator principal para perturbar o "ambiente natural". Cuidam bem de seus jardins, florestas plantadas e águas, após ter sentido os efeitos do descuido ambiental, e se voltam para "proteger" as florestas e ambientes de outros países, que desejam intocadas. Em seu neo-malthusianismo se apavoram com o crescimento populacional dos outros: Américas Central e do Sul, África e Ásia. Adotaram um racismo genético: assim como Hitler alucinou com sua teoria de que a etnia ariana iria degenerar havendo casamentos com outras, os modernos inimigos das PGMs se horrorizam com a possibilidade de um gene cruzar a barreira da espécie. Aqui mais um sinal de que não estudam: desconhecem que há enorme semelhança funcional entre os genes dos mais distintos organismos, a base física deste fio condutor evolutivo que nos torna parentes mesmo de bactérias. Cada vez mais temos publicações mostrando a migração horizontal de genes entre bactérias, bactérias e fungos, bactérias e plantas, vermes com bactérias e fungos, mesmo bactérias recebendo DNA humano e um parasito passando parte de seu DNA para o homem, trabalho de um grupo de pesquisadores da UNB em Brasília.

Ao longo do tempo, sujeitos a pressões ambientais distintas, os organismos de todos os filos acabam desenvolvendo genes com propriedades funcionais particularmente úteis para se adaptarem a seus habitats. Muitos destes genes poderão ser usados para melhorar as plantas que nos alimentam. Um dos métodos mais usados para introduzir genes em plantas usa a maquinaria inventada a milhões de anos pela bactéria Agrobacterium tumefasciens. Aprendemos a copiar a estratégia desta bactéria que "sabe" colocar na planta os genes que lhe são úteis. Os românticos regressivos têm como marca inventar argumentos pobres para atacar qualquer nova tecnologia. Mas espere um deles desenvolver um câncer, diabetes, asma ou uma cardiopatia complicada. Vão correr para o melhor especialista e receber de bom grado a última novidade da medicina, mesmo que derivada da "engenharia genética", para conseguir sua cura ou alívio, vão usar seus laptops para se informar, não recusarão nenhuma tecnologia "desnecessária" como consideram as PGMs. Mas consideram desnecessário melhorar a eficiência da produção de alimentos. Talvez a explicação seja no desejo de reduzir a população humana pela fome ou atrasar o progresso de sociedades em ascenção do mundo em desenvolvimento, que estarão ameaçando a hegemonia de sociedades em regressão em parte por declínio populacional - seria o eco-imperialismo denunciado por muitos. Os editores foram buscar os representantes de uma das sociedades mais regressivas quanto à agricultura: a França. O país que teve o bom senso de adotar a tecnologia nuclear para a geração de ~80% de sua energia, surpreendentemente revela-se jurássico na agricultura e exporta seus "pensadores" para fazer pregação entre nós. Certamente a tecnologia não é para eles, bem alimentados, ricos, educados, podendo se dar ao luxo de consumir produtos "orgânicos". Poderiam pelo menos não atrapalhar a marcha desta incrível ciência. Mas passam o tempo a inventar riscos "possíveis" e nisso têm enorme imaginação e nenhuma ciência. Infelizmente, um tema que nos é caro, o ambientalismo, serve de "canivete suíço" para alavancar no momento a maioria dos argumentos contra o uso das PGMs, à medida que fica quase impossível avançar nas demais áreas. O dano causado pelo ativismo apoiado por ONGs multinacionais conhecidas tem sido imenso: vinte anos tentando retardar o avanço da tecnologia que pode aumentar a segurança alimentar, melhorar a qualidade do produto (vide a redução de micotoxinas no milho Bt), reduzir o impacto ambiental da aragem (PGMs resistentes a herbicidas), reduzir os acidentes de intoxicação pela redução do uso de defensivos (vide comprovação alemã do benefício aos cotonicultores da Índia), a perda de vidas na África com governos induzidos a recusar doação de milho transgênico, seguro para canadenses e americanos, o retardo da introdução do arroz dourado, enquanto dezenas de milhares de crianças adoecem e ficam cegas com avitaminose A.

Lamento que a tecnologia em sua imensa maioria esteja restrita a "commodities" de grande valor como soja, algodão e milho. Este quase monopólio das grandes empresas está assentado no processo de regulamentação que é caríssimo (e na maioria de suas exigências fútil e supérfluo, como discute Ingo Potrykus) e interessa a essas empresas para afastar a concorrência de institutos públicos, universidades e pequenos empreendedores que poderiam criar os transgênicos que podem ajudar a agricultura de populações pobres e em deficiência nutricional. O título da obra sugere que as PGMs sirvam apenas à interesses estranhos aos pequenos e pobres o que é falso. Mas a insistência deles em intermináveis testes de segurança, absolutamente afastados da realidade biológica que foi modificada, está em perfeita congruência com o monopólio das gigantes da biotec que certamente agradecem em silêncio. A campanha contra as PGMs é do mesmo naipe dos ativismos irracionais que vemos contra o açúcar, contra os adoçantes sintéticos, contra a vacinação de crianças, contra a adição de flúor na água, contra o uso da energia nuclear para geração de energia, etc. Sempre nocivas, baseados em relatos isolados e trabalhos científicos invariavelmente desmentidos. O volume vai engrossar o depósito de bobagens pseudo-científicas, pseudo-ambientalistas, pseudo-defensoras de pequenos agricultores que prolifera entre delírios que laudam "os bons tempos de outrora" da agricultura. Como disse Franklin Pierce Adams, bons tempos passados são resultado da má memória, ou seja, estudo insuficiente da história.


Francisco G. Nóbrega

SJ Campos, 25/09/2011

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