segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Validação por plebiscito?


(Por Francisco Gorgônio da Nóbrega, professor universitário)

O jornalista Tuffani, com a melhor das intenções, acredita que abrindo a discussão para a população, com maior antecedência, haveria esclarecimento e paz, sendo evitada a "guerra de desinformação", segundo ele, travada na mídia.
O que jornalistas esquecem, em seu afã democrático, é que assunto que envolve ciência não é da mesma categoria da escolha de representantes para o legislativo e outras coisas próprias para se decidir por plebiscito ou votação, exceto quando o corpo votante tem nível de formação tecno-científica razoavelmente homogênea, como acontece nas plenárias da CTNBio.
Assuntos técnicos como a segurança das plantas geneticamente modificadas são árduos mesmo para os que passaram anos estudando medicina, biologia, ecologia, etc. Nas audiências públicas que assisti, os representantes da população assistem de olhos arregalados um debate, que lhes parece opaco, entre dois grupos. Se forem opinar ao fim, talvez sejam levados simplesmente pelo orador mais hábil.
Aqueles com educação centrada nas humanidades são geralmente adeptos do relativismo cultural e lhes parece lógico colocar ativistas de ONGs ambientalistas no mesmo patamar de conhecimento que os pesquisadores de universidade que se pautam por fatos e pelo conhecimento acumulado e já confirmado pela ciência. Para muitos parece cruel que, em ciência, a resposta certa ou a melhor resposta, costuma ser uma só. Um dos grupos está correto e o outro errado. Parece impossível chegar, em nossos dias, ao ideal da Ágora  grega, quando os filósofos pré-socráticos debatiam longamente até chegar ao consenso, na ausência (suponho) de interesses outros, comerciais e/ou ideológicos, que impeçam uma decisão isenta, racional.
A sugestão do jornalista simplesmente resultará, se aplicada a cada pedido de liberação comercial, na virtual parada dos trabalhos. A comissão já dispende de anos a 2-3 meses para avaliar cada pedido e todos os argumentos, a favor e contra são amplamente discutidos. Se a população está em dúvida, se deve a enorme caixa de ressonância da mídia que capricha em toda notícia catastrófica, imediatamente publicada com letra maiúscula. "Good news are no news" como todos sabem, mas esquecem. Quando vem uma correção, um desmentido, estará em algum recanto humilde da publicação. A população fica com o medo e as "dúvidas". Isso é velho, desde a guerra da vacina no Rio, desde a resistência nos EUA à pasteurização do leite. Em 1998, o prestigioso The Lancet publicou um trabalho que alegava existir uma associação entre o autismo e a vacina tríplice (sarampo, caxumba e rubéola). As ONGs anti-tecnologia se agitaram, a mídia ecoou fortemente o tema. Aparentemente a população não acreditou na declaração do Medical Research Council, já no mês seguinte à publicação, de que não havia evidência crível de associação. O "paper" de qualidade inferior, catastrofista, conquistou as atenções da população, com a ajuda da mídia e ONGs. Dezenas de milhares de pessoas na Europa pararam de vacinar seus filhos, o sarampo voltou a atacar, milhares adoeceram, com algumas mortes. São muitas histórias bem documentadas, como a rejeição da batata e do tomate pelos europeus por dois séculos, com argumentos idênticos aos empregados hoje pelos neo-ludistas que temem a tecnologia genética.
Mas a argumentação do Tuffani leva a algo importante que nós, da ciência, fazemos pouco: ser mais pró-ativos na disseminação de explicações claras e suficientemente penetrantes para que se resista melhor à propaganda enganosa que busca instilar medos e receios infundados. Creio que o blog GenPeace é um passo nesta direção.

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