Paulo Paes de Andrade, Depto. Genética/ UFPE (abril/2014)
Frequentemente nos deparamos com
críticas aos órgãos de avaliação de risco do Governo (ANVISA e CTNBio) quando
liberam o uso comercial de um agrotóxico ou de um transgênico. Entre os
argumentos empregados como elemento de crítica está o “Princípio da Precaução”,
que não seria seguido pela maioria dos membros que compõem estes órgãos. Outro
argumento frequentemente empregado é o de que o brasileiro está sendo
intoxicado de praguicidas e que a opinião pública pediria um controle muito
mais rígido, quiçá mesmo o banimento, dos agrotóxicos. De forma menos intensa e
com menos participação do público está a questão do uso das plantas transgênicas
e de alimentos formulados com elas.
Uma abordagem de precaução
depende não apenas de determinações legais, mas também da percepção do risco
por parte dos reguladores, dos legisladores e dos grupos de poder dentro da
sociedade. No texto a seguir, dividido em vários itens que serão
disponibilizados no protal em sucessão, discuto a forma complexa como o risco é
percebido e como esta percepção define políticas e ações em relação aos
transgênicos e aos agrotóxicos.
Do princípio da precaução, do risco e da percepção
do risco
Frequentemente
lemos e ouvimos que, em caso de dúvidas sobre o nível de um risco, devemos
evitar assumi-lo. Este seria o “princípio da precaução” intuitivo, que
empregamos no dia a dia e que refletiria a “aversão ao risco” que todos nós teríamos,
por natureza. Mas será que voluntariamente nunca corremos risco? Será que as
leis, decretos, normas, regulamentos, procedimentos operacionais e todo um
universo de instruções usam este princípio de precaução extremamente
restritivo?
O dia a dia
envolve riscos, que corremos voluntária ou involuntariamente. Qualquer
atividade, mesma a lúdica, envolve riscos: apreciar a natureza num belo jardim
pode significar ser atacado por insetos ou mordido por um cachorro bravo,
fugido da mão de um dono incauto. Ir e voltar ao trabalho, subir ao apartamento
de elevador, cortar bifes, tomar remédios, pegar um sol na praia, tudo tem
riscos. O uso de qualquer equipamento traz riscos também, mesmo o ubíquo
celular. E qualquer tecnologia tem riscos: a capina com enxada, o emprego de
tratores no campo, o parto de cócoras, as ondas de rádio, o ultrassom, os raios
X, a geração de imagens na televisão, a navegação por satélites, a exploração
de petróleo, a nano- e a biotecnologia, a antibioticoterapia, a vacinação, o
uso de lambedores e remédios da medicina tradicional, enfim, uma lista
infindável de atividades modernas e antigas. Até mesmo não fazer nada ou não
usar qualquer equipamento ou ferramenta também traz seus riscos... Onde fica,
então, o “princípio da precaução”, quando todas as atividades humanas e todos
os produtos trazem riscos embutidos?
Intuitivamente
entendemos que a precaução deve ser maior onde parece haver riscos que não
compreendemos bem ou que não conseguimos controlar. Esta é uma abordagem sábia,
indiscutivelmente. Entretanto, nunca estaremos inteiramente seguros do nível
dos riscos, mesmo para ações muito bem estudadas e para produtos longamente
avaliados: há sempre um nível de incerteza e aí entra em cena a percepção do risco. Esta percepção não
é derivada exclusivamente do conhecimento do produto ou da atividade, mas advém
de uma composição de temores que estão na cabeça de cada um de nós. Assim, a
percepção do risco é algo individual, que não acompanha necessariamente as
razões dadas pela experiência com o produto ou com a atividade acumulada pelos
demais cidadãos. Numa sociedade moderna, a comunicação
de risco tem um papel fundamental na formação da percepção de risco na
cabeça de cada um de nós e, para cada produto e atividade, há uma legião de
opositores que podem ter mais ou menos influência na formação da percepção de
risco no nível social, dependendo de seu controle sobre o agendamento da mídia.
Se a
percepção de um risco real é
complexa, muito mais complexa é a percepção de riscos não antecipados, isto é, de um potencial de riscos que não
puderam ser avaliados com o conhecimento que se dispõe sobre o produto ou a
atividade. No âmbito jurídico a falta de elementos de análise pode determinar
uma decisão que usa o “princípio da precaução” para redução de possíveis danos
advindos dos riscos não antecipados. No nível social, entretanto, as incertezas
e a falta de conhecimento são menos importantes do que a ideologia dos grupos de poder na determinação da percepção deste
tipo de risco. Para ser mais preciso, a ideologia molda a percepção de risco
dos grupos sociais e do indivíduo, enquanto elemento destes grupos,
independentemente do tipo de risco, isto é, se o risco é conhecido e mensurado
ou se há a possibilidade concreta de riscos não antecipados.
A forma
complexa como se plasma a percepção de risco leva a graves distorções entre
aquilo que é percebido como risco e aquilo que de fato representa riscos. A
figura abaixo ilustra bem este esta contradição, neste caso tomando como
exemplo a percepção pública norte-americana.
Figura 1:
Percepção de risco entre norte-americanos (círculos acima da linha) e seu real
risco (abaixo da linha). O diâmetro do círculo representa a magnitude do risco,
segundo a percepção e segundo a avaliação concreta.
Na postagem seguinte comento especificamente como os agrotóxicos se encaixam neste cenário.
Sem dúvida há risco para tudo; mas há também a possibilidade de evitá-los, estuda-los. Principalmente no lançamento de sementes transgênicas, onde, podem serem melhores estudadas, testadas, analisadas, antes de serem lançadas no mercado colocando em risco ao homem e o meio ambiente.
ResponderExcluirEsdras, você está certo em dizer que se deve estudar os riscos e procurar minimizá-los. A humanidade sempre fez isso e mesmo nós, individualmente, o fazemos, a menos que sejamos insensatos: sempre ponderamos os riscos, algumas vezes contrapondo aos benefícios, antes de tomar uma ação.
ResponderExcluirNo caso das sementes transgênicas, cada novo evento é longamente analisado pela CTNBio e também pelas suas agências congêneres em outras partes do Mundo. Não apenas os dados trazidos pela empresa, mas uma riqueza de conhecimentos na forma de artigos científicos, relatórios técnicos, visitas a campo e outras fontes de informação, são levados em consideração na avaliação de risco, que é essencialmente biológica. Seu objetivo é justamente avaliar os riscos e reduzir as incertezas. Restam riscos? No entendimento da CTNBio e das demais agências pelo Mundo afora, os riscos são negligenciáveis. Há incertezas? Poucas, e não estão diretamente ligadas a risco, mas sim à curiosidade científica (nem tudo que interessa à ciência é relevante à avaliação de risco).
A CTNBio tem acertado nas suas liberações? Aparentemente sim, uma vez que danos diretos dos OGM avaliados ao ambiente ou à saúde nunca foram demonstrados aqui nem em outras partes do globo. Podemos estar errados a longo prazo? Sim. É provável? Não, a probabilidade é muito remota. Porque? Porque as incertezas são poucas e os danos associados a elas também.
Observe que a CTNBio não pesa riscos contra benefícios. Sua função é apenas ver os problemas, não as virtudes. Quem vai avaliar a qualidade e utilidade dos produtos é o mercado e, de certa forma, a ANVISA e o MAPA antes dele.
Então, porque correr os riscos? Agora já não e mais a CTNBio que apita a partida, mas o mercado: porque os riscos parecem ser muito menores que os benefícios. Por isso a adoção de plantas transgênicas pelos agricultores subiu rapidamente e agora chega a quase 98% da soja, 85% do milho e 65% do algodão. Logo teremos muito feijão transgênico, assim como cana-de-açúcar, eucalipto, laranjas e maracujás. Desde que passem pelo crivo da CTNBio. Também já temos o Aedes aegypti transgênico, mas este não é para comer...
Boa Páscoa.
Parece que a Europa esta se tocando do perigo que representa essas sementes artificiais.
ResponderExcluirUma grande vitória da natureza que pode ser comemorada com vinho feito com uvas de verdade.
Eles estão preocupados com a contaminação que os transgênicos exercem na agricultura de verdade. Bem diferente dos EUA que se preocupa com o inverso.
A meta é restringir esse lixo aos EUA que já estão acostumados a se alimentarem com comida de mentira.
Viva viva
http://www.assisramalho.com.br/2014/04/na-italia-uma-decisao-historia.html?m=1
Uma entrevista de quem já esteve no covil dos lobos.
ResponderExcluirDe dar vergonha.
http://blogs.estadao.com.br/alimentos-organicos/o-davi-contra-o-golias-transgenico/