Informe
das Academias Nacionais de Agricultura, Medicina, Farmácia, Ciência,
Tecnologia e Medicina Veterinária sobre a recente publicação de G.E. Séralini
et al. sobre a toxicidade de OGM
As seis Academias tomaram
conhecimento em 19 de setembro de 2012,
ao mesmo tempo, que o público em geral, de um artigo publicado pela equipe de
Gilles-Eric Seralini na revista Food and
Chemical Toxicology segundo o qual um efeito carcinogênico e tóxico importante
em ratos resultaria do consumo de milho geneticamente modificado NK603 ou
exposição a doses baixas do herbicida Roundup, ao qual esta variedade de milho é
resistente.
Dada a mobilização da mídia em
torno desta questão e seu impacto sobre a opinião pública, as Academias
decidiram publicar um informe abordando os diferentes aspectos, sejam eles
científicos, sociais ou éticos, e propondo uma série de recomendações.
As Academias, entretanto, julgaram
desnecessário organizar internamente um parecer aprofundado abordando o artigo
de G.E. Séralini et al. pois este papel foi confiado a agências e instituições especializadas,
que têm todo o conhecimento necessário. Duas agências estrangeiras (Alemanha,
Austrália / Nova Zelândia), que já publicaram suas conclusões, assim como a
AESA - Europa (Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar), refutam as
interpretações dos resultados considerados duvidosos. A França vai se
pronunciar em breve através da análise da ANSES (Agência Nacional de Segurança
Alimentar, Ambiente e Trabalho) e o HCB (Conselho Superior de Biotecnologia - Haut
Conseil des Biotechnologies).
Mesmo antes de tomar conhecimento
destas duas opiniões técnicas, a experiência em pesquisa permite às Academias
questionar imediatamente aspectos científicos e éticos.
1º. - Aspectos Científicos
As seis Academias gostariam de
chamar a atenção para algumas falhas graves no artigo Séralini et al.
Estatística e Metodologia
Os experimentos em toxicidade
requerem o uso de um número de animais adequados ao objetivo para que tenham um
valor estatístico interpretável. No caso particular do estudo de G.E. Séralini,
com duração de dois anos, teria sido necessário empregar um número de animais
muito maior, como recomendado pelos guias, ou, se a decisão foi pelo uso de um
número restrito, da ordem de 200, como foi o caso aqui, considerar apenas um
pequeno número de grupos experimentais para procurar responder perguntas
específicas. O uso de 10 grupos de 10 animais e apenas um grupo de controle é
uma má escolha experimental.
As três principais questões abordadas
por Séralini foram: 1) o OGM estudado pode isoladamente ser tóxico ou tumorigênico?
2) O Roundup sozinho pode também ser tóxico ou tumorigênico? 3) Existe um
efeito específico da combinação dos dois produtos? Deve-se separar claramente a
questão dos OGM e as dos herbicidas, que biologicamente não guardam qualquer relação
uns com os outros. Este ponto é importante porque o alvoroço mediático foi
feito em torno do OGM. Para responder a essas três perguntas, o pesquisador
poderia ter escolhido constituir quatro grupos com um número maior de animais: OGM
apenas, Roundup apenas, OGM e Roundup combinados, grupo controle. A utilização
por Séralini de 10 grupos pequenos não permite responder às perguntas. De fato,
a análise estatística convencional dos resultados, tais como apresentados no
artigo, mostra que não há diferença significativa entre os grupos; em outras
palavras, não há mortalidade mais elevada nem efeito tumorigênico provado seja do
OGM, do Roundup ou de sua associação, ao contrário do que foi sugerido ao
público. A alegação de que os animais alimentados com milho geneticamente
modificado apresentam mais tumores mais do que aqueles que recebem o milho
convencional não tem valor estatístico. Esta constatação poderia, por si só,
suspender a análise de conteúdo deste artigo, que não permite estabelecer
qualquer toxicidade.
Tumorigênese
Note-se que nem a palavra
"câncer" nem a palavra "carcinogênico" aparecem no texto de
Séralini, nem no artigo do Nouvel Observateur; entretanto, a palavra usada, "tumor",
leva à confusão porque todos pensam em câncer e de fato é esta última palavra
que foi adotada na mídia.
A análise da longevidade e não da
mortalidade deixa a desejar por razões diretamente ligadas à metodologia
estatística. O fato de considerar qualquer morte que ocorra após a sobrevida
mediana como "natural" não é aceitável.
No que respeito à tumorigênese, a
escolha da linhagem de ratos Sprague-Dawley é particularmente infeliz. Esta linhagem
tem uma taxa elevada de tumores espontâneos, que mostra que existe uma predisposição
genética particular nesses ratos; além disso, a análise estatística deveria
estar baseada num número muito grande de ratos (o que não foi o caso dos
experimentos de Séralini ).
Ressaltamos aqui que a
carcinogenicidade do glifosato, o ingrediente ativo do Roundup, tem sido objeto
de muitos estudos não citados.
Outras observações
Várias outras restrições
científicas podem ser feitas:
- A composição de alimentos, com a
quantidade relativa de milho geneticamente modificado e de Roundup, bem como a
possível presença de substâncias contaminantes (resíduos de pesticidas,
aditivos, micotoxinas, etc ..), não são especificadas.
- Não existe uma relação dose /
efeito, o que é possível, mas incomum em toxicologia.
- A apresentação de métodos e
resultados é muito sucinta, quando havia todas as oportunidades a Séralini de dar
os detalhes no Apêndice colocado no site da revista. Isto teria sido
especialmente justificado dada a utilização mediática que foi feita do artigo. A
ausência desses detalhes faz com que seja impossível, sem informações
adicionais, a execução de estudos para repetir os resultados anunciados.
2º. - Consequências do
artigo sobre a sociedade
A orquestração da notoriedade de
um cientista ou de uma equipe é um erro grave quando ajuda a espalhar entre o
grande público temores gerais sem base em qualquer constatação feita. Qualquer
pesquisador pode ser considerar um arauto de informações importantes, mas é
necessário que as hipóteses formuladas não sejam, na ausência de resultados
validados e confirmados, apresentadas ou percebidas como prova prima suficiente para apelar ao princípio da precaução.
Portanto, é essencial que qualquer pesquisador seja sensível às consequências
potencialmente graves de ações destemperadas.
Não havendo informação suficiente,
a ação determina no consumidor um reforço do medo de OGMs, propagado por uma imprensa
"catastrofista". Isto é particularmente grave para as populações que
consomem grandes quantidades de OGM, como a África do Sul. Isso também é muito
prejudicial para outros países, pois tanto a utilização de OGM como a pesquisa
sobre eles podem ser questionadas.
3º. – Aspectos éticos
A mobilização espertamente orquestrada
na mídia sobre trabalhos sem qualquer conclusão sólida representa um grande
problema ético: primeiro para os próprios autores, que acharam oportuno
organizar uma operação de comunicação de grande escala em torno deste trabalho,
um processo que parece ser motivado mais pela ideologia do que pela qualidade
ou relevância dos dados obtidos; e segundo, para o jornal, que concordou em
publicar os dados que se mostram muito fracos em muitos aspectos, não apenas os
estatísticos.
Além do julgamento do mérito do
conteúdo do artigo mencionado acima, a forma de comunicação levanta muitas
questões, incluindo a saída simultânea de dois livros, um filme e um artigo
científico, com a exclusividade do conteúdo dada a um jornal semanal e uma
cláusula de confidencialidade para os jornalistas, válida até a conferência de
imprensa. Estas condições de distribuição para a imprensa, com a
impossibilidade de informar com antecedência e, portanto, nenhuma oportunidade
de comentar com conhecimento de causa, não são aceitáveis. A difusão do filme e
do livro imediatamente após o fim do estudo de toxicidade faz supor que os
resultados já eram conhecidos de antemão.
O artigo do Séralini foi recebido
pela revista em 11 de abril de 2012 (e, aparentemente, aceito sem modificação em 2 agosto de 2012). Dado o tempo necessário
para a conclusão do artigo, podemos supor que Séralini estava de posse de todos
os resultados do estudo no final de fevereiro de 2012 e já havia reunido dados
suficientes ao fim de 2011 para concluir, segundo sua visão, sobre "o
perigo extremo do evento NK603 e do Roundup ".
Se assumirmos que Séralini estava
convencido da qualidade do seu trabalho e da justeza das suas conclusões, era
seu dever alertar em 2011 as mais altas autoridades de saúde do país e chamar a
atenção para os perigos muito graves aos quais estaria exposta a população se
fizesse uso do milho GM NK603 ou do herbicida Roundup. Estas autoridades,
então, realizariam uma perícia e esta atitude poderia poupar um valioso tempo na
futura implementação de medidas para proteger os civis. A retenção de
informações é uma falta grave da parte de Séralini e de todos aqueles que
estavam cientes destes resultados.
Na comunicação dos resultados, os estudos
prévios de longo prazo que levam a conclusões opostas sobre a mesma questão
estão escondidos, mas um trabalho científico rigoroso requer, ao contrário, uma
discussão franca dos resultados obtidos à luz dos resultados anteriores
conhecidos.
Séralini continuamente acusa
cientistas de todos os quadrantes e de todas as origens de conflito de
interesse; é assim válido e relevante questionar a ausência de tais conflitos
de interesse para ele mesmo e para os que o cercam, quando se conhece bem seu
notório engajamento ecológico e os apoio financeiros que ele e seus pares receberam de grupos de distribuição de
alimentos cujo marketing se baseia justamente na ausência de OGM nos produtos oferecidos
aos seus clientes.
4º. - Questões relacionadas com a publicação do
artigo na revista Food and Chemical
Toxicology
Poder-se-ia argumentar que o valor
do artigo de Séralini foi atestado pela publicação em uma revista internacional
com revisão por pares. Nós todos sabemos que as melhores revistas publicam um
número, felizmente baixo, de artigos medíocres e até mesmo imprecisos. A
revista em questão, neste caso a Food and Chemical Toxicology, é de
boa qualidade. Levanta-se assim a questão de como um artigo tão fraco
cientificamente como este de Séralini et al. poderia ser aceito.
Consequentemente, essa aceitação
não é uma garantia de valor científico, um tipo de rótulo de qualidade. As
falhas unanimemente reconhecidas na concepção do trabalho são tais que é
bastante surpreendente que a revisão por pares de boa reputação científica tenha
aceitado a publicação.
Em qualquer caso, na ciência, uma
única publicação não prova um fato científico. É a opinião da comunidade
científica, i.e., dos pares, após a confirmação da publicação, e mais a
confirmação dos resultados em outros laboratórios e ainda sua integração em um
conjunto mais amplo de dados que lhes dá suporte, que permitirá avançar da
experiência ao fato científico.
Conclusões e Recomendações
Parece, à luz dos argumentos
acima, que o estardalhaço mediático e mesmo político, causado pela divulgação
dos resultados de Séralini não está baseado em resultados convincentes como
deveria ter sido para justificar a divulgação estrondosa que tiveram. Duas
responsabilidades são claras. Por um lado a revista científica que, como
dissemos, jamais deveria ter aceitado este artigo, o que é grave porque a avaliação
do artigo pela revista serve como uma avaliação inicial pelos pares. A segunda
responsabilidade é de G.E.Séralini, por ter orquestrado com antecedência a
divulgação explosiva na mídia de resultados questionáveis, que não trazem
sequer elementos inicias de uma prova.
Mesmo depois estas críticas, sem dúvida
é ainda oportuno trazer à baila a questão dos protocolos que deveriam ter sido
utilizados para detectar o potencial carcinogênico de produtos alimentícios. Três
meses (mais comumente usado) são suficientes ou não? A pergunta pode ser feita
em particular para pesticidas ou herbicidas. O problema não é simples, porque a
escala de tempo, em particular o tempo de vida, não é o mesmo em ratos e seres
humanos. Mas não é a publicação deste artigo que deve incentivar esta reflexão,
pois ele não contém qualquer evidência. É particularmente perigoso evocar uma
eventual necessidade de experimentos de longa duração como resposta a este
artigo, porque a impressão dada é que os resultados apresentados por G.E. Séralini
tem valor suficiente para justificar a preocupação pública, com todas as
consequências danosas que podem ter na França e no Mundo. É importante fazer
uma distinção clara entre a avaliação de risco à saúde associado com a ingestão
de um alimento, como o milho, e a avaliação de uma molécula ou de um produto ao
qual os seres humanos estão expostos em doses baixas ou muito dose baixas, como
o glifosato e o Roundup.
Em termos de saúde, é necessário,
em primeiro lugar e para tranquilizar a população, confirmar as declarações já
dadas sobre a baixa qualidade do artigo. As questões levantadas merecem ser
estudados por pesquisadores reconhecidos, sem supostos conflitos de interesse e
com financiamento público transparente.
A exploração midiática do artigo
de Séralini e seu impacto sobre a opinião pública foram ainda mais importantes
que seus resultados sobre a segurança de nossos alimentos, tema sobre o qual os
franceses são muito sensíveis. Os canais de televisão divulgaram amplamente imagens
chocantes que não fizeram mais do que bater nos telespectadores. Eles ajudaram assim
a alimentar temores totalmente irracionais na medida em que os resultados
apresentados não têm validade científica.
Para limitar tais abusos, as seis
Academias recomendam a criação junto ao Presidente do Conselho Superior de
Audiovisual de um "Comitê de Alto
Nível em Ciência e Tecnologia." A missão do Comitê seria a de chamar a
atenção do Presidente sobre a exploração midiática de trabalhos científicos que
colocam em dúvida o conhecimento compartilhado pela grande maioria dos membros
da comunidade científica sem que os responsáveis pelas cadeias de televisão ou
rádio tenham certeza prévia de sua validade. A difusão de que poderia ser mais
tarde uma "notícia falsa" indevida e profundamente influencia os franceses,
às vezes de forma irreversível. Este comitê, que no caso mais comum só poderia
funcionar a posteriori, deve ser
muito reativo, na medida em que os problemas que têm de ser analisados muitas
vezes exigem respostas rápidas.
Condeno o trabalho por insuficiência de base científica para sequer iniciá-lo. Um milho que recebeu, frente ao convencional, um gene Bt e que expressa um produto protéico extremamente bem caracterizado, não tóxico, sensível aos sucos digestivos, não gera qualquer suspeita razoável quanto à possibilidade de seu consumo como alimento encerrar possibilidade de carcinogênese. Esta suspeita descabida só pode originar de completo desconhecimento do enorme acervo de conhecimentos que temos sobre a gênese dos cânceres ou de uma posição política/ideológica, sem base factual, com a finalidade de condenar uma determinada teoria ou tecnologia como aconteceu historicamente com o sistema heliocêntrico, a vacinação, a pasteurização do leite, a fluoretação da água, o consumo de batatas por dois séculos na Europa após sua introdução, etc. Considero que os estudos habituais de toxicidade aguda e digestibilidade, associados ao conhecimento consolidado sobre a função e ubiquidade dos produtos gênicos na natureza e estudos estruturais e imunológicos in silico são suficientes para afastar suspeitas sobre riscos potenciais. E esses estudos indicaram ausência de risco. O parecer dos colegas indicados pela Presidência da CTNBiio assim como as manifestações que tenho lido, vindas da Alemanha, dos EUA, da União Européia, Portugal, e o recente repúdio de seis academias científicas da França, apontam as mesmas falhas no artigo de Seralini e col. A meu ver o artigo é nada mais que peça de propaganda enganosa anti-OGM por um grupo de ativistas que sabiam que o estudo seria condenado universalmente mas o impacto midiático seria persistente e benéfico para a agenda dos autores e seus interesses comerciais (dois livros e um filme, pelo menos). Esta agenda conta com o apoio poderoso do movimento ambientalista radical que é anti-ciência e anti-humanidade.
ResponderExcluirFrancisco G Nóbrega