sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Seis Academias científicas francesas desqualificam o trabalho com milho transgênico e ratos e condenam os desvios éticos do autor principal, G.E. Séralini, e da revista que o publicou


Informe das Academias Nacionais de Agricultura, Medicina, Farmácia, Ciência, Tecnologia e Medicina Veterinária sobre a recente publicação de G.E. Séralini et al. sobre a toxicidade de OGM


As seis Academias tomaram conhecimento em  19 de setembro de 2012, ao mesmo tempo, que o público em geral, de um artigo publicado pela equipe de Gilles-Eric Seralini na revista Food and Chemical Toxicology segundo o qual um efeito carcinogênico e tóxico importante em ratos resultaria do consumo de milho geneticamente modificado NK603 ou exposição a doses baixas do herbicida Roundup, ao qual esta variedade de milho é resistente.

Dada a mobilização da mídia em torno desta questão e seu impacto sobre a opinião pública, as Academias decidiram publicar um informe abordando os diferentes aspectos, sejam eles científicos, sociais ou éticos, e propondo uma série de recomendações.

As Academias, entretanto, julgaram desnecessário organizar internamente um parecer aprofundado abordando o artigo de G.E. Séralini et al. pois este papel foi confiado a agências e instituições especializadas, que têm todo o conhecimento necessário. Duas agências estrangeiras (Alemanha, Austrália / Nova Zelândia), que já publicaram suas conclusões, assim como a AESA - Europa (Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar), refutam as interpretações dos resultados considerados duvidosos. A França vai se pronunciar em breve através da análise da ANSES (Agência Nacional de Segurança Alimentar, Ambiente e Trabalho) e o HCB (Conselho Superior de Biotecnologia - Haut Conseil des Biotechnologies).

Mesmo antes de tomar conhecimento destas duas opiniões técnicas, a experiência em pesquisa permite às Academias questionar imediatamente aspectos científicos e éticos.


1º. - Aspectos Científicos


As seis Academias gostariam de chamar a atenção para algumas falhas graves no artigo Séralini et al.

Estatística e Metodologia

Os experimentos em toxicidade requerem o uso de um número de animais adequados ao objetivo para que tenham um valor estatístico interpretável. No caso particular do estudo de G.E. Séralini, com duração de dois anos, teria sido necessário empregar um número de animais muito maior, como recomendado pelos guias, ou, se a decisão foi pelo uso de um número restrito, da ordem de 200, como foi o caso aqui, considerar apenas um pequeno número de grupos experimentais para procurar responder perguntas específicas. O uso de 10 grupos de 10 animais e apenas um grupo de controle é uma má escolha experimental.

As três principais questões abordadas por Séralini foram: 1) o OGM estudado pode isoladamente ser tóxico ou tumorigênico? 2) O Roundup sozinho pode também ser tóxico ou tumorigênico? 3) Existe um efeito específico da combinação dos dois produtos? Deve-se separar claramente a questão dos OGM e as dos herbicidas, que biologicamente não guardam qualquer relação uns com os outros. Este ponto é importante porque o alvoroço mediático foi feito em torno do OGM. Para responder a essas três perguntas, o pesquisador poderia ter escolhido constituir quatro grupos com um número maior de animais: OGM apenas, Roundup apenas, OGM e Roundup combinados, grupo controle. A utilização por Séralini de 10 grupos pequenos não permite responder às perguntas. De fato, a análise estatística convencional dos resultados, tais como apresentados no artigo, mostra que não há diferença significativa entre os grupos; em outras palavras, não há mortalidade mais elevada nem efeito tumorigênico provado seja do OGM, do Roundup ou de sua associação, ao contrário do que foi sugerido ao público. A alegação de que os animais alimentados com milho geneticamente modificado apresentam mais tumores mais do que aqueles que recebem o milho convencional não tem valor estatístico. Esta constatação poderia, por si só, suspender a análise de conteúdo deste artigo, que não permite estabelecer qualquer toxicidade.

Tumorigênese

Note-se que nem a palavra "câncer" nem a palavra "carcinogênico" aparecem no texto de Séralini, nem no artigo do Nouvel Observateur; entretanto, a palavra usada, "tumor", leva à confusão porque todos pensam em câncer e de fato é esta última palavra que foi adotada na mídia.

A análise da longevidade e não da mortalidade deixa a desejar por razões diretamente ligadas à metodologia estatística. O fato de considerar qualquer morte que ocorra após a sobrevida mediana como "natural" não é aceitável.

No que respeito à tumorigênese, a escolha da linhagem de ratos Sprague-Dawley é particularmente infeliz. Esta linhagem tem uma taxa elevada de tumores espontâneos, que mostra que existe uma predisposição genética particular nesses ratos; além disso, a análise estatística deveria estar baseada num número muito grande de ratos (o que não foi o caso dos experimentos de Séralini ).
Ressaltamos aqui que a carcinogenicidade do glifosato, o ingrediente ativo do Roundup, tem sido objeto de muitos estudos não citados.

Outras observações

Várias outras restrições científicas podem ser feitas:

- A composição de alimentos, com a quantidade relativa de milho geneticamente modificado e de Roundup, bem como a possível presença de substâncias contaminantes (resíduos de pesticidas, aditivos, micotoxinas, etc ..), não são especificadas.
- Não existe uma relação dose / efeito, o que é possível, mas incomum em toxicologia.

- A apresentação de métodos e resultados é muito sucinta, quando havia todas as oportunidades a Séralini de dar os detalhes no Apêndice colocado no site da revista. Isto teria sido especialmente justificado dada a utilização mediática que foi feita do artigo. A ausência desses detalhes faz com que seja impossível, sem informações adicionais, a execução de estudos para repetir os resultados anunciados.

2º. - Consequências do artigo sobre a sociedade

A orquestração da notoriedade de um cientista ou de uma equipe é um erro grave quando ajuda a espalhar entre o grande público temores gerais sem base em qualquer constatação feita. Qualquer pesquisador pode ser considerar um arauto de informações importantes, mas é necessário que as hipóteses formuladas não sejam, na ausência de resultados validados e confirmados, apresentadas ou percebidas como prova prima suficiente para apelar ao princípio da precaução. Portanto, é essencial que qualquer pesquisador seja sensível às consequências potencialmente graves de ações destemperadas.

Não havendo informação suficiente, a ação determina no consumidor um reforço do medo de OGMs, propagado por uma imprensa "catastrofista". Isto é particularmente grave para as populações que consomem grandes quantidades de OGM, como a África do Sul. Isso também é muito prejudicial para outros países, pois tanto a utilização de OGM como a pesquisa sobre eles podem ser questionadas.



3º. – Aspectos éticos

A mobilização espertamente orquestrada na mídia sobre trabalhos sem qualquer conclusão sólida representa um grande problema ético: primeiro para os próprios autores, que acharam oportuno organizar uma operação de comunicação de grande escala em torno deste trabalho, um processo que parece ser motivado mais pela ideologia do que pela qualidade ou relevância dos dados obtidos; e segundo, para o jornal, que concordou em publicar os dados que se mostram muito fracos em muitos aspectos, não apenas os estatísticos.

Além do julgamento do mérito do conteúdo do artigo mencionado acima, a forma de comunicação levanta muitas questões, incluindo a saída simultânea de dois livros, um filme e um artigo científico, com a exclusividade do conteúdo dada a um jornal semanal e uma cláusula de confidencialidade para os jornalistas, válida até a conferência de imprensa. Estas condições de distribuição para a imprensa, com a impossibilidade de informar com antecedência e, portanto, nenhuma oportunidade de comentar com conhecimento de causa, não são aceitáveis. A difusão do filme e do livro imediatamente após o fim do estudo de toxicidade faz supor que os resultados já eram conhecidos de antemão.

O artigo do Séralini foi recebido pela revista em 11 de abril de 2012 (e, aparentemente, aceito sem modificação em  2 agosto de 2012). Dado o tempo necessário para a conclusão do artigo, podemos supor que Séralini estava de posse de todos os resultados do estudo no final de fevereiro de 2012 e já havia reunido dados suficientes ao fim de 2011 para concluir, segundo sua visão, sobre "o perigo extremo do evento NK603 e do Roundup ".

Se assumirmos que Séralini estava convencido da qualidade do seu trabalho e da justeza das suas conclusões, era seu dever alertar em 2011 as mais altas autoridades de saúde do país e chamar a atenção para os perigos muito graves aos quais estaria exposta a população se fizesse uso do milho GM NK603 ou do herbicida Roundup. Estas autoridades, então, realizariam uma perícia e esta atitude poderia poupar um valioso tempo na futura implementação de medidas para proteger os civis. A retenção de informações é uma falta grave da parte de Séralini e de todos aqueles que estavam cientes destes resultados.

Na comunicação dos resultados, os estudos prévios de longo prazo que levam a conclusões opostas sobre a mesma questão estão escondidos, mas um trabalho científico rigoroso requer, ao contrário, uma discussão franca dos resultados obtidos à luz dos resultados anteriores conhecidos.

Séralini continuamente acusa cientistas de todos os quadrantes e de todas as origens de conflito de interesse; é assim válido e relevante questionar a ausência de tais conflitos de interesse para ele mesmo e para os que o cercam, quando se conhece bem seu notório engajamento ecológico e os apoio financeiros que ele e seus pares  receberam de grupos de distribuição de alimentos cujo marketing se baseia justamente na ausência de OGM nos produtos oferecidos aos seus clientes.



4º.  - Questões relacionadas com a publicação do artigo na revista Food and Chemical Toxicology

Poder-se-ia argumentar que o valor do artigo de Séralini foi atestado pela publicação em uma revista internacional com revisão por pares. Nós todos sabemos que as melhores revistas publicam um número, felizmente baixo, de artigos medíocres e até mesmo imprecisos. A revista em questão, neste caso a Food and Chemical Toxicology, é de boa qualidade. Levanta-se assim a questão de como um artigo tão fraco cientificamente como este de Séralini et al. poderia ser aceito.

Consequentemente, essa aceitação não é uma garantia de valor científico, um tipo de rótulo de qualidade. As falhas unanimemente reconhecidas na concepção do trabalho são tais que é bastante surpreendente que a revisão por pares de boa reputação científica tenha aceitado a publicação.

Em qualquer caso, na ciência, uma única publicação não prova um fato científico. É a opinião da comunidade científica, i.e., dos pares, após a confirmação da publicação, e mais a confirmação dos resultados em outros laboratórios e ainda sua integração em um conjunto mais amplo de dados que lhes dá suporte, que permitirá avançar da experiência ao fato científico.



Conclusões e Recomendações

Parece, à luz dos argumentos acima, que o estardalhaço mediático e mesmo político, causado pela divulgação dos resultados de Séralini não está baseado em resultados convincentes como deveria ter sido para justificar a divulgação estrondosa que tiveram. Duas responsabilidades são claras. Por um lado a revista científica que, como dissemos, jamais deveria ter aceitado este artigo, o que é grave porque a avaliação do artigo pela revista serve como uma avaliação inicial pelos pares. A segunda responsabilidade é de G.E.Séralini, por ter orquestrado com antecedência a divulgação explosiva na mídia de resultados questionáveis, que não trazem sequer elementos inicias de uma prova.

Mesmo depois estas críticas, sem dúvida é ainda oportuno trazer à baila a questão dos protocolos que deveriam ter sido utilizados para detectar o potencial carcinogênico de produtos alimentícios. Três meses (mais comumente usado) são suficientes ou não? A pergunta pode ser feita em particular para pesticidas ou herbicidas. O problema não é simples, porque a escala de tempo, em particular o tempo de vida, não é o mesmo em ratos e seres humanos. Mas não é a publicação deste artigo que deve incentivar esta reflexão, pois ele não contém qualquer evidência. É particularmente perigoso evocar uma eventual necessidade de experimentos de longa duração como resposta a este artigo, porque a impressão dada é que os resultados apresentados por G.E. Séralini tem valor suficiente para justificar a preocupação pública, com todas as consequências danosas que podem ter na França e no Mundo. É importante fazer uma distinção clara entre a avaliação de risco à saúde associado com a ingestão de um alimento, como o milho, e a avaliação de uma molécula ou de um produto ao qual os seres humanos estão expostos em doses baixas ou muito dose baixas, como o glifosato e o Roundup.

Em termos de saúde, é necessário, em primeiro lugar e para tranquilizar a população, confirmar as declarações já dadas sobre a baixa qualidade do artigo. As questões levantadas merecem ser estudados por pesquisadores reconhecidos, sem supostos conflitos de interesse e com financiamento público transparente.

A exploração midiática do artigo de Séralini e seu impacto sobre a opinião pública foram ainda mais importantes que seus resultados sobre a segurança de nossos alimentos, tema sobre o qual os franceses são muito sensíveis. Os canais de televisão divulgaram amplamente imagens chocantes que não fizeram mais do que bater nos telespectadores. Eles ajudaram assim a alimentar temores totalmente irracionais na medida em que os resultados apresentados não têm validade científica.

Para limitar tais abusos, as seis Academias recomendam a criação junto ao Presidente do Conselho Superior de Audiovisual  de um "Comitê de Alto Nível em Ciência e Tecnologia." A missão do Comitê seria a de chamar a atenção do Presidente sobre a exploração midiática de trabalhos científicos que colocam em dúvida o conhecimento compartilhado pela grande maioria dos membros da comunidade científica sem que os responsáveis pelas cadeias de televisão ou rádio tenham certeza prévia de sua validade. A difusão de que poderia ser mais tarde uma "notícia falsa" indevida e profundamente influencia os franceses, às vezes de forma irreversível. Este comitê, que no caso mais comum só poderia funcionar a posteriori, deve ser muito reativo, na medida em que os problemas que têm de ser analisados muitas vezes exigem respostas rápidas.

Um comentário:

  1. Condeno o trabalho por insuficiência de base científica para sequer iniciá-lo. Um milho que recebeu, frente ao convencional, um gene Bt e que expressa um produto protéico extremamente bem caracterizado, não tóxico, sensível aos sucos digestivos, não gera qualquer suspeita razoável quanto à possibilidade de seu consumo como alimento encerrar possibilidade de carcinogênese. Esta suspeita descabida só pode originar de completo desconhecimento do enorme acervo de conhecimentos que temos sobre a gênese dos cânceres ou de uma posição política/ideológica, sem base factual, com a finalidade de condenar uma determinada teoria ou tecnologia como aconteceu historicamente com o sistema heliocêntrico, a vacinação, a pasteurização do leite, a fluoretação da água, o consumo de batatas por dois séculos na Europa após sua introdução, etc. Considero que os estudos habituais de toxicidade aguda e digestibilidade, associados ao conhecimento consolidado sobre a função e ubiquidade dos produtos gênicos na natureza e estudos estruturais e imunológicos in silico são suficientes para afastar suspeitas sobre riscos potenciais. E esses estudos indicaram ausência de risco. O parecer dos colegas indicados pela Presidência da CTNBiio assim como as manifestações que tenho lido, vindas da Alemanha, dos EUA, da União Européia, Portugal, e o recente repúdio de seis academias científicas da França, apontam as mesmas falhas no artigo de Seralini e col. A meu ver o artigo é nada mais que peça de propaganda enganosa anti-OGM por um grupo de ativistas que sabiam que o estudo seria condenado universalmente mas o impacto midiático seria persistente e benéfico para a agenda dos autores e seus interesses comerciais (dois livros e um filme, pelo menos). Esta agenda conta com o apoio poderoso do movimento ambientalista radical que é anti-ciência e anti-humanidade.

    Francisco G Nóbrega

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