sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Transgênicos, Princípio da precaução, segurança alimentar e proteção de sementes

Caro Carlos



No seu comentário há vários assuntos pertinentes à discussão sobre os transgênicos e que muitas vezes aparecem em pauta. Mas nem todos eles têm ligação com o tema da postagem, que é a qualidade do trabalho mais recente do Séralini e seu grupo e a pertinência das conclusões a que chegam. Entretanto, vou procurar comentar todos os seus pontos de vista, uma vez que são preocupações frequentes tanto dos brasileiros como de outros povos.

1)      No mundo não está se aplicando o IMPORTANTÍSSIMO Principio da Precaução, só alguns países o aplicam e justamente são os que não permitem os OGM .
A abordagem da precaução é, no Brasil, incorporada por lei à avaliação de risco que deve ser feita pela CTNBio. Isso porque, como somos signatários do Protocolo de Cartagena, temos que nos pautar por esta abordagem. Os textos da lei 11.105 e de seu decreto incorporaram isso e explicitamente falam da abordagem de precaução.  Da mesma forma que o Brasil, os muitos signatários do Protocolo de Cartagena são obrigados a incorporar a abordagem de precaução nas suas leis regulando os transgênicos.  Por tanto, ao menos do ponto de vista legal e por tratados internacionais, centenas de países aplicam o “princípio da precaução” nas suas avaliações de risco.
O que pode acontecer é que um setor da sociedade não concorde com a forma como a avaliação de risco é levada a cabo pela CTNBio e que defenda mais dados antes da tomada de decisão de liberar comercialmente um transgênico. A argumentação aqui é mais difícil, porque é essencialmente técnica. De forma muito resumida, a decisão na CTNBio é feita com base nas evidências existentes de níveis de exposição a um perigo real (probabilidade de exposição ao risco) e consequências desta exposição (nível do dano). Este binômio, para cada perigo (ou risco) real encontrado, determina o nível de risco, que pode ser insignificante, pequeno, médio ou alto. A soma de todos os riscos é que vai criar o cenário técnico a partir do qual se toma a decisão. A diferença entre a forma de calcular este risco na CTNBio e entre outros grupos da sociedade brasileira é que na Comissão há uma forma estruturada de proceder e uma prática de muitos anos na identificação de perigos e na determinação daqueles que são imaginários e os que são reais. Este processo, chamado avaliação de risco, já é antigo, mas para transgênicos ele vem amadurecendo bastante nos últimos 10 anos (para um recente guia sobre este assunto sugiro consultar http://genpeace.blogspot.com.br/2012/09/guia-de-avaliacao-de-riscos-ambientais.html). Mesmo assim, a sistemática de avaliação de riscos não difere muito da usada pela indústria farmacêutica, de alimentos ou de aviões. No final da avaliação a CTNBio chega a conclusões sobre riscos, em comparação com a variedade de organismo não transgênica mais próxima. Não é necessário que não haja riscos para que uma liberação comercial seja autorizada, apenas que estes riscos sejam muito pequenos e que os eventuais danos possam ser mitigados, caso algum risco se concretize. Até agora, a maioria da Comissão entendeu que os riscos identificados foram insignificantes. Não creio que tenha havido erro de avaliação, porque não há relatos no Brasil de danos à saúde humana ou animal ou ainda ao meio ambiente que possam ser atribuídos especificamente aos transgênicos (em comparação com o mesmo produto não transgênico). Portanto, a CTNBio tem aplicado a abordagem de precaução de forma sensata, reduzindo riscos sem impedir a adoção da tecnologia.

b) Vemos que está se banalizando a segurança de alimentos de consumo humano e animal e dando MAIOR importância ao lucro.
O público em geral imagina que as indústrias procuram sempre burlar a lei e botar no mercado o seu produto, mesmo que seja perigoso. Isso também seria válido para a indústria de alimentos, que não teria qualquer preocupação com seu público, apenas com o lucro. Nada pode ser mais falso: a indústria vive dos seus consumidores, é duramente fiscalizada por vários órgãos e seus produtos monitorados pela sociedade civil. Qualquer deslize na qualidade do produto vai-se traduzir, fatalmente, em queda de vendas. E, a longo prazo, em perda de mercado. Entretanto, as indústrias dependem de matéria prima ofertada a preços competitivos dentro do país.  Então vamos à argumentação abaixo.
Chegando mais perto dos produtos alimentícios que contém derivados de plantas transgênicas, exemplifico com aqueles que são feitos de milho. Há um grande número de salgadinhos, muito consumidos por todas as faixas de idade e todas as classes sociais, que é feito de milho. Ora, as indústrias agora têm que se defrontar com o fato que mais de 80% do milho disponível é transgênico (um dos vários eventos aprovados para plantio e consumo nos últimos 5 anos). Ficaria tremendamente caro comprar milho não transgênico, porque a cadeia produtiva do milho é muito complexa e a separação efetiva de grãos muito difícil. Como as avaliações de risco da CTNBio (e da própria empresa compradora de milho, pode ter certeza disso) apontaram a ausência de riscos à saúde humana ou animal, então as indústrias usam o milho transgênico. Algumas já mostram claramente o pequeno T amarelo e indicam no pacote que o produto é feito com milho geneticamente modificado, como manda a lei (veja os salgadinhos da Pepsi-Cola). Não há qualquer desrespeito à lei e nem a indústria quer botar um produto de má qualidade na boca do brasileiro: o produto tem a mesma qualidade do anterior, feito de milho não transgênico, ao menos na opinião da CTNBio que, por lei, deve fazer esta análise de risco, da ANVISA, que fiscaliza o alimento e, provavelmente, da própria empresa. Não foi, neste caso, o lucro que determinou a adoção do milho transgênico,  mas a disponibilidade de grão de milho no mercado a preço competitivo.
Em conclusão, eu acho que os alimentos industrializados de hoje são mais seguros que os alimentos industrializados de 10 anos atrás (temos mais fiscalização, mais consciência social e mais responsabilidade corporativa)  e também acho que o uso de derivados de transgênicos nas formulações nem muda sua qualidade, nem é motivado pela ganância.

c) É incrível ver que as grandes corporações como a Monsanto baseiam a segurança dos seus produtos GM em estudos a curto prazo e pior ainda, estudos feitos pela mesma corporação, engraçado... "o padeiro nunca vai falar mal dos seus pães", né?
Para poder discutir este ponto, é preciso entender como um produto chega ao mercado, seja ele uma soja transgênica ou um brinquedo de plástico.  No planejamento do novo produto, ainda nos laboratórios da indústria, os riscos já começam a ser avaliados. No caso de plantas transgênicas, etapas de estudo a campo são importantes, e são feitas tanto no país que desenvolveu o produto como no que vai produzi-lo. Neste caso também estes estudos a campo no Brasil (chamados liberações planejadas) são previamente aprovados e em seguida acompanhados pela CTNBio e fiscalizados pelo Ministério da Agricultura. Por fim, os resultados de experimentos de avaliação de risco, com todos os detalhes experimentais, mais todos os trabalhos publicados sobre o assunto, mais todos os relatórios de avaliação de risco feitos por agências oficiais de outros países, mais todos os resultados de liberações planejadas, mais tudo o mais que a CTNBio exigir, formarão o corpo de evidências para que a indústria pleiteie a liberação de seu produto. Portanto, não é só a opinião do padeiro que está em jogo, mas a do consumidor, que é quem entende mesmo do gosto do pão...

d) Sempre costumo escutar: "Não se comprovou que os OGM fazem mal para a saúde, por consequência o seu consumo foi liberado...", me pergunto... já se comprovou que fazem bem???? Esse tipo de estudo é o que nos deveria interessar, quero CERTEZAS e não INCERTEZAS!
Você está certo quanto a sua preocupação do uso da prova negativa. Quantos experimentos deveremos fazer para provar que um produto é seguro antes de liberá-lo?  E, no caso dos alimentos, como provar que ele é tão bom ou melhor (nunca pior) do que o antigo?  A primeira pergunta eu deixo para mais adiante, porque ela está mais ligada ao contexto da minha postagem original. Para a segunda pergunta a resposta é simples: todas as avaliações agronômicas e todas as avaliações composicionais mostram que as plantas transgênicas até agora aprovadas pela CTNBio são idênticas às suas equivalentes não transgênicas, sendo as mínimas diferenças sempre dentro da faixa natural de variação observada na planta. Assim, um milho transgênico se comporta, parece, cheira e tem gosto igualzinho ao não transgênico. Se o que ele tem diferente (a proteína transgênica ou, no caso do feijão transgênico, um micro RNA) não faz mal (veremos isso mais adiante, mas posso adiantar que esta é uma CERTEZA que temos), todos os outros dados indicam que ele é idêntico ao milho comum, portanto faz tão bem (ou tão mal) quanto o milho comum, e esta é a outra CERTEZA. E não há sentido algum em avaliar potencial nutricional diferencial num caso destes, já que o produto é composicionalmente idêntico ao seu equivalente não GM.


e) O problema com os OGM e a Monsanto não se limita só aos problemas de saúde, não, também em deixar que só um grupo de pessoas manipulem os alimentos da humanidade, que só esse grupinho decida que podemos ou não podemos comer.
Sementes não se patenteiam, não é só de um grupinho, é do planeta, da humanidade e dos que vem!
 
De fato, a propriedade industrial sobre sementes soa muito esquisita. Mas ela não é exclusividade dos transgênicos: muito antes deles as sementes híbridas já eram protegidas por lei e mesmo as variedades também o são, sejam transgênicas ou não. Isso garante ao agricultor uma tecnologia de ponta e uma semente de qualidade. Naturalmente, NENHUM agricultor é obrigado a comprar esta ou aquela semente, nem sequer comprar semente alguma. Desde que seja uma variedade não protegida, ele pode propagar a sua semente à vontade e plantar quanto quiser, vendendo os grãos sem pagar royalties a ninguém. Então, porque a maioria está plantando milho, soja e algodão transgênico, se não são obrigados a isso?  A situação tem muitos paralelos com a compra de um celular. Porque o consumidor compra uma marca famosa em vez de comprar um genérico muito mais barato ou mesmo os componentes e montar seu celular? Porque, pagando a diferença de preços que inclui os royaties, ele recebe um produto de qualidade que vai ter o desempenho desejado. Se ele não quiser um top de linha, pode comprar uma segunda ou terceira opção, mas desde que seja algo protegido por lei, terá a qualidade e o desempenho esperados. Se ele quiser comprar um genérico contrabandeado ou fazer seu próprio aparelho, deverá estar preparado para arcar com eventuais prejuízos. A atividade agrícola tem fortes paralelos com isso. A decisão de comprar híbridos simples ou duplos, variedades, convencional ou transgênico, ou não comprar nada e propagar sua própria semente, é EXCLUSIVAMENTE do agricultor.
Para finalizar, é preciso entender três coisas:
1.       A variedade de plantas é conservada, em cada país, em bancos de germoplasma, Há também bancos internacionais. São públicos, toda a humanidade se beneficia disso.
2.       Os agricultores, quando usam sementes crioulas (variedades locais), também podem ajudar no desenvolvimento de novas variedades, mas acontece também de julgarem que não valem mais a pena e abandoná-las, ou mudarem de país, ou abandonarem a profissão, ou morrerem sem deixar seguidores.
3.       As variedades transgênicas têm via curta. Como os celulares, a cada poucos anos devem ser trocadas, porque há outras melhores no mercado. Nisso não são nem um pouco diferentes dos híbridos e variedades não transgênicas, apenas a dinâmica dos transgênicos talvez seja um pouco mais rápida.
Por isso, você não deve se preocupar com o fato de uma empresa a,b ou c ter uma grande fatia do mercado. O conhecimento sobre sementes e as inúmeras variedade estão muito bem conservados fora do mercado intenso, competitivo, algumas vezes predatório.  E ainda resta ao agricultor dar as costas aos transgênicos e seguir plantado híbridos e variedades convencionais ou suas próprias sementes, se assim desejar.  Não posso perder  a oportunidade de – mais uma vez – lembrar que o agricultor precisa ter lucro, a não ser que seja fortemente subsidiado pelo país ou por alguma organização (como acontece na Europa, por eemplo). Essa necessidade do agricultor ter lucro é tão certa quanto a da Monsanto ter lucro. Na compra de sementes transgênicas a chance de toda a cadeia produtiva ter lucro é maior. E isso pesa, e muito, na escolha dos transgênicos. A existência de monopólios não é desejável, mas eles existem nos transgênicos em parte devido ao altíssimo custo da aprovação de um OGM. O leitor devia pensar nisso.

Para finalizar, gostaria de indicar a leitura de várias postagens sobre o artigo que fala de tumores de ratos provocados supostamente pelo milho transgênico tolerante ao herbicida glifosato. Lá você vai ver que a consistência do artigo é gasosa...
http://genpeace.blogspot.com.br/2012/09/artigo-que-mostra-o-surgimento-de.html
http://genpeace.blogspot.com.br/2012/09/artigo-sobre-efeito-de-milho.html
http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/pesquisadores-brasileiros-assinam.html
http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/the-largest-experiment-with-human.html

Cordialmente
Paulo Andrade
Responsável pelo blog

3 comentários:

  1. TRANSGÊNICOS NÃO!!!!!!!
    AS PESSOAS DEVEM ENTENDER QUE AS SEMENTES SÃO DA HUMANIDADE E NÃO DA MONSANTO!!!!

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  2. Resposta ao Carlos.
    No item e) acima eu procurei explicar (talvez tenha falhado) que a proteção (patenteamento) de sementes é antiga e não tem nada a ver com a Monsanto, que nem fazia sementes quando isso tudo começo. Sugiro a releitura deste item e de outros textos que explicam como funciona a proteção de sementes e cultivares no Brasil (função do Ministério da Agricultura).

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  3. Carlos, nem sempre o site do blogger adiciona os comentários, eu recebo no meu e-mail, mas eles não aparecem na página online, não sei porque.
    Se você qiser discutir em detalhes os assuntos acima, sinta-se à vontade para escrever diretamente para mim: andrade@ufpe.br

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