quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Requerimento da sociedade civil pedindo suspensão de milho transgênico perde o sentido frente aos desmentidos sobre efeitos cancerígenos em ratos

Em requerimento datado de 01 de outubro de 2012 e encaminhado à Ministra-Chefe da Casa Civil e Presidente do Conselho Nacional de Biossegurança, ao Ministro – Chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, ao Sub-Procurador Geral da República e Coordenador da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural Brasileiro, ao Diretor-Presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, ao Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, à Presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e ao Presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, várias organizações da sociedade civil e movimentos  sociais pedem que seja refeita a avaliação de risco do milho modificado  geneticamente  NK603  e concedida a suspensão da liberação comercial deste evento, e demais piramidados que possuam esta tecnologia   em  sua  formulação,   até  que  resultados   de  pesquisas   independentes confirmem sua segurança alimentar e nutricional.

O requerimento está respaldado pelo Artigo 14 da lei 11.105 (lei de Biossegurança), que diz caber à CTNBio:

XXI reavaliar suas decisões técnicas por solicitação de seus membros ou por recurso dos órgãos e entidades de registro e fiscalização, fundamentado em fatos ou conhecimentos científicos novos, que sejam relevantes quanto à biossegurança do OGM ou derivado, na forma desta Lei e seu regulamento;

Desta forma, caberia aos órgãos de registro e fiscalização do MAPA, do MMA, do Ministério da Saúde e do Ministério da Pesca encaminhar este requerimento à CTNBio ou, alternativamente, a um ou mais de seus membros. Na CTNBio discutiu-se, na reunião de outubro de 2012 (a primeira depois da publicação online do trabalho de Séralini e cols.), a qualidade do artigo do grupo francês, havendo um parecer de membros e consultores ad hoc contrário às conclusões do artigo, que deve ser encaminhado às autoridades pertinentes. Não foi aventada a possibilidade de se proceder a uma nova avaliação de risco do evento NK603 nem dos eventos piramidados que o contenham.

Compreende-se, portanto, que algumas organizações sociais tenham vindo a público solicitar que os órgãos de registro e fiscalização peçam à CTNBio a reavaliação do risco do evento para a saúde humana e animal e para o meio ambiente. Isso foi feito. Entretanto, as organizações também solicitaram a imediata suspensão da comercialização do evento e seus piramidados, sem deixar claro a quem se dirige esta solicitação. Ora, ela deveria ter sido dirigida também à CTNBio, como claramente indica a lei. Assim como foi feito, o pedido vaza para as demais instâncias e compromete a legalidade da tomada de decisões.

Também se compreende a urgência no requerimento, uma vez que danos graves à saúde haviam sido descritos pelo grupo francês, advindos do consumo deste milho transgênico por ratos. Assumindo que um artigo científico publicado em revista de circulação internacional, de corpo editorial rígido e revisão por pares deve ser verdadeiro, sem dúvida justifica-se, mas apenas em princípio, o requerimento e sua urgência. E porque esta ressalva? Porque o aceite de um trabalho por uma revista séria não é um carimbo de sua qualidade. E porque a experiência só se transforma em fato se confirmada e se incorporada à linha mestra de pensamento cientifico. No caso do artigo em pauta, isso jamais acontecerá, como explicado mais abaixo. Com isso, o requerimento perde a razão de ser e deve ser arquivado pelos destinatários.

Cumpre ressaltar que há várias imprecisões e afirmações não apoiadas em fatos no requerimento das entidades. Uma das mais sérias é a afirmação de que “como todas as liberações comerciais de organismos geneticamente modificados no Brasil, os estudos que embasaram a autorização do plantio, comercialização e consumo deste transgênico se basearam em pesquisas efetuadas a curto prazo, e estudos não publicados elaborados pela própria empresa proponente”. A afirmação é duplamente falsa e tem como objetivo lançar dúvidas quanto à qualidade da avaliação de risco específica feita para o evento NK603 em pauta.

Primeiramente, é preciso saber que, de fato, a empresa proponente envia todos os estudos de biossegurança exigidos pela CTNBio e ainda outros, feitos no Brasil e em outros países, que possam aportar dados à avaliação de risco. Mas tmbém é preciso estar bem consciente de que a CTNBio se serve sobretudo da farta informação publicada em periódicos internacionais e nos pareceres de outras agências governamentais de avaliação de risco. Quanto aos pareceres favoráveis à liberação deste evento, apoiados por cuidadosas avaliações de risco conduzidas em muitos países, a tabela abaixo resumo o quadro atual. Dos 15 países que aprovaram o evento, 13 o fizeram antes do Brasil. Portanto, ao emitir seu próprio parecer, a CTNBio estava respaldada na análise de mais de uma dezena de agências especializadas em risco de OGM, e não apenas na informação da proponente, como erroneamente afirmado no requerimento das entidades da sociedade civil. Esta afirmação inteiramente falsa é sistematicamente divulgada por canais diversos na internet.

Tabela I: Países onde o evento NK603 foi aprovado, datas de aprovação e uso proposto.

País
Plantio
Alimento ou ração
Alimento
Ração

África do Sul
2002
2002

2004
2004

2002

2008
2008

2001
2001
2001

2005

2004

2002
2004

2009

2000
2000

2005
2003

2001
2001
2001

2002

2003

União Europeia
2004
2004

2011
2011


Em segundo lugar, cumpre esclarecer que o conhecimento acumulado no nível mundial sobre a segurança alimentar da proteína EPSPS (expressa no evento NK603) é enorme, proveniente de trabalhos independentes conduzidos por pesquisadores em inúmeros países. Da mesma forma, foram feitos experimentos de curto e longo prazo com animais (para os de longo prazo veja-se Snell et al., 2012 -http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0278691511006399), mostrando que não houve qualquer efeito deletério na saúde de ratos, camundongos, coelhos, vacas, etc. Boa parte destes estudos já estava disponível ao tempo da decisão da CTNBio para a liberação comercial do evento NK603, em 2008.

Assim, o parecer da CTNBio apoiou-se na melhor ciência e nos pareceres anteriores de outras agências de avaliação de risco de OGM, além dos resultados experimentais encaminhados pela proponente (com farta documentação comprobatória e, em muito casos, com inspeção in loco pelo MAPA e até mesmo pela CTNBio).

No item 2 do requerimento as entidades trazem, como única evidência de dano causada pelo milho NK603, o artigo científico de Séralini e cols., publicado em meados de setembro e imensamente alardeado pela mídia desde o dia de seu lançamento (por iniciativa do seu autor principal). É compreensível que as entidades civis signatárias do requerimento tenham se preocupado com os resultados deste experimento, uma vez que foi publicado numa revista de corpo editorial rígido. Também é compreensível que não tenham chegado à conclusão de que o trabalho publicado não se sustentava e que era de péssima qualidade porque:
a)      A polêmica na mídia trazia opiniões favoráveis ao artigo, assim com críticas desfavoráveis;
b)      As entidades signatárias não são especialistas em avaliação de risco nem em toxicologia.

Desta forma, e considerando que o requerimento foi encaminhado aos destinatários no início de outubro, quando as manifestações de órgãos e agências oficiais de risco, academias e outras instâncias cientificas ainda eram escassas, está inteiramente justificado o procedimento, sobretudo respaldado na abordagem da precaução.

Entretanto, nas últimas duas semanas ficou claro que o trabalho citado no documento das entidades como única peça de evidência para indicar insegurança alimentar do evento e apoiar todos os requerimentos é, de fato, um exemplo completo de trabalho mal conduzido, que não permite concluir sobre a segurança alimentar do milho transgênico em pauta. No nível europeu quase uma dezena de instituições nacionais ou regionais (agências de avaliação de risco e a própria EFSA) desacreditaram inteiramente o artigo. Finalmente, também a França de posicionou, tanto através de seis academias de ciência como, logo depois, através do ANSES e do Alto Conselho de Biotecnologias (equivalentes aproximadamente à CTNBio e ao CNBS). O proprio Governo da França comunicou, encerrando a polêmica, que não irá suspender a autorização para uso comercial do produto (importação e consumo). Cientistas brasileiros já tinham também trazido luz a esta questão.

Não cabe aqui uma discussão detalhada das falhas experimentais gravíssimas, tanto no desenho como na condução, embutidas neste trabalho de Séralini. Consideramos que ele não se sustenta nem traz qualquer informação, por mínima que seja, que permita colocar em discussão a segurança deste evento. Levando isso em conta, o requerimento perde a razão de ser.

Por fim, cabe ressaltar que a CTNBio acompanha de perto os relatos sobre eventuais danos à saúde humana ou animal ou ao meio ambiente atribuídos aos OGMs e avalia sua qualidade, de forma independente e científica. Também avalia as demonstrações novas, diretas ou indiretas, da segurança dos produtos GM liberados no Brasil.

Como demonstração clara da segurança deste evento, sugerimos a leitura do texto que mostra o consumo seguro de alimentos formulados com este evento pelo Mundo afora, sem relatos de tumores ou outro problema de saúde qualquer, em homens ou nos animais de criação e companhia (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/the-largest-experiment-with-human.html). 

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