O Dr. Drauzio Varella sempre se pautou pelo rigor científico em suas inúmeras apresentações na TV ou no rádio. Com rara coragem ele defende pontos de vista delicados, educando com a autoridade de médico, cancerologista, divulgador da ciência médica, batalhador da saúde pública nos ambientes mais precários, autor premiado de muitos livros. Quem não leu Carandiru, ou assistiu o filme?
Recentemente dedicou um artigo aos organismos transgênicos:"Reflexões transgênicas" (http://drauziovarella.com.br/wiki-saude/reflexoes-transgenicas/). Eu me considero "do ramo" após acompanhar a tecnologia (desde os anos 70) e a polêmica (desde 2004) além de participar da CTNBio desde 2007. Portanto parabenizo, com alguma autoridade, o Dr. Drauzio, pela excelência do texto que discute a tecnologia com a percepção do estudioso que sabe o valor da ciência para o bem estar humano.
Gostaria de comentar as duas preocupações que o Dr. Drauzio Varella considera totalmente justificadas: dano ecológico e dano á saúde. Ele lembra que com 70% dos americanos consumindo transgênicos há mais de uma década, nada foi constatado de adverso. Podemos acrescentar muitos outros países como o Canadá além do imenso "experimento" com milhões de animais que recebem rações derivadas de plantas transgênicas, inclusive na Europa. Quanto à danos ambientais, também nada foi detectado durante os 15 anos de plantio. As preocupações, inicialmente justificadas, sendo tecnologia nova, cujo produto será alimento humano. Infelizmente os perigos potenciais que justificam os inúmeros testes e estudos, que tornam extremamente caro aprovar um transgênico em qualquer lugar do planeta, surgiram mais do interesse da Monsanto em fazer reserva de mercado, do que de considerações biológicas reais. Os testes pressupõem dúvidas, as quais foram imediatamente abraçadas e exacerbadas devido a disputa comercial entre EUA adiantado e Europa relativamente atrasada na tecnologia, com agricultura subsidiada e produção abundante além de contar com partidos "verdes" poderosos. Atualmente, a poeira vai baixando e ambientalistas com as credenciais de Stewart Brand reconhecem que as plantas geneticamente modificadas são "verdes". Idem para vários acadêmicos e agricultores que defendem o plantio orgânico.
O assunto é complexo, pois é necessário conhecer um bocado de biologia, particularmente de plantas, a história da agricultura, e a moderna genética e biologia molecular, para apreciar com clareza o que seria risco e o que é fantasia. A coisa mais fácil é inventar um rosário de "possíveis" efeitos adversos, extrapolando aspectos da biologia/ecologia mal explicitados. Bilhões de humanos, por décadas, consumiram e consomem as milhares de variedades de plantas, entre as quais temos arroz, trigo, milho, etc. que foram melhoradas por meio de mutagênese pesada com radiação ou agentes químicos, e carregam dezenas de alterações genéticas desconhecidas, sem efeitos adversos. Como então ter "dúvidas" frente à modificações cirúrgicas, precisas e conhecidas, além de estudadas por vários anos antes da comercialização?
Do lado ecológico se insiste na "perda de biodiversidade" devido ao fluxo gênico natural que pode levar, em taxas muito reduzidas, o transgene para plantas vizinhas e relacionadas. Exagero absurdo, essa migração aconteceu sempre com genes das plantas melhoradas por mutagênese cega e ninguém se encomoda, já que não pode detectá-las. Cada transgênico, sendo conhecido, permite usar sondas moleculares para saber se foram transferidos e em que proporção. Deveria ser fator de tranquilidade, exceto para a irracionalidade reinante e estimulada pelos que defendem um "nazismo genético" segundo o qual o transgene é "do mal" já que originário de outra espécie. Precauções são tomadas sempre para reduzir a níveis irrelevantes a migração dos genes que, quando ocorre, pode ser mapeada e quantificada para deleite acadêmico, pois seu efeito real é praticamente nulo no ambiente. A natureza nos brinda com um número crescente de exemplos naturais de transferência horizontal de genes entre seres bastante afastados quanto à sua origem evolutiva.
Na verdade os trangênicos já trouxeram a mitigação de desastres ecológicos. Soja, algodão e milho resistente a herbicidas estão produzindo benefício ecológico da maior importância ao permitir o plantio direto que, evitando a tratoragem para remover as ervas daninhas, mantém a estrutura do solo, que retém mais carbono, além de cortar o gasto de combustível. Assim a perda do solo fértil superficial com as chuvas é bastante reduzida, um dos grandes problemas da agricultura moderna.
O uso das plantas que expressam a proteína inseticida de um bacilo do solo, contrariando a histeria mal informada, revela-se uma tecnologia que está contribuindo para que insetos não-alvo, como a borboleta Monarca, sejam preservadas. Isto porque há importante redução na aplicação de inseticidas químicos, bem mais tóxicos que a proteína do bacilo e que matam indiscriminadamente os insetos, no local ou arrastados pelo vento, ao contrário da ação restrita do transgênico, afetando principalmente os insetos-praga que atacam a planta imóvel no solo.
O bem para a saúde já está evidente seja na redução dos envenenamentos por inseticidas químicos com o uso das plantas Bt, já demonstrado entre os cotonicultores indianos, bem como na redução drástica de micotoxinas como se constata no milho Bt. Exemplo: milho contaminado adoeceu no Quênia (2004) mais de 300 pessoas com 39% de casos fatais. Ademais o consumo crônico pode levar ao câncer hepático.
O final do artigo do Dr. Varella me pareceu particularmente brilhante, quando ele discute a diferença entre prova negativa e positiva de efeitos adversos. O estudo que relata, para demonstrar, sem sombra de dúvida, que a carne vermelha potencia a doença cardiovascular, demonstra a futilidade de certas discussões recorrentes sobre como detectar efeitos adversos nos consumidores de alimentos com o "tesão". A resposta me parece simples e tenho certeza que o tempo vai corroborar: olhe para a alteração biológica introduzida e verá que, em todos as plantas transgênicas que foram até aqui comercializadas, não há qualquer base racional para um possível efeito deletério. A menos que se invoque a metafísica, como fazem os que desejam condenar o feijão resistente à vírus da Embrapa.
Francisco G. Nóbrega
SC Campos, 27/09/2011