Em resposta a
artigo publicado no JC Notícias no último dia 30 de abril, questionando
decisões da CTNBio, pesquisadores demonstram que “o aumento no uso de
agrotóxicos nada tem a ver com os transgênicos, mas com a agricultura intensiva
brasileira”
Pode-se perfeitamente entender a preocupação de Hugh Lacey,
José Corrêa Leite, Marcos Barbosa de Oliveira, e Pablo Rubén Mariconda* em
relação aos transgênicos: afinal, ela reflete uma percepção pública do risco,
que é o produto da base analítica de cada um de nós, da mídia e das
expectativas que temos para nosso futuro. Mas as decisões de Governo sobre
novas tecnologias não podem ser tomadas com base no senso comum e sim na
avaliação de risco, que trata do impacto direto e específico do organismo
geneticamente modificado (OGM) na natureza, e da análise de risco, que envolve
outros aspectos ligados à tecnologia. A separação dos dois procedimentos
analíticos não é uma manobra antidemocrática ou reducionista, mas é um
posicionamento técnico aceito e referendado no mundo todo e em sintonia com os
tratados e acordos internacionais de comércio e de proteção à saúde e ao
ambiente.
Tendo esta informação em mente, percebe-se que estão
equivocados nossos colegas do IEA/USP quando pedem que a CTNBio se debruce
sobre a questão dos agrotóxicos: ela não pode fazê-lo pela lei 11.105/2005 e
não lhe cabe tal tarefa, que é de alçada exclusiva da ANVISA e do Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Em que pese o fato de que os
agrotóxicos tenham impacto na saúde humana e animal, este é um assunto que foge
do escopo da CTNBio. Poder-se-ia argumentar que os transgênicos e os
agrotóxicos estão sempre associados, mas esta é uma percepção que, embora muito
difundida na mídia alternativa, não encontra amparo na realidade, como
comentaremos a seguir.
De fato, o Brasil usa agrotóxicos em centenas de diferentes
cultivos, assim como na pecuária, mas os transgênicos representam apenas 30% da
área plantada: são 160 milhões de hectares cultivados com as mais diversas
culturas no país contra apenas 45 milhões com cultivos transgênicos. Por isso,
a contribuição dos transgênicos no consumo de agrotóxicos é menor. Esta
primeira inferência é claramente referendada pela análise do aumento do uso de
agrotóxicos nos últimos 10 anos e do aumento da área plantada com transgênicos:
para o primeiro o valor é de 200%, enquanto a área com transgênicos cresceu
mais de 1000%! O que justifica, então, o aumento do uso de agrotóxicos? Basta
olhar o aumento da produtividade geral da agricultura brasileira nos mesmos 10
anos: foi de 200%. Este valor não é uma coincidência, mas resulta da
intensificação do processo produtivo, que demanda um controle mais rígido das
ervas daninhas e das pragas em geral. A conclusão é clara: o aumento no uso de
agrotóxicos nada tem a ver com os transgênicos, mas com a agricultura intensiva
brasileira.
Vale lembrar ainda que as plantas transgênicas resistentes a
inseto levaram a uma importante redução do uso de inseticidas, que também são
agrotóxicos. Aliás, uma análise da literatura, do banco de dados do Sinitox e
da ANVISA, mostra que os inseticidas estão entre os que causam mais malefício à
saúde humana e, portanto, devemos neste sentido ser gratos à adoção das plantas
transgênicas resistentes a insetos, que reduziram de forma global o uso destes
agrotóxicos em soja e milho. Aqui estamos falando da tecnologia Bt, uma
simplificação do nome da bactéria Bacillus thuringiensis que mata as lagartas
que comem as plantas. Originalmente, essa bactéria foi usada por plantadores
orgânicos. Os cientistas apenas usaram os genes dessa bactéria, incorporando-os
na planta. Por isso, com a tecnologia Bt incorporada evita-se, em muito, o
excesso de uso dos agrotóxicos.
Vale, então, a pergunta: porque a insistência em ligar
os agrotóxicos aos transgênicos? A resposta é simples: porque após 20 anos de
produção e consumo verifica-se que as plantas transgênicas no mercado não
prejudicam o ambiente ou a saúde humana e animal. A nova forma de atacar a
biotecnologia agrícola é ligá-la ao uso de produtos que são tóxicos para uma
série de organismos e também para o homem, se ingeridos ou assimilados pelo
nosso organismo acima de certa dose. Como mostramos acima, esta associação é
falsa.
De fato, atualmente no mundo 180 milhões de hectares são
cultivados com plantas transgênicas, sem qualquer impacto diferente daquele
observado nas plantas convencionais cultivadas em iguais condições. Bilhões de
animais e pessoas se alimentam com produtos formulados a partir de soja, milho,
canola e outras plantas transgênicas e nenhum, absolutamente nenhum, problema
de saúde foi comprovado. Não há base científica alguma para esperar estes danos
e é aí que entra a avaliação de risco, função da CTNBio: depois de 15 anos de
plantio e consumo no Brasil, não há sequer uma demonstração de que os OGMs façam
mal à saúde ou ao ambiente no nosso país, o que prova, até agora, o acerto das
decisões da CTNBio. Lembramos aos leitores também que milhares de outros
produtos derivados da biotecnologia fazem parte de nosso dia a dia, indo de
fármacos até sabões, tudo consumido e produzido de forma segura. Um exemplo
contundente é a insulina, que hoje é idêntica à humana e que antes era derivada
de suínos e produzia uma longa lista de problemas colaterais, tanto para o
paciente como para o ambiente.
Finalmente, gostaríamos de esclarecer aos nossos colegas do
IEA/USP que os membros da CTNBio empregam uma vasta literatura para apoiar seus
pareceres e não apenas os dados trazidos pela empresa (inverdade muito
encontrada na internet, infelizmente). Além disso, lembramos que os produtos
que chegam à linha final da liberação comercial estão, em geral, na ponta de um
longo procedimento de avaliação que começa nas casas de vegetação e passam
pelos experimentos a campo, muitos anos antes da liberação comercial. Lembramos
também que, embora alguns pontos específicos (em geral sobre a construção
genética do transgênico) sejam confidenciais, a maioria esmagadora dos
processos é pública: basta acessar o e-SIC do MCTI e pedir uma cópia. Por fim,
afirmamos aos colegas que a geração de dados pelos cientistas brasileiros e
estrangeiros é, de forma muito ampla, independente de financiamento das
empresas, pois, o que vale é a consistência do método científico e não quem fez
o trabalho ou quem o financiou. Entra aí a honestidade do profissional e sua
adesão aos princípios morais de sua carreira e de sua sociedade.
Se os filósofos do IEA/USP ou qualquer outro grupo que crê
haver erros na forma de agir da CTNBio desejam de fato o diálogo com a Comissão
ou com as sociedades científicas, devem primeiro despir-se do preconceito que
revelam a respeito da conduta dos membros da Comissão e dos cientistas em
geral, acusando-os de emitirem seus pareceres porque têm apoio indireto ou
direto do setor privado que leva seus produtos à CTNBio ou de produzirem dados
favoráveis às empresas em troca de financiamentos. Tal posição, além de falsa,
é desrespeitosa e não leva a diálogo algum.
Paulo Paes de Andrade, geneticista, UFPE
Francisco G. Nóbrega, microbiólogo, ex-ICB/USP
Zander Navarro, sociólogo, EMBRAPA
Flávio Finardi Filho, farmacêutico, FCF/USP
Walter Colli, bioquímico, IQ/USP
Veja o artigo anterior no link abaixo:
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