terça-feira, 19 de maio de 2015

Resposta detalhada às afirmações de Alan Tygel intituladas “Transgênicos: malefícios do mau uso dos dados e o diálogo mentiroso” publicadas em 11/05/2015 no Jornal da Ciência (SBPC)

Sr. Tygel.

Lamentamos dizer que suas contas foram apressadas. Afinal, segundo suas próprias palavras, o Sr. empregou apenas 10 minutos... enquanto nós levamos bem mais de um mês digerindo esta questão com os números disponíveis, alguma vezes conflitantes e parciais. As suas contas, Sr. Tygel, chegaram a resultados divergentes dos nossos e que não refletem o cerne da nossa discussão: a ausência de relação entre os transgênicos e os agrotóxicos. Vejamos com mais detalhes como os dados que embasaram nossa argumentação foram obtidos e computados.

Na Figura 1 abaixo está um resumo das informações para uma avaliação de produção, área e produtividade da agricultura brasileira. A fonte é o mesmo IBGE que o Sr. consultou. No gráfico está claro que área plantada no cálculo da produtividade não é de toda a agricultura brasileira, mas também não é só a de milho, soja e algodão: ela envolve todos os cereais, leguminosas e oleaginosas. Não houve aumento significativo da área, ainda que existam oscilações ao longo dos anos. A produção também oscilou um pouco ao longo dos anos, mas basta passa a régua e se vê que a produtividade aumentos os 200% que afirmamos, pelo menos para estas culturas.


Figura 1:  Aumento da produção agrícola de cereais, leguminosas e oleaginosas (curva e eixo à direita) e área plantada (barras e eixo à esquerda). Observa-se um grande aumento de produção sem um correspondente aumento de área, o que implica em ganhos de produtividade acentuados no período mostrado.

E o resto do Brasil que usa agrotóxico é ocupado com que? Vejamos o que diz a EMATER

Dos 851 milhões de hectares de nosso território, temos 86 milhões com pastagens plantadas (fora da Amazônia), 60 milhões com lavouras temporárias, inclusive cana-de-açúcar; sete milhões com lavouras permanentes, principalmente frutas e café; cinco milhões com silvicultura; e dois milhões com hortaliças, que somam 160 milhões de hectares, ou apenas 19% de todo o território brasileiro. (http://www.emater.go.gov.br/w/5839)

Baseamos nossos dados aí e na figura acima, no que estão parecidos com o que o Sr. nos traz, mas adicionam alguma novidade: 74 são vários tipos de lavoura e 86 milhões são ocupados por pecuária, o que soma 160 milhões para a agricultura. Lembramos ao Sr. Tygel que a pecuária emprega agrotóxicos de diversos tipos, desde carrapaticidas e inseticidas até herbicidas de amplo espectro e este vasto arsenal de agrotóxicos está também computado no aumento visto nos últimos anos.

Por tudo o que está acima, é evidente que nossa agricultura avançou muitíssimo em produtividade: se não foi 200%, foi perto disso, pelo menos nas nossas contas, baseadas nos dados mostrados. Tomando outros dados disponíveis no IBGE ou no MAPA estas estimativas variam de 130 a 170%, o que é muito bom, de todo jeito, e demonstra o que estamos afirmando: houve uma enorme intensificação de nossa agricultura na última década.

Mas este não o cerne da questão: entre 2004 e 2014 houve um aumento de 1000%  pelo menos na área plantada com transgênicos. Aqui ninguém fez divisão por zero, Sr. Tygel, que isso não existe na matemática. Pode-se usar muito bem 4 milhões de hectares como base de cálculo (3 milhões em 2003 ou os 5 milhões do ano seguinte), porque não é uma área desprezível e porque, desde o primeiro plantio, os agrotóxicos começaram a ser empregados, Aliás, como é de seu conhecimento, logo de início já apareceu o glifosato... Se lhe incomoda muito a tomada de um ponto no início da curva, pode usar também a reta interpolada ao longo da década: vai dar no mesmo número. Não há mau-caratismo nenhum nisso e nem é “conta de chegada”, mas a forma correta de equacionar a questão. Quando nos chama de gente de mau caráter, o Sr. reduz muito a possibilidade de futuros diálogos que poderiam, quem sabe, resultar promissores para nosso país.

Acontece que, no mesmo período, o uso dos agrotóxicos subiu, no máximo, 200%. Como é que se explica que o “responsável” pelo aumento do uso de agrotóxicos possa crescer 10X (ainda que fosse 5 ou 6 X, na concepção matemática do Sr. Tygel) e o uso de agrotóxicos só 2X?  Esta imensa diferença não fecha de forma alguma com a hipótese sem fundamento de que a maior parte do aumento do uso de agrotóxicos seja devida ao plantio de transgênicos. Esta é conta que importa, Sr. Tygel.

A sua conta não fecha  pelo que mostramos antes: uma imensa área do país é palco do uso de agrotóxicos - os tais 160 milhões de hectares. Nos dados do MAPA e de outras agências não há discriminação do que é usado na agricultura ou na pecuária, mas nas contas que se vê na internet, inclusive nas suas, todo o aumento é devido ao uso de transgênicos. Não há invenção nenhuma e o Sr. vai ver as mesmíssimas conclusões a que chegamos também lá no Estadão (http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/instituto-culpa-transgenicos-por-aumento-no-uso-de-agrotoxicos-especialistas-rebatem/), num artigo completamente independente do nosso.

Por fim, quando não se consegue destruir uma ideia, tenta-se  destruir o autor. Ao contrário de nosso procedimento, que é baseado na análise de dados, o Sr. e seus colegas que o acompanharam na crítica à nossa postagem no Jornal da Ciência atacam o caráter e o compromisso com a verdade que temos. Este procedimento é nefasto e nada traz de positivo para um diálogo produtivo. Porque os senhores o adotam? Porque, efetivamente não querem diálogo algum.

O Brasil é simplesmente o maior produtor agrícola da região tropical do planeta, e com as maiores produtividades. Produzir nos trópicos é desafiador, uma vez que não temos o frio para diminuir populações de pragas ou paralisar seu ciclo de vida. Mas a agricultura brasileira se modernizou e muitos problemas vistos no passado, como os casos de erosão do solo, são cada vez menos  frequentes, graças ao plantio direto, barreiras físicas etc. Há anos não temos os problemas recorrentes (antes de 2005) de falta de milho para alimentar os animais (principalmente frangos).   Obviamente ainda temos muitos problemas e precisamos trabalhar para gerar soluções. Os agricultores precisam  tomar consciência dos problemas e deixar de ter visão de muito curto prazo.  Muitos outros acham que se houver a perda das tecnologias atuais, novas irão substituí-las   imediatamente, o que sabemos que pode ser falso. Mas não podemos desprezar soluções novas por um viés ideológico, sem base em ciência.


Outra réplica à opinião do Sr. Tygel, redigida a 10 mãos, está em http://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/34-opiniao-do-leitor/ .

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