Sr. Tygel.
Lamentamos dizer que suas contas foram apressadas. Afinal, segundo
suas próprias palavras, o Sr. empregou apenas 10 minutos... enquanto nós
levamos bem mais de um mês digerindo esta questão com os números disponíveis,
alguma vezes conflitantes e parciais. As suas contas, Sr. Tygel, chegaram a
resultados divergentes dos nossos e que não refletem o cerne da nossa
discussão: a ausência de relação entre os transgênicos e os agrotóxicos.
Vejamos com mais detalhes como os dados que embasaram nossa argumentação foram
obtidos e computados.
Na Figura 1 abaixo está um resumo das informações para uma
avaliação de produção, área e produtividade da agricultura brasileira. A fonte
é o mesmo IBGE que o Sr. consultou. No gráfico está claro que área plantada no
cálculo da produtividade não é de toda a agricultura brasileira, mas também não
é só a de milho, soja e algodão: ela envolve todos os cereais, leguminosas e
oleaginosas. Não houve aumento significativo da área, ainda que existam
oscilações ao longo dos anos. A produção também oscilou um pouco ao longo dos
anos, mas basta passa a régua e se vê que a produtividade aumentos os 200% que
afirmamos, pelo menos para estas culturas.
Figura 1: Aumento da produção agrícola de
cereais, leguminosas e oleaginosas (curva e eixo à direita) e área plantada (barras
e eixo à esquerda). Observa-se um grande aumento de produção sem um
correspondente aumento de área, o que implica em ganhos de produtividade
acentuados no período mostrado.
E o resto do Brasil que usa agrotóxico é ocupado com
que? Vejamos o que diz a EMATER
Dos 851 milhões de hectares de nosso
território, temos 86 milhões com pastagens plantadas (fora da Amazônia), 60
milhões com lavouras temporárias, inclusive cana-de-açúcar; sete milhões com
lavouras permanentes, principalmente frutas e café; cinco milhões com
silvicultura; e dois milhões com hortaliças, que somam 160 milhões de hectares,
ou apenas 19% de todo o território brasileiro. (http://www.emater.go.gov.br/w/5839)
Baseamos nossos dados aí e na figura acima, no que estão
parecidos com o que o Sr. nos traz, mas adicionam alguma novidade: 74 são
vários tipos de lavoura e 86 milhões são ocupados por pecuária, o que
soma 160 milhões para a agricultura. Lembramos ao Sr. Tygel que a pecuária
emprega agrotóxicos de diversos tipos, desde carrapaticidas e inseticidas até
herbicidas de amplo espectro e este vasto arsenal de agrotóxicos está também
computado no aumento visto nos últimos anos.
Por tudo o que está acima, é evidente que nossa agricultura
avançou muitíssimo em produtividade: se não foi 200%, foi perto disso, pelo
menos nas nossas contas, baseadas nos dados mostrados. Tomando outros dados
disponíveis no IBGE ou no MAPA estas estimativas variam de 130 a 170%, o que é
muito bom, de todo jeito, e demonstra o que estamos afirmando: houve uma enorme
intensificação de nossa agricultura na última década.
Mas este não o cerne da questão: entre 2004 e 2014
houve um aumento de 1000% pelo menos na
área plantada com transgênicos. Aqui ninguém fez divisão por zero, Sr. Tygel,
que isso não existe na matemática. Pode-se usar muito bem 4 milhões de hectares
como base de cálculo (3 milhões em 2003 ou os 5 milhões do ano seguinte),
porque não é uma área desprezível e porque, desde o primeiro plantio, os agrotóxicos
começaram a ser empregados, Aliás, como é de seu conhecimento, logo de início
já apareceu o glifosato... Se lhe incomoda muito a tomada de um ponto no início
da curva, pode usar também a reta interpolada ao longo da década: vai dar no
mesmo número. Não há mau-caratismo nenhum nisso e nem é “conta de chegada”, mas
a forma correta de equacionar a questão. Quando nos chama de gente de mau
caráter, o Sr. reduz muito a possibilidade de futuros diálogos que poderiam,
quem sabe, resultar promissores para nosso país.
Acontece que, no mesmo período, o uso dos agrotóxicos subiu,
no máximo, 200%. Como é que se explica que o “responsável” pelo aumento do uso
de agrotóxicos possa crescer 10X (ainda que fosse 5 ou 6 X, na concepção
matemática do Sr. Tygel) e o uso de agrotóxicos só 2X? Esta imensa diferença não fecha de forma
alguma com a hipótese sem fundamento de que a maior parte do aumento do uso de
agrotóxicos seja devida ao plantio de transgênicos. Esta é conta que importa,
Sr. Tygel.
A sua conta não fecha pelo que mostramos antes: uma imensa área do
país é palco do uso de agrotóxicos - os tais 160 milhões de hectares. Nos dados
do MAPA e de outras agências não há discriminação do que é usado na agricultura
ou na pecuária, mas nas contas que se vê na internet, inclusive nas suas, todo
o aumento é devido ao uso de transgênicos. Não há invenção nenhuma e o Sr. vai
ver as mesmíssimas conclusões a que chegamos também lá no Estadão (http://ciencia.estadao.com.br/blogs/herton-escobar/instituto-culpa-transgenicos-por-aumento-no-uso-de-agrotoxicos-especialistas-rebatem/),
num artigo completamente independente do nosso.
Por fim, quando não se consegue destruir uma ideia, tenta-se
destruir o autor. Ao contrário de nosso procedimento, que é baseado na análise
de dados, o Sr. e seus colegas que o acompanharam na crítica à nossa postagem
no Jornal da Ciência atacam o caráter e o compromisso com a verdade que temos.
Este procedimento é nefasto e nada traz de positivo para um diálogo produtivo.
Porque os senhores o adotam? Porque, efetivamente não querem diálogo algum.
O Brasil é simplesmente o maior produtor agrícola da região
tropical do planeta, e com as maiores produtividades. Produzir nos
trópicos é desafiador, uma vez que não temos o frio para diminuir populações de
pragas ou paralisar seu ciclo de vida. Mas a agricultura brasileira se
modernizou e muitos problemas vistos no passado, como os casos de erosão
do solo, são cada vez menos frequentes, graças ao plantio direto,
barreiras físicas etc. Há anos não temos os problemas recorrentes (antes de
2005) de falta de milho para alimentar os animais (principalmente
frangos). Obviamente ainda temos muitos problemas e precisamos
trabalhar para gerar soluções. Os agricultores precisam tomar consciência
dos problemas e deixar de ter visão de muito curto prazo. Muitos outros acham que se houver a perda das
tecnologias atuais, novas irão substituí-las imediatamente, o que
sabemos que pode ser falso. Mas não podemos desprezar soluções novas por um
viés ideológico, sem base em ciência.
Outra réplica à opinião do Sr. Tygel, redigida a 10 mãos,
está em http://www.jornaldaciencia.org.br/edicoes/?url=http://jcnoticias.jornaldaciencia.org.br/34-opiniao-do-leitor/
.
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