A Flávia Camargo escreveu um artigo sobre o eucalipto
transgênico, que está também no Facebook da Marina Silva (link). As opiniões expressas pela Flávia, aparentemente
aceitas sem qualquer questionamento pela Marina, são de fato opiniões de um
grupo que se opõe aos transgênicos e talvez não reflitam uma opinião a partir
da análise cuidadosa e detalhada do assunto. Por isso, os comentários que se
seguem não são dirigidos diretamente nem à Flávia, nem a Marina. Apenas
indiretamente podem lhes ser úteis na medida em que apontam opiniões
divergentes daquelas expressas no texto, as quais espelham o entendimento de um
grupo heterogêneo de parceiros que têm em comum talvez apenas a oposição
sistemática à biotecnologia agrícola.
A seguir seguem
alguns comentários nossos em relação ao artigo.
O
artigo
O texto reflete uma preocupação que permeia tanto a
sociedade brasileira, quanto muitas outras pelo Mundo: o impacto que árvores
transgênicas poderiam ter sobre o ambiente. Mesmo que muita gente acredite no
contrário, esta é também a preocupação dos membros da CTNBio, que não são um
punhado de cientistas irresponsáveis, mas um grupo seleto, devotado não apenas
à ciência, mas ao seu país. Vou procurar em poucas palavras demonstrar que boa
parte do que a sociedade percebe como risco não se concretiza de fato em dano.
O detalhamento está
disponível aqui (http://genpeace.blogspot.com.br/2014/11/eucalipto-transgenico-quais-sao-de-fato.html)
. E também vou procurar mostrar que a
avaliação de risco, como feita pela CTNBio (e por todas as demais agências
governamentais de avaliação de risco de OGM no Mundo), é sólida e constitui, em
si, na melhor forma de precaução contra riscos desnecessários.
Primeiramente, é preciso entender que toda avaliação de
risco é, em si, uma medida de precaução, seja na indústria aeronáutica ou na
biotecnologia. Entendido isso, é fundamental saber que as avaliações seguem
caso a caso, num procedimento robusto que vale para qualquer OGM, seja ele um
vírus, uma levedura, um peixe, uma planta anual ou uma perene. É apenas mais
uma lenda na internet a afirmação de que, para plantas perenes, o procedimento de
avaliação de risco não vale. Por fim, dado o fato de que a avaliação é caso a
caso, não é nada fácil fazer generalizações: tratar todas as árvores transgênicas
como se fossem um mesmo problema é um grave erro. Afinal, a CTNBio não está
avaliando tudo que árvore transgênica, só uma única variedade transgênica de um
híbrido de eucalipto.
Então, quando a gente lê o artigo da Flávia, recebe logo a
informação de que a CTNBio não dispunha de estudos para avaliar os riscos da
tecnologia. Esta pode ser a opinião de alguns membros da CTNBio, mas não é a
opinião da maioria. Além disso, o que está em pauta é o eucalipto transgênico
para crescimento mais rápido, e não a tecnologia em si. Sabendo agora que a CTNBio dispunha de vasta
literatura e de um grosso dossiê recheado de informações, e que destas fontes
extraiu o que lhe pareceu necessário para concluir sobre os riscos deste
eucalipto, posso me dedicar a falar um pouco sobre como a avaliação procedeu.
Toda a avaliação inicial se deu, como dito, com base na literatura
científica publicada e em uma enorme massa de relatórios técnicos. A audiência
pública (que podia ser pedida por qualquer parte interessada, mas tinha que ser
aceita pela CTNBio) não tem como função discutir nada, nem informar o público:
ela deve, unicamente, trazer subsídios do público para a CTNBio: lá estiveram
pessoas ligadas aos apicultores, aos movimentos sindicais, aos movimentos
camponeses, aos produtores de celulose, aos institutos de pesquisa e por aí
vai. As várias opiniões foram externadas e coletadas pela CTNBio, da mesma
forma como acontece em qualquer outra audiência pública. Por isso não houve
debate, nem aprofundamento algum, exceto da própria CTNBio, que é a
“beneficiária” deste processo, por lei.
A gente pode agora se perguntar: como é possível que a
Marina Silva ecoe no seu blog as opiniões sem fundamento, repetidas em muitos
blogs e cristalizadas no artigo da Flávia? A resposta é simples: a Marina
apenas repete a opinião de seu grupo (como também a Flávia), sem provavelmente
ter procurado avaliar se havia algum lastro na informação. O fato de ter sido
ministra e candidata a presidente deste país não lhe dá nem um grama mais de
autoridade para opinar sobre um assunto sem que se aprofunde sobre ele, leia e
pondere as opiniões contrárias. Sem isso, a opinião é um ato de adivinhação.
O que a CTNBio extrai do dossiê? Apenas o que é relevante
para a avaliação de risco, em geral uma pequena parte de toda a informação que
a empresa aporta. Estudos com animais prenhes e coisas assim não são
obrigatórios! Qualquer um que queira opinar sobre isso deve ler com cuidado a
RN-05: verá que estes estudos são sugeridos (jamais requeridos, é sempre caso a
caso) se o OGM for usado como alimento (Anexo III da RN-05), o que não é o
caso do eucalipto. A CTNBio segue as diretrizes do Codex Alimentarius,
como todo mundo, neste aspecto. É preciso ter respeito aos animais e experimentos
inúteis ferem profundamente o código de ética da experimentação animal.
Repetir o que falam alguns membros e ex-membros da CTNBio sobre esta pretensa
obrigatoriedade, sem se aprofundar no tema, é receita certa para dizer coisas
fora do contexto, como os papagaios. Para finalizar este assunto: a avaliação é
caso a caso, os passos são dados ou não de acordo com a necessidade: o
eucalipto não é consumido como alimento e as proteínas transgênicas só vão
estar no mel, em quantidades diminutas, se houver pólen de eucalipto
transgênico. Usar animais prenhes e ensaios multigeracionais num caso destes é
um desafio à lógica e, como disse, um desrespeito aos animais. O caso do pólen
GM está tratado neste link (http://genpeace.blogspot.com.br/2014/11/eucalipto-transgenico-quais-sao-de-fato.html)
para o caso das abelhas e neste outro (http://genpeace.blogspot.com.br/2014/09/audiencia-publica-sobre-o-eucalipto.html)
para o consumo humano.
O uso da água pelo eucalipto GM não é diferente de qualquer
outra variedade de crescimento rápido. Isso é muito bem conhecido da literatura
e só aparece como uma preocupação entre os que pouco ou nada conhecem desta
espécie ou que lançam estes temores propositalmente. Da mesma forma, é uma
completa inverdade que onde nasce eucalipto não cresce mais nada. Eu recomendo
que todos os que repetem esta afirmação um tanto oca leiam com atenção o
excelente trabalho do Walter de Paula Lima, disponível em http://www.ipef.br/hidrologia/eucaliptosecaosolo.asp
e intitulado “O eucalipto seca o solo?”. Mais uma vez, recomendo: não repitam o
que circula na internet sem se aprofundar na questão, ou arriscam ecoar tolice.
Mesmo que se ouça o que lhe agrada da boca de seus pares (o que é humano), é
preciso sempre ser crítico com sua gente, o que é muito difícil...
Finalmente, a questão do pólen transgênico no mel, a
produção orgânica e a exportação para a Europa: as abelhas gostam das flores de
eucalipto, mas a planta só floresce depois de sete anos e o posicionamento
adequado das colmeias seguramente pode evitar que mesmo traços de pólen de
eucalipto GM estejam presentes no mel. Vejam bem: os eucaliptos são propagados
vegetativamente e não existe uma possibilidade real de que os transgenes venham
a se espalhar pelos eucaliptais, isso é uma lenda a mais de quem desconhece
como funciona o negócio de eucalipto no Brasil. De toda forma, a coexistência entre plantios GM e a apicultura (http://genpeace.blogspot.com.br/2014/11/exportacao-de-mel-e-o-eucalipto.html)
não é da alçada da CTNBio (veja aqui o que cabe à CTNBio), como aparece nos sites da
AS-PTA, do MST e em muitos outros. Quem deve tratar disso é o MAPA.
Concluo os meus comentários defendendo mais uma vez a
CTNBio: ela zela pelo país e não pelos interesses de A ou B. Nem defende
apicultores, nem pequenos agricultores, nem grandes empresas. Apenas se debruça
sobre os riscos diretos do OGM à saúde e ao ambiente. No caso deste eucalipto,
que não é usado na alimentação, é uma planta exótica sem parentes sexualmente
compatíveis no Brasil, não é invasora nas condições brasileiras e não se
propaga usualmente por sementes, os novos riscos derivados da construção
transgênica em estudo foram considerados negligenciáveis, isto é: a planta
transgênica tem essencialmente os mesmos riscos da convencional. A CTNBio não
foi apressada, nem subserviente ao agronegócio e, nem muito menos,
irresponsável. É uma pena que as opiniões que denigrem a CTNBio e seus membros
circulem como se fossem o supra sumo da verdade, sejam apoiadas por ex-membros
e até por alguns membros e referendadas por políticos ilustres, como a Marina
Silva, ainda que por enquanto apenas no Facebook.
Os comentários
no Facebook da Marina
Uma legião de gente é contra os eucaliptos, em geral, sejam
eles transgênicos ou não. A percepção pública do risco que o cultivo de
eucaliptos traz ao ambiente é muito arraigada (cristalizada na expressão
“deserto verde”), mas o fato é que, como comentamos acima, ela não encontra
respaldo na ciência. Ao contrário, o país precisa muito de madeira, para os
mais diversos usos (o que foi comentado por um dos leitores): o eucalipto, por
crescer rápido, não ser muito exigente em solo e poder ser cultivado em altas
densidades, é um aliado importante neste setor. Qualquer outra espécie
florestal, plantada em condições semelhantes, gera em princípio os mesmos
impactos. Se as empresas optassem pelo jacarandá, a bracatinga ou outra nativa
brasileira, nem por isso os impactos seriam menores.
O impacto do eucalipto GM no mel parece ser uma preocupação
comum a muitas pessoas. De fato, a presença de pólen transgênico, seja de
eucalipto ou de qualquer outra planta geneticamente modificada, pode ser
prejudicial ao mercado do mel, sobretudo se o produto for exportado para a Europa,
que tem regras absurdas, à margem da ciência e do bom senso nestas questões de
mel. O pólen transgênico também pode ser um problema para o produtor orgânico. Mas,
como dissemos, isso é coisa muito fácil de ser controlada: basta respeitar a
distância entre as colmeias e as plantas transgênicas que florescem, numa
parceria que não pode deixar nunca de existir. Neste sentido, é muito mais
fácil controlar a presença de pólen de eucalipto GM no mel, que só floresce
depois de 7 anos, do que a de milho, soja ou algodão, que florescem todos os
anos, algumas vezes mais de uma vez por ano!
O público também confunde avaliação de risco, que é feita
pela CTNBio, com estudo de impacto ambiental, que é uma exigência do IBAMA para
atividades potencialmente poluidoras e impactantes. A avaliação de risco dos
transgênicos está excluída da atribuição do IBAMA, por lei, e neste caso não se
aplica o EIA nem o RIMA. Alguns pesquisadores e estudiosos creem que se deveria
reformular a lei e voltar ao que estava estabelecido pela lei de biossegurança
anterior, exigindo o EIA e o RIMA: esta opinião é muito veiculada na internet e
acaba confundindo o entendimento do público.
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