Recorrentemente aparece esta afirmação nas discussões na
mídia e, também, na CTNBio: se foi publicado em revista com revisão por pares,
então o artigo é bom. Acontece que o sistema não é infalível e que, como já
dissemos anteriormente neste blog, quem valida uma descoberta científica não é
a revista, mas os pares, ao longo dos anos.
Semana passada a Veja baixou o sarrafo nas revistas Open
Access e nos cientistas e institutos que nela publicam e acabou metendo os pés
pelas mãos. A Dra. Helena B. Nader, presidente da SBPC, enviou excelentes comentários
e esclarecimentos a respeito da reportagem, intitulada “Uma
praga da ciência brasileira: artigos de segunda”. Como a Veja publicou a
carta (na edição que está nas bancas) com cortes que podem comprometer o
conteúdo exposto pela presidente da SBPC, reproduzimos neste blog a carta na
íntegra, obtido do site Capela
da Ciência. As marcas ressaltam os pontos que considero crítico para a
questão da credibilidade relativa e não infalibilidade do processo de revisão
por pares. Lembro aos leitores o caso do artigo do Séralini, publicado numa
revista séria e muito bem conceituada (e retirado depois de um ano de protestos
da comunidade científica). A Dra. Nader dá outros exemplos e há um site
dedicado a estes casos que vale a pena ser visitado: http://retractionwatch.com/
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A reportagem
“Artigos de segunda” (10 de dezembro) poderia ter servido para introduzir um
importante assunto na sociedade brasileira: o acesso a informações científicas.
Contudo, a revista se mostra desinformada ao tentar passar ao leitor a
impressão de que as publicações tradicionais são infalíveis enquanto as do
sistema open Access são desqualificadas. Na verdade, ambas têm virtudes e
problemas.
VEJA não
disse, mas o rigor da análise prévia por pares não impede erros. A
tradicionalíssima Science, por exemplo, precisou se retratar a respeito de
artigo em que seus autores relataram terem encontrado uma bactéria em cujo DNA
o fósforo (elemento essencial para a vida) era substituído pelo arsênio
(normalmente tóxico).
Dois artigos
sobre técnicas para modificar células tronco, publicados na Nature, foram
contestados e a revista também precisou se retratar. Várias publicações
tradicionais e de renome da área de saúde (PNAS, Lancet Oncology, JAMA, NEJM,
Blood, entre outras) tiveram que se retratar por terem publicado 10 artigos de
resultados inconsistentes de autoria de um pesquisador da Universidade Duke.
De fato, há
aspectos a serem melhorados em relação às publicações open access, mas na
reportagem foram omitidas virtudes reconhecidas desse sistema. A principal
delas é exatamente possibilitar o livre acesso a informações científicas – o
que sempre foi desejado e que, com a internet, se tornou universalmente
possível. Como se trata de um sistema novo (os estudiosos do tema consideram
que foi inaugurado em 1993), o open Access ainda está em construção e tem
grandes possibilidades de se aperfeiçoar satisfatoriamente e crescer muito num
curto espaço de tempo, uma vez que a comunidade científica mundial está atenta
às publicações abertas e interessada no seu êxito. Por exemplo, os Prêmios
Nobel deste ano em Química, Stephen Hell, e em Física, Shuji Nakamura, têm
publicado seus artigos em open access. O Nobel de Medicina do ano passado,
Randy Schekman, foi mais além: declarou que seu laboratório deixará de enviar
papers para as revistas Nature, Cell e Science, pois, na sua avaliação, elas
distorcem o processo científico. Segundo Schekman, a pressão para publicar em
revistas de “luxo” estimulou os pesquisadores a cortar custos e buscar campos
da moda na ciência, em vez de trabalharem em áreas mais importantes. O
brasileiro Arthur Ávila, ganhador da Medalha Fields em 2014, também publica em
open access.
E mais: a
Sociedade Europeia de Astronomia, a Sociedade Europeia de Física e a Associação
Europeia para Química e Ciências Moleculares estão discutindo a transição para
o sistema open access. Já o CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear),
o mais importante centro de pesquisa na área, já tomou sua decisão. Em
comunicado do dia 16 de outubro último, o diretor geral da instituição
solicitou a todos seus pesquisadores que publiquem seus papers em revistas open
access.
Se está
interessada em discutir as publicações abertas para divulgação científica, VEJA
precisa dar informações completas sobre esse sistema a seus leitores. A
reportagem publicada foi parcial e tendenciosa – ou seja, não contribuiu em
nada para um tema tão importante.
Helena B. Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC).
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