quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

A fama da revista não impede a publicação de artigos falsos ou muito falhos e vice versa - uma revista fora dos holofotes pode publicar artigos muito bons

Recorrentemente aparece esta afirmação nas discussões na mídia e, também, na CTNBio: se foi publicado em revista com revisão por pares, então o artigo é bom. Acontece que o sistema não é infalível e que, como já dissemos anteriormente neste blog, quem valida uma descoberta científica não é a revista, mas os pares, ao longo dos anos.

Semana passada a Veja baixou o sarrafo nas revistas Open Access e nos cientistas e institutos que nela publicam e acabou metendo os pés pelas mãos. A Dra. Helena B. Nader, presidente da SBPC, enviou excelentes comentários e esclarecimentos a respeito da reportagem, intitulada “Uma praga da ciência brasileira: artigos de segunda”. Como a Veja publicou a carta (na edição que está nas bancas) com cortes que podem comprometer o conteúdo exposto pela presidente da SBPC, reproduzimos neste blog a carta na íntegra, obtido do site Capela da Ciência. As marcas ressaltam os pontos que considero crítico para a questão da credibilidade relativa e não infalibilidade do processo de revisão por pares. Lembro aos leitores o caso do artigo do Séralini, publicado numa revista séria e muito bem conceituada (e retirado depois de um ano de protestos da comunidade científica). A Dra. Nader dá outros exemplos e há um site dedicado a estes casos que vale a pena ser visitado: http://retractionwatch.com/

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         A reportagem “Artigos de segunda” (10 de dezembro) poderia ter servido para introduzir um importante assunto na sociedade brasileira: o acesso a informações científicas. Contudo, a revista se mostra desinformada ao tentar passar ao leitor a impressão de que as publicações tradicionais são infalíveis enquanto as do sistema open Access são desqualificadas. Na verdade, ambas têm virtudes e problemas.
         VEJA não disse, mas o rigor da análise prévia por pares não impede erros. A tradicionalíssima Science, por exemplo, precisou se retratar a respeito de artigo em que seus autores relataram terem encontrado uma bactéria em cujo DNA o fósforo (elemento essencial para a vida) era substituído pelo arsênio (normalmente tóxico).
         Dois artigos sobre técnicas para modificar células tronco, publicados na Nature, foram contestados e a revista também precisou se retratar. Várias publicações tradicionais e de renome da área de saúde (PNAS, Lancet Oncology, JAMA, NEJM, Blood, entre outras) tiveram que se retratar por terem publicado 10 artigos de resultados inconsistentes de autoria de um pesquisador da Universidade Duke.
         De fato, há aspectos a serem melhorados em relação às publicações open access, mas na reportagem foram omitidas virtudes reconhecidas desse sistema. A principal delas é exatamente possibilitar o livre acesso a informações científicas – o que sempre foi desejado e que, com a internet, se tornou universalmente possível. Como se trata de um sistema novo (os estudiosos do tema consideram que foi inaugurado em 1993), o open Access ainda está em construção e tem grandes possibilidades de se aperfeiçoar satisfatoriamente e crescer muito num curto espaço de tempo, uma vez que a comunidade científica mundial está atenta às publicações abertas e interessada no seu êxito. Por exemplo, os Prêmios Nobel deste ano em Química, Stephen Hell, e em Física, Shuji Nakamura, têm publicado seus artigos em open access. O Nobel de Medicina do ano passado, Randy Schekman, foi mais além: declarou que seu laboratório deixará de enviar papers para as revistas Nature, Cell e Science, pois, na sua avaliação, elas distorcem o processo científico. Segundo Schekman, a pressão para publicar em revistas de “luxo” estimulou os pesquisadores a cortar custos e buscar campos da moda na ciência, em vez de trabalharem em áreas mais importantes. O brasileiro Arthur Ávila, ganhador da Medalha Fields em 2014, também publica em open access.
         E mais: a Sociedade Europeia de Astronomia, a Sociedade Europeia de Física e a Associação Europeia para Química e Ciências Moleculares estão discutindo a transição para o sistema open access. Já o CERN (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear), o mais importante centro de pesquisa na área, já tomou sua decisão. Em comunicado do dia 16 de outubro último, o diretor geral da instituição solicitou a todos seus pesquisadores que publiquem seus papers em revistas open access.
         Se está interessada em discutir as publicações abertas para divulgação científica, VEJA precisa dar informações completas sobre esse sistema a seus leitores. A reportagem publicada foi parcial e tendenciosa – ou seja, não contribuiu em nada para um tema tão importante.

Helena B. Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

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