"Ora, seria a mesma coisa que um paciente tivesse concomitantemente câncer e cálculo renal e o médico esperasse aparecer um remédio para tratar ambos ao mesmo tempo".
Dr. Walter Colli, comentando a não adoção do feijão transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado por causa da existência de outro vírus que também ataca o feijoeiro.
Dr. Walter Colli, comentando a não adoção do feijão transgênico resistente ao vírus do mosaico dourado por causa da existência de outro vírus que também ataca o feijoeiro.
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Abaixo reproduzimos o artigo do Dr. Walter Colli, onde ele esclarece o país da importância da adoção imediata do feijão transgênico da EMBRAPA, cujo processo final de comercialização se arrasta na empresa por questões políticas. Ao final dele tecemos algumas considerações e oferecemos links para o aprofundamento da questão da avaliação de risco desta variedade de feijão.
Walter Colli defende em
artigo a liberação de técnica para tratamento de infecção por vírus nas
plantações de feijão, aprovada em 2011 pela CTNBio, e atualmente interrompida
por motivos que, segundo o autor, não se justificam.
Estima-se
que 500 milhões de pessoas na África e na América Latina consomem feijão. Essa
leguminosa é uma das mais importantes fontes de proteínas, cálcio, ferro,
fósforo e vitaminas do complexo B. O Brasil é ainda o maior produtor de feijão,
contribuindo com, aproximadamente, 20% da produção mundial. Os agricultores
familiares são responsáveis por 70% da produção brasileira, ainda insuficiente
para as necessidades de consumo dos brasileiros.
As
plantações de feijão estão sujeitas à infecção pelo vírus do mosaico dourado
(VMDF). Esse vírus é propagado pela mosca branca que pica as folhas para sugar
a seiva e o transmite à planta. Essa doença é altamente infecciosa e
persistente, isto é, quando o inseto adquire o vírus, irá transmiti-lo por toda
a vida. Sabemos que até 3 moscas brancas por planta podem infectar 100% das
plantas no campo. Assim, os agricultores que têm dinheiro fazem em média 16
aplicações de inseticidas para manter a população de moscas bem baixa, não
sendo incomum a existência de produtores que chegam a fazer 80 aplicações
quando o preço do feijão no mercado compensa. No entanto, para os pequenos
produtores o custo de 16 aplicações de inseticida é muito alto. Ademais, o
ideal seria reduzir ao mínimo a aplicação desses inseticidas porque são de
tarja vermelha, isto é, muito tóxicos, além do fato de que as moscas estão
ficando mais resistentes aos diversos produtos existentes no mercado.
Em 2013,
as perdas com o mosaico dourado apenas na região do Distrito Federal e entorno
foram de 15 milhões de reais segundo a Empresa de Assistência Técnica e
Extensão Rural (EMATER-DF). De acordo com a Cooperativa Agrícola Serra dos
Cristais (COACRIS) e o Sindicato dos Produtores Rurais de Unaí as perdas foram
de 202 milhões de reais em Cristalina (GO) e 170 milhões em Unaí (MG),
respectivamente. Por esse motivo a EMATER-DF decretou um vazio sanitário para o
feijão. As multas seriam de R$ 15 mil a R$ 50 mil para os produtores que
descumprissem a ordem de não plantar.
Grupos
de excelentes cientistas da EMBRAPA, há mais de10 anos, vêm se dedicando a encontrar
uma solução para esse problema, que proteja a planta e reduza dramaticamente a
utilização de inseticidas. Utilizando os mais recentes conhecimentos da
Engenharia Genética e da Biologia Molecular, a solução encontrada foi elegante
e simples. Em poucas palavras: as plantas, assim como outros organismos, têm
uma máquina de defesa que reconhece duplas fitas de RNA, quando presentes, e as
destrói gerando pequenos fragmentos de RNA (siRNA). Esses pequenos fragmentos,
se assemelhados às sequências do genoma viral, interferem com a expressão de
uma proteína do vírus necessária à sua maturação. A brilhante inovação dos
cientistas da EMBRAPA foi construir um gene que introduzido no genoma da planta
produz esse RNA, que forma duplas fitas dobrando-se ao meio. A planta produz,
então, com sua maquinaria enzimática própria, os pequenos fragmentos de siRNA
que vão inibir o crescimento do vírus (evento EMBRAPA 5.1).
A
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) em 15/09/2011 emitiu o
seguinte parecer sobre o pedido da EMBRAPA para liberar comercialmente o feijão
5.1: “No âmbito das competências que lhe são atribuídas pelo art. 14 da Lei
11.105/05, a CTNBio considerou que o pedido atende às normas e legislação
vigentes que visam garantir a biossegurança do meio ambiente, agricultura,
saúde humana e animal e concluiu que o feijão Embrapa 5.1 é substancialmente
equivalente ao feijão convencional, sendo seu consumo seguro para a saúde
humana e animal. No tocante ao meio ambiente, concluiu a CTNBio que o cultivo do
feijão Embrapa 5.1 não é potencialmente causador de significativa degradação do
meio ambiente, guardando com a biota relação idêntica à do feijão
convencional”. (Parecer Técnico nº 3024/2011)
(http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/16661.html).
Ocorre
que os estudos de campo visando demonstrar a completa proteção dos feijoeiros
pela nova tecnologia verificaram que a infecção por VMDF mascarava uma outra
infecção por um Carlavirus também transmitido pela mosca branca, menos grave.
Como a
CTNBio já havia aprovado o feijão EMBRAPA 5.1 em 2011 não havia motivos para
não comercializá-lo livrando os agricultores dessa praga altamente deletéria.
No entanto, recentemente tivemos notícia de uma Nota Técnica da EMBRAPA sobre o
Carlavirus que dentre outras coisas diz que a EMBRAPA recomenda a ênfase no
controle da mosca branca por meio de uma combinação do controle químico do
vetor, aliada a medidas como o vazio sanitário, manejo integrado de pragas,
rotação de culturas e eliminação de restos celulares e de plantas espontâneas
hospedeiras da mosca branca; que as pesquisas para o desenvolvimento do feijão
transgênico EMBRAPA 5.1 continuam em paralelo com a busca de soluções para a
eliminação dos danos do Carlavirus e que não há previsão de data para lançamento
da cultura transgênica.
Em
projeto submetido ao Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da EMBRAPA para
desenvolver métodos que contenham o Carlavirus afirma-se que o lançamento da
cultivar transgênica resistente ao VMDF foi postergado, até que se tenham
resultados de pesquisas propostas neste projeto, que envolve as áreas de
Fitopatologia, Entomologia, Biotecnologia, Recursos Genéticos e Melhoramento
Genético do feijoeiro comum, para caracterização do Carlavírus, desenvolvimento
de estratégias genéticas para resistência conjunta ao VMDF….etc. Este projeto
propõe uma data de atuação entre 01/09/2014 a 31/08/2018.
Ora,
seria a mesma coisa que um paciente tivesse concomitantemente câncer e cálculo
renal e o médico esperasse aparecer um remédio para tratar ambos ao mesmo
tempo. É evidente que há competência na EMBRAPA para desenvolver métodos de
combate ao Carlavirus. Mas como em toda proposta científica pode-se ter a
solução em 4 anos, mas pode-se não encontrá-la. Em Ciência é impossível
estabelecer prazos por decreto.
Sabemos
que alguns setores que militam na agricultura rejeitam os transgênicos por
razões que não vêm ao caso comentar aqui. Esses setores são ativos e podem
estar pressionando para não liberar comercialmente o produto. No entanto, é
necessário enfatizar que havendo uma cultivar resistente ao VMDF (o evento
EMBRAPA 5.1), já aprovada pela CTNBio desde 2011, ela deve ser introduzida no
mercado imediatamente. Como diz a pesquisadora Alice Nagata em sua manifestação
sobre a Nota Técnica: “se as pessoas pensassem nessa cultivar gerada por
melhoramento convencional, a resposta seria bem clara: lançamento imediato”,
subentendo-se que por ser transgênica há constrangimentos para a liberação. Em
outro trecho de sua manifestação, diz a pesquisadora: “A cadeia produtiva está
desesperada esperando por essa cultivar. Se a CTNBio, um órgão fiscalizador de
reconhecida idoneidade, aprovou a liberação comercial, não há dúvidas da
segurança biológica dessa cultivar”.
As
empresas que atuam nessa área, obtido um produto resistente a um inseto,
comercializam-no imediatamente e, quando necessário, constroem outro. Havendo
interesse, essas cultivares podem ser combinadas por cruzamentos convencionais
produzindo-se uma planta que contenha todos os eventos combinados. São as
cultivares piramidadas (stacked). Pode-se fazer isso com o Carlavírus quando se
tiver um antídoto para ele e pode-se cruzar o novo evento com o evento EMBRAPA
5.1 e obter uma planta piramidada resistente aos dois vírus.
Por
isso, lançamos um apelo pessoal à alta direção da EMBRAPA para que não protele
a liberação do produto EMBRAPA 5.1, antes que a brilhante ideia de seus
pesquisadores seja desenvolvida por outrem em outros países. São as seguintes
as vantagens: beneficia-se o agricultor que terá mais rendimento, beneficia-se
o Brasil que manterá com folga a sua posição de maior produtor de feijão do
mundo, beneficia-se a Ciência brasileira que já tem orgulho desses cientistas,
uma referência para os demais, que conseguiram fazer no Brasil uma inovação biotecnológica
de alto valor agregado e beneficia-se a EMBRAPA que continuará a ser
respeitada, como sempre foi, pela sua capacidade de inovação tecnológica.
* Walter Colli, é professor colaborador sênior da USP, membro da
Academia Brasileira de Ciências (ABC), diretor tesoureiro da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), e ex-presidente da CTNBio.
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A opinião do Dr. Colli é referendada por todos aqueles que
compreendem a importância desta variedade GM de feijão para este país,
inclusive o autor do blog GenPeace. Para aprofundamento sobre a avaliação de
risco do feijão transgênico da EMBRAPA e dos caminhos (e pedras) que levaram a
sua aprovação leiam:
Feijão é prato principal no Dia de Campo na TV - http://genpeace.blogspot.com.br/2011/08/feijao-e-prato-principal-no-dia-de.html
Segurança do feijão GM da Embrapa: sobre a improvável
existência de siRNA off target - http://genpeace.blogspot.com.br/2013/05/a-interferencia-de-rna-e-um-processo.html
Rota ao dano pelo RNA de interferência no feijão transgênico
da Embrapa - http://genpeace.blogspot.com.br/2013/04/rota-ao-dano-pelo-rna-de-interferencia.html
Avaliação de risco de
OGMs obtidos por tecnologia de interferência de RNA: sistemática da CTNBio e o
caso do feijão Emprapa 5.1 - bch.cbd.int/database/attachment/?id=13795
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