Comentários sobre texto para
um abaixo assinado exortando a CTNBio a não aprovar a liberação comercial do
eucalipto transgênico com crescimento mais rápido
Recentemente uma ONG
internacional veio a público pedir que se assine um pedido à CTNBio para que a
Comissão “não autorize o plantio comercial do eucalipto GM pela Suzano/ FuturaGene ou
por qualquer outra empresa que também tenha feito, ou venha a fazer no futuro,
uma solicitação para essa liberação”.
A coisa começa errada porque a
CTNBio só libera comercialmente o produto com base em considerações de
biossegurança. O Ministério da Agricultura é que autorizará a cultivar para
plantio. Além disso, a ONG mistura preocupações ambientais com sociais e o cenário
vira uma bagunça completa. Vale a pena uma leitura do texto (em vermelho). Meus
comentários seguem em preto.
Para: Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) do Brasil
Nós, abaixo assinados, fomos informados de que a FuturaGene, firma de
biotecnologia de propriedade exclusiva da empresa de papel e celulose Suzano,
apresentou uma solicitação para o plantio comercial de eucalipto geneticamente
modificado (GM).
A Suzano/FuturaGene e outras empresas, como Fibria (ex-Aracruz) e
ArborGen, vêm realizando experimentos de pesquisa e de campo com árvores GM há
anos. O interesse da Suzano/FuturaGene tem sido o de aumentar a produtividade
de suas plantações de árvores. A empresa argumenta que a nova árvore GM irá
resultar em um aumento de 20% na produtividade e, assim, elevar “a
competitividade e os ganhos ambientais e socioeconômicos por meio de maior
produtividade, usando menos terra e, portanto, menos insumos químicos em geral,
com menor liberação de carbono, bem como tornando a terra disponível para a
produção ou a conservação de alimentos, e aumentando a renda dos produtores
integrados”.[1] Essas afirmações contradizem os fatos que serão tratados a
partir das informações a seguir.
ÁRVORES TRANSGÊNICAS AGRAVAM OS PROBLEMAS PROVOCADOS POR PLANTAÇÕES
INDUSTRIAIS DE ARVORES, EM VEZ DE REDUZI-LOS
O uso de árvores GM de crescimento mais rápido em plantações industriais
vai exacerbar os já conhecidos impactos sociais e ambientais negativos causados
pelas plantações industriais de árvores, além de introduzir outros, devido aos
riscos adicionais inerentes à engenharia genética.
Porque? Se as variedades GM crescem
mais rápido, demandam menos terras para a mesma produção, logo a pressão sobre
áreas ainda não empregadas no plantio de eucalipto ou será menor ou igual à
atual (fruto do mercado internacional da celulose). Os impactos sociais serão,
portanto, os mesmos ou menores que os do eucalipto convencional. Os impactos
ambientais serão também menores ou iguais ao do eucalipto convencional, uma vez
que o eucalipto é uma espécie exótica, sem parentes silvestres que possam
cruzar com eles. Além disso, o impacto do pólen transgênico é idêntico ao do
pólen das plantas convencionais, assim como o das demais partes da planta.
Agora, se a área plantada vai aumentar ou diminuir, vai depender do mercado,
não tem nada a ver com a transgenia.
As empresas de plantação industrial de árvores há muito prometem que os
ganhos de produtividade levariam a menos uso da terra. No Brasil, por exemplo,
onde a produtividade das plantações de monoculturas de árvores por hectare
aumentou de 27 m3/ha/ano nos anos 80 para 44 m3/ha/ano
atualmente, a área coberta por plantações cresceu, passando de cerca de 4
milhões de hectares no final daquela década para mais de 7,2 milhões de
hectares hoje em dia. Historicamente, portanto, não há evidências de que o
aumento da produtividade tenha levado à ocupação de menos terra por plantações
industriais de árvores no Brasil. A recém-formada Indústria Brasileira de
Árvores (IBA), que representa a indústria brasileira de plantação industrial de
árvores, afirma que pretende duplicar a área desse tipo de plantação para 14
milhões de hectares até 2020.
A argumentação acima é uma
bobagem: é evidente que uma maior produtividade reduz a demanda por terras, mas
em última instância o que determina a expansão da lavoura é a procura no
mercado. Não dá para tentar esquecer a lei da oferta e da procura, que rege o
mercado desde que o Mundo é Mundo.
SUZANO BUSCA ABRIR NOVOS MERCADOS PARA PLANTAÇÕES DE ÁRVORES
A Suzano abriu recentemente uma nova fábrica de celulose no Maranhão,
com capacidade para 1,5 milhão de toneladas/ano. Serão necessárias enormes
áreas de terras cobertas com monoculturas de árvores para atender à atual
demanda da Suzano por celulose, bem como a demanda adicional, especialmente
seus planos de explorar novos usos da madeira com um projeto no mesmo estado,
para produzir e exportar pellets para produção de energia, a
serem queimados em conjunto com carvão no Reino Unido. O uso de biomassa para
produzir energia em escala industrial continua muito polêmico, e seus impactos
sociais, ambientais e climáticos negativos já foram bem documentados.
Porque o transgênico agravaria
este quadro? Não há razão alguma para isso.
O POVO E MEIO AMBIENTE BRASILEIROS SERÃO PREJUDICADOS
Tanto o projeto de celulose quanto o de pellets visa
exclusivamente lucrar com novas oportunidades de mercado – que é a missão de
Suzano. Enquanto os lucros dessa expansão revertem para os acionistas da
empresa, os custos sociais, ecológicos e econômicos, bem como o aumento do risco
para a soberania alimentar regional e a saúde serão suportados pelo povo
brasileiro, e principalmente pelas comunidades locais cercadas por plantações.
Já existem numerosos e graves conflitos pelo acesso à terra, e as condições de
vida das comunidades cercadas pelas operações da Suzano se deterioraram a ponto
de muitas delas estarem lutando para garantir sua soberania alimentar e
correrem cada vez mais riscos de perder seus territórios[2].
O impacto da monocultura é
grande, mas isso nada tem a ver com o fato dela ser transgênica ou não.
CULTIVOS TRANSGÊNICOS LEVAM A UM AUMENTO DA APLICAÇÃO DE AGROTÓXICOS
Além disso, não há razão plausível para esperar que o uso de “insumos
químicos”, incluindo agrotóxicos, diminua como resultado do plantio de árvores
GM. Pelo contrário, ele aumentará com a crescente ocupação do solo que está
planejada e a intensificação dos ciclos de cultivo e o consequente esgotamento
da terra e dos nutrientes. O Brasil, infelizmente, já é o principal consumidor
mundial de agrotóxicos, causando prejuízos a centenas, senão milhares, de
vítimas por ano, aumentando a pressão sobre os já insuficientes serviços de
saúde pública. As monoculturas industriais de árvores, carentes de
biodiversidade e promovidas em escala muito grande, vão aumentar em muito a
aplicação de agrotóxicos. Já foi provado que é falso o argumento usado pelo
lobby da tecnologia GM, de que a introdução dessas culturas – como soja e milho
– resulta em menor uso de pesticidas e fertilizantes. Em países como Brasil,
Argentina e Estados Unidos – pioneiros na produção de soja e milho GM – a
pesquisa mostrou não uma diminuição, mas sim um aumento alarmante no uso de
agrotóxicos.[3]
Botando todos os transgênicos
no mesmo balaio esta OGN quer fazer de tolos os leitores: o eucalipto em
questão não pede nem mais nem menos defensivos agrícolas que o não GM. Além
disso, é evidente que uma planta GM resistente a insetos demanda MENOS
inseticida. Os dados que eles mostram, globais, são muito discutíveis e há
várias publicações sérias mostrando exatamente o contrário.
ESGOTANDO O SOLO E AS RESERVAS DE ÁGUA
Modificar geneticamente as árvores para fazê-las crescer mais rápido,
enquanto se planta em uma porção de terra em contínua expansão em plantações
industriais de árvores cada vez maiores, só vai levar a um maior esgotamento
dos nutrientes do solo e da água doce. Isto se aplica principalmente ao
eucalipto, já famoso por seu voraz consumo de água, que mostrou causar secagem
total de solos, nascentes e cursos d’água ao seu redor. As comunidades que
vivem em torno de plantações de árvores não geneticamente modificadas, dentro e
fora do Brasil, já fizeram muitos relatos de escassez de água e esgotamento do
solo. A introdução de árvores GM de crescimento mais rápido só irá agravar
ainda mais esta situação.
Agrava mais porque, se ela
converte melhor os nutrientes e a água em madeira? Quanta bobagem!
IMPACTOS NEGATIVOS INESPERADOS DE CULTIVOS TRANSGENICOS PODEM SER AINDA
PIORES COM ÁRVORES TRANSGÊNICAS
Existem graves incertezas com relação aos potenciais impactos ambientais
e socioeconômicos das árvores geneticamente modificadas. Já foram relatados
impactos inesperados das culturas alimentares GM, incluindo a proliferação de
ervas daninhas resistentes a herbicidas, o surgimento de pestes secundárias que
dizimam os cultivos, mudanças na fertilidade, como taxas mais elevadas de
cruzamento, além de maior alergenicidade. Considerando-se o ciclo de vida longo
e muitas vezes complexo das árvores e sua interação com a biodiversidade, é
praticamente impossível prever as consequências e os impactos das árvores
geneticamente modificadas. Embora não seja nativo do Brasil, o eucalipto é
plantado com frequência, e a contaminação de eucaliptos não transgênicos pelo
eucalipto GM é outro risco grave, embora a FuturaGene, paradoxalmente, aponte-o
como algo positivo.[4] Alterará o caráter invasivo, atrairá novas pestes,
enfraquecerá ou deterá os predadores? Essas perguntas nunca foram feitas e não
há dados para respondê-las. O catálogo de riscos é alto.
O “catálogo de riscos” NUNCA
se concretizou e nunca foi sequer reconhecido como tal pelas agências de
avaliação de risco no Mundo. As tais “incertezas” foram reduzidas ao longo
destes 15 anos de intenso uso de plantas GM pelo Mundo a fora. Hoje não existem
mais os “impactos negativos inesperados”, que é a forma final do argumento do
desesperado: se não há provas de danos, eu invento um risco hipotético, que nem
preciso citar, mas apenas dizer que um dia vai se concretizar, em algum lugar,
provocando algum dano...
Com base no histórico das plantações industriais de árvores e na
introdução de culturas GM em geral, negamos a alegação da indústria de que a
sociedade como um todo se beneficiaria da liberação comercial e do plantio de
árvores GM. As evidências existentes apontam diretamente na direção oposta. O
único benefício que vemos nesta nova tecnologia de alto risco com impacto
futuro desconhecido (e um possível custo incalculável) é o de maiores lucros
para os acionistas da Suzano.
Outra vez, se o transgênico
vai ser ruim para a sociedade, não será pior que o convencional. Se,
economicamente for mais vantajoso, será adotado por quem se interessar.
DEMANDAMOS NÃO AUTORIZAR O PLANTIO COMERCIAL DE ÁRVORES TRANSGÊNICAS
Pelas razões acima mencionadas, cientistas, advogados e organizações do
mundo todo estão pedindo uma moratória global sobre a liberação comercial de
árvores geneticamente modificadas, devido aos seus impactos sociais e
ecológicos desconhecidos, mas potencialmente graves, e seus riscos econômicos
incalculáveis, que recairiam esmagadoramente sobre o público.
Portanto, as organizações e pessoas abaixo-assinadas desejam
expressar sua profunda preocupação e exortar a CTNBio a não autorizar o plantio
comercial do eucalipto GM pela Suzano/FuturaGene ou por qualquer outra
empresa que também tenha feito, ou venha a fazer no futuro, uma solicitação
para essa liberação.
Aqui, mais uma vez, a ONG bota
o eucalipto no mesmo balaio de todas as futuras árvores transgênicas, neste
país ou no Mundo. É uma bobagem: a avaliação de risco é sempre caso a caso e um
eucalipto traz riscos (ou não os traz) muito diferentes de um cajueiro ou de
uma laranjeira. Além disso, a CTNBio só avalia os riscos de danos causados
DIRETAMENTE pelo OGM. Até agora, a Comissão não viu risco algum; ela não pode
nem deve se preocupar com a tecnologia: quem vê isso é o Conselho Nacional de
Biossegurança.
Conclusão: toda a argumentação é distorcida e sem sentido quando a questão é o eucalipto GM contra o convencional. Mas será repetida pelos papagaios de plantão, podem ter certeza, vendida como a mais pura verdade e comprada como tal pelos bobos que todo dia saem à caça de novidade na internet.