Por que esconder a parte mais importante da decisão dos desembargadores? A resposta vai ficar óbvia depois da leitura deste post.
O que está na notícia?
Está divulgado numa porção de portais e blogs: o
Tribunal Regional Federal da 4ª Região proibiu ontem (13 de março de 2014) a
venda do milho transgênico Liberty Link, produzido pela Bayer, nas regiões
Norte e Nordeste do país. A venda só poderá ocorrer após estudos serem
apresentados à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). O desembargador Alfredo Silva Leal Júnior determinou
que a comissão edite norma quanto aos pedidos de sigilo das empresas sobre
informações de interesse comercial, prevendo um prazo para analisar os dados e
decidir quais devem ser resguardados.
Analisando a notícia, à luz do que aconteceu nos
últimos anos e tendo em vista o que a ação pretendia, o que se pode concluir?
Primeiro: o milho LL não é plantado na região
Nordeste e muito menos na Norte.Na verdade, ele nunca foi comercializado no Brasil.... Para substituí-lo
nestas regiões há várias outras variedades transgênicas mais modernas, que
estão autorizadas. Portanto, esta proibição quase nada afeta o comércio nem a
adoção da biotecnologia agrícola no Brasil (ver http://agro.gazetadopovo.com.br/noticias/agricultura/milho/veto-a-milho-transgenico-nao-afeta-mercado/).
Segundo: o parágrafo 4º. do inciso XXII do artigo
14 da lei de biossegurança diz que “a decisão técnica da CTNBio deverá conter
resumo de sua fundamentação técnica, explicitar as medidas de segurança e
restrições ao uso do OGM e seus derivados e considerar as particularidades
das diferentes regiões do País, com o objetivo de orientar e subsidiar os
órgãos e entidades de registro e fiscalização, referidos no art. 16 desta Lei,
no exercício de suas atribuições.” Em nenhum momento a lei diz que experimentos
têm que ser realizados em todos os biomas. Nas normas da CTNBio, pede-se que as
empresas mostrem evidências de que as considerações de risco aplicam-se ás
regiões representativas da cultura da planta. Ora, o Nordeste e o Norte não são
áreas com vocação para milho, a menos que haja uma tecnificação importante da
lavoura. Nestes casos, o resultado é que a área termina por ser muito semelhante
às demais áreas onde se planta milho no país. Como o milho não tem parentes
silvestres em nenhuma região do Brasil, nem é área de diversidade secundária
(os milhos crioulos são importantes como variedades comerciais, nada tendo a
ver com a diversidade silvestre), não faz na verdade diferença onde será
plantado para a questão do risco ambiental. Este foi e é o entendimento da
CTNBio em todos os seus pareceres para liberação do milho, mesmo que não esteja
explícito nos resumos publicados.
Terceiro: os estudos exigidos já estão disponíveis.
Quarto: a questão do sigilo ultrapassa em muito a
mera vontade de trazer ao público todas as informações e permeia o complicado
campo da proteção industrial. Além disso, os dados são sigilosos para o
público, mas não o são para os membros da CTNBio e assessores que assinaram o
termo de confidencialidade. Entretanto, deve-se lembrar que na liberação
comercial essencialmente nada mais é confidencial exceto algum dado molecular
muito específico que pode representar uma invenção adicional ao detentor da
tecnologia. A CTNBio analisa os itens sigilosos da mesma forma que faz com os
não sigilosos. Por fim, a CTNBio tem uma política clara de tratar com o sigilo,
instruída pela Advocacia Geral da União e em completa sintonia com a lei do
país.
Em resumo, o que aparece na notícia sobre a decisão
do Tribunal reforça o que já é prática na CTNBio e no país e não afeta de forma
importante a cultura do milho nem os procedimentos da Comissão,
E o que não está na notícia?
Primeiro de tudo, o Brasil e o México entraram
tardiamente no grupo dos países que plantam ou consomem o milho LL (ver tabela
abaixo). Quando a CTNBio fez a avaliação de risco,já havia uma enorme
experiência com esta variedade de milho no Mundo. Claro, o país tem suas
particularidades, mas em relação a uma espécie exótica, como o milho, ele não á
diferente da maioria dos países onde se cultiva largamente esta cultura. Por
isso, muitos dados podem ser transportados, o que está de acordo com as
convenções e acordos internacionais sobre o tema. Portanto, a alegada falta de
estudos que possam embasar a avaliação de risco é falsa.
País
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Plantio
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Alimento
e/ou ração
|
Alimento
|
Ração
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1998
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1998
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1998
|
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2002
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2007
|
2007
|
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1996
|
1997
|
1996
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2004
|
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2012
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1998
|
1998
|
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1997
|
1997
|
1997
|
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2003
|
2004
|
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2007
|
||||||
2003
|
2003
|
|||||
2001
|
||||||
2002
|
||||||
1995
|
1995
|
Em segundo lugar, os dados obtidos no país e apresentados à
CTNBio, associados àqueles disponíveis na vasta literatura sobre o milho e sobre
a proteína PAT (que confere ao milho LL a tolerância a herbicidas à base de
glufosinato de amônio), permitiram à CTNBio chegar a conclusão idêntica a das
demais agências de risco que se debruçaram sobre esta questão: não há riscos
distintos entre o milho LL e os milhos não geneticamente modificados.
Em terceiro lugar, o processo que estava no TRF4 pedia algo
muito mais sério do que aparece na notícia: a revogação das normas de coexistência entre milhos transgênicos e
variedades convencionais, editada pela CTNBio, e a suspensão da comercialização de qualquer milho transgênico no Brasil até
que novas normas fossem promulgadas. As informações sobre o fluxo de pólen e o
manejo agronômico de variedades de milho estão contidas no documento publicado
pelo MCTI denominado “Milho Geneticamente Modificado - Bases Científicas das
Normas de Coexistência entre Cultivares”, disponível em
http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/17988.html. Elas estão baseadas na melhor ciência e foram
adotadas como a base para a redação das normas coexistência entre culturas de
milho GM e convencional em muitos países do Mundo, inclusive no Brasil. O documento
citado foi elaborado à época da publicação da Norma de Coexistência, objeto de
consideração do TRF4, e descreve ou comenta os experimentos realizados por
grupos de pesquisa em todo o Mundo sobre fluxo de pólen e manejo do milho. O
documento também avalia o contraditório para todos os aspectos relevantes à
coexistência.
Como um dos autores do documento e como ex-membro da CTNBio
por seis anos (2012-2016), julgo que estão corretas as medidas preconizadas
pela CTNBio para reduzir o fluxo gênico entre variedades de milho. Havendo
acompanhado o assunto nos últimos 5 anos, estou convencido que não há,
efetivamente, casos de “contaminação” de cultivos convencionais ou crioulos por
transgenes, que tenha a necessária comprovação técnica de qualidade. O que vi
nesta meia década foi um conjunto bastante heterogêneo de pretensas evidências,
sem a necessária metodologia de avaliação. Desta forma, agradeço aos
procuradores do TRF4, em nome de meu país que tanto carece da melhor tecnologia
agrícola, a decisão de não dar provimento ao pedido de suspensão da
comercialização de todos os milhos GM e da revogação da norma de coexistência,
feito pela AS-PTA e seus parceiros. Admito como perfeitamente válido que se
lute pelo fortalecimento da agricultura familiar e pela adoção de novas formas
de agricultura, que garantam boa produtividade e tenham baixo impacto
ambiental, mas discordo que isso tenha que ser feito usando subterfúgios legais
e má ciência. Que a AS-PTA traga a público os exemplos de sucesso, com
metodologia clara de avaliação, e convencerá a todos com muito mais facilidade
e de forma muito mais democrática do que procurando impedir que os demais
agricultores trabalhem e ganhem seu dinheiro.
Sou Engenheiro Agrônomo há 24 anos e eu trabalho com Agricultura Familiar há 18 anos e oque esses agricultores tem como seu maior patrimônio de tirar seu sustento da terra e permanecer nela é a semente, (principalmente a semente crioula) no entanto, quanto a semente transgênica eu tenho a plena certeza que ela deve ser melhor estudadas e testadas nos campos experimentais para depois serem comercializadas.
ResponderExcluirEsdras, obrigado pelo seu comentário. Eu concordo com você no fato de que o pequeno agricultor tem muito apreço às sementes que mantem, sejam elas crioulas ou variedades outras. É um pouco como o criador tem apreço a suas matrizes. Comprar sementes pode ser uma soluçäo descartada por muitos deles porque confiam nas que mantêm, porque o custo é muito baixo e porque as incertezas na colheita e a produtividade não justificam a compra de sementes caras. Isso é particularmente verdadeiro se for milho a cultura. Mas se fiorem hortaliças ou mesmo fruteiras, é muito comom a compra de sementes, mesmo pelo pequeno agricultor. Um caso também bem comum é o plantio de feijão a partir de sementes distribuídas pelos órgãos de governo. Então, não acho que seja razoável extrapolar o raciocínio do milho para todas as outras culturas.
ResponderExcluirQuanto à preservação in situ das variedades de milho, os agricultores têm conseguido levar a frente suas variedades na presença de milho comercial durante muitas décadas. A presença dos transgênicos na roça do vizinho, em termos de riscos para a perda da identidade da variedade crioula de um agricultor, é igualzinha à presença de qualquer variedade que não seja igual à dele. Nas minhas visitas as produtores de milho observei que usam tanto o isolamento temporal (muito efetivo) quanto o isolamento físico, procurando coletar suas sementes de plantas onde o risco de cruzamento com variedades indesejadas seja mínimo. Este procedimento tem garantido uma certa identidade de germoplasmas, mas pode haver embaralhamento nas tais feiras de sementes e pir trocas com outros agricultores. Estas práticas, sim, são danosas oorque podem trazer alelos indesejados à variedade, além de doenças, claro.
Em resumo, eu estou convencido (mas posso mudar de opinião se me provarem o contrário) que é perfeitamente possível a coexistência pacífica entre produtores que usam suas próprias sementes e os que as compram. Isso tem sido uma realidade desde a década de 50, quando chegaram aqui os milhos melhorados do Corn Belt. Não vejo nada nos transgênicos que mude este quadro.
Quanto à segurança destes milhos transgênicos, a decisão da CTNBio não está isolada no Mundo. Na verdade, quase nunca fomos os primeiros a aprovar uma certa variedade e os demais países que aprovaram, quse todos grandes produtores como nós, nos antecederam em muitos anos. A quantidade de informação gerada sobre os milhos geneticamente modificados é imensa e 99,5% de tudo que foi oublicado mostra que estes milhos são seguros e que a coexistência é possível. Deixemos, pois, ao agricultor a decisão de comprar sementes ou de usar seus grãos como tal.
Cordiais saudações.
Paulo Andrade
Esdras, compreendo que haja uma dose extra de precaução quando a questão é liberar plantas transgênicas. Mas a liberação é antecedida de uma avaliação de risco, que leva em conta um vasto volume de dados. A CTNBio faz no Brasil o mesmo que muitas agências de risco fazem no exterior. E o Brasil nunca esteve sozinho em sua decisão de liberar uma planta GM, exceto no caso do feijão da Embrapa, por que esta cultura é importante apenas aqui e em mais uns poucos países da América Latina. Para se ter uma ideia de que países liberaram as mesmas plantas transgênicas que nós, você pode consultar http://genpeace.blogspot.com.br/2014/03/a-ctnbio-nao-decide-diferente-dos.html.
ResponderExcluirCordialmente,
Paulo Andrade