domingo, 2 de março de 2014

herbicidas e surfactantes: toxicidade mal avaliada ou mais uma história do Séralini e sua trupe?

Recentemente Séralini e seus parceiros do CRIIGEN publicaram um novo artigo mostrando uma importante toxicidade diferencial entre os princípios ativos de vários herbicidas e suas formulações comerciais (ver http://www.hindawi.com/journals/bmri/2014/179691/) . E afirma que tudo o que se diz sobre a toxicidade dos produtos comerciais é mentira.  Como sempre, o Dr. Séralini sabe escrever seus artigos num tom apocalíptico, adicionando seus resultados (muitas vezes produzidos com metodologia errada) a conclusões que não podem ser tiradas deles. Além disso, sempre acrescenta pitadas de informações falsas e omite dados importantes.

Neste caso, os produtos comerciais têm, além do produto ativo e de um emulsificante, muitos outros químicos adicionados. Porque o ilustre professor não os testou todos? Além disso, as formulações comerciais são sempre diluídas em água ou outro solvente adequado, em geral numa proporção de 25 ml para 100 litros, ou seja, 1/40.000, antes de serem aplicados. Cada 100 litros desta calda são aplicados numa superfície bastante grande, ela mesma ampliada em ao menos uma ordem de grandeza pela sobreposição de folhas, natural nas plantas. O resultado é que a concentração que cada célula percebe é muitas ordens de grandeza inferior ao cálculo grosseiro feito pelo autor e seus parceiros.

Uma tremenda inverdade, publicada pelos autores, é a de que os emulsificantes não são regulados. É evidentemente que são! Não apenas nos EUA, mas nos outros países do Mundo.
Além disso, como no caso dos ratos Sprague Dawley da publicação anterior, o modelo empregado não permite tirar conclusões sobre a toxicidade dos produtos para o homem ou os animais: as células jamais verão o produto diluído em DMSO e nunca estarão imersas em meio de cultura. É uma situação inteiramente irreal e as conclusões que se pode tirar sobre a segurança destes herbicidas são realmente nulas.

O máximo que se poderia concluir é que alguns adjuvantes (na verdade, toda a mistura da formulação) são mais tóxicos que os princípios ativos aos quais servem de veículo. Bom, e daí? A toxicidade dos herbicidas e inseticidas é testada não apenas com o princípio ativo, mas também com o produto formulado. Apenas o método de testar é outro muito diferente, porque este, proposto pelo Séralini e sua trupe, não é válido.

Só como um exemplo, vejam o estudo com peixe (Uren Webster TM, Laing LV, Florance H, Santos EM.  Effects of Glyphosate and its Formulation, Roundup, on Reproduction in Zebrafish (Danio rerio). Environ Sci Technol. 2014 Jan 21;48(2):1271-9. doi: 10.1021/es404258h. Epub 2014 Jan 9 – link http://pubs.acs.org/doi/pdf/10.1021/es404258h) , lembrando entretanto que o Roundup não deve ser aplicado na água nem onde a possibilidade de deriva leve o herbicida para coleções de água. Para uma revisão dos ensaios de toxicidade com herbicidas, leia-se:
Kier LD, Kirkland DJ.
Crit Rev Toxicol. 2013 Apr;43(4):283-315. doi: 10.3109/10408444.2013.770820. Epub 2013 Mar 12. Review.

Williams AL, Watson RE, DeSesso JM.
J Toxicol Environ Health B Crit Rev. 2012;15(1):39-96.

Mink PJ, Mandel JS, Sceurman BK, Lundin JI.
Regul Toxicol Pharmacol. 2012 Aug;63(3):440-52.

Burns CJ, Swaen GM.

Crit Rev Toxicol. 2012 Oct;42(9):768-86

É valida então a pergunta: como é que, mais uma vez, um artigo com tal quantidade de impropriedades é aceito e publicado numa revista com índice de impacto 2,8?  Desta vez tempos dois toques picantes:
a)      um dos editores da revista, Ralf Reski, da Universidade de Freiburg, na Alemanha, assim que soube que um artigo do Séralini havia sido aceito pela revista da qual era editor, pediu imediatamente sua exclusão do corpo editorial e a retirada do seu nome do site da revista;
b)      o editor responsável pela área de interesse do paper parece ter sido o brasileiro  Bruno C. Cavalcanti recém-doutor da Universidade Federal do Ceará e empresário em biotecnologia (http://lattes.cnpq.br/5431203157672972) . Ele tem excelente produtividade, mas ainda não tem talvez a manha para ser um editor, cargo sempre muito espinhoso. A pergunta que fica é - como pode uma revista "séria" ter um recém-doutor entre seus editores? E como pode colocar um artigo de autor tão controverso nas mãos de um profissional pouco experiente? Vai dar o que falar...

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