Saiu!
Depois de quase 3 semanas saiu uma réplica feita pela presidência da CTNBio à carta que o COSEA enviou à Presidente Dilma. Atendendo ao pedido expresso do presidente da CTNBio,Dr. Edilson Paiva, postamos a réplica aqui. O link para o original na CTNBio está abaixo:
http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/16395.html
Boa leitura.
Brasília, 01 de Agosto de 2011.
Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia,
Na qualidade de Presidente da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) dirijo-me a Vossa Excelência para apresentar análises e comentários sobre a Exposição de Motivos no 009-2011 do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) datada de 7 de julho de 2011, assinada pelo presidente Renato Maluf e amplamente divulgada. Na certeza de que nossos argumentos serão apreciados, encaminho este documento a Vossa Excelência para esclarecimento dos fatos.
Nós da CTNBio estamos habituados com preconceitos e equívocos relacionados à ciência promovidos por entidades da sociedade civil e por profissionais dos órgãos de imprensa que se opõem sistematicamente ao avanço da biotecnologia no Brasil. No entanto, foi com estupefação que tomamos conhecimento de documento dirigido à Presidenta Dilma Rousseff e a Vossa Excelência por parte do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) com a sugestão de “proibição da liberação comercial do feijão transgênico e demais Organismos Vivos Modificados (OGMs)”, dentre outras.
Destaco que a semente de feijão transgênico mencionada foi desenvolvida exclusivamente por cientistas brasileiros da maior empresa de pesquisa agropecuária do Hemisfério Sul, a Embrapa. Esse desenvolvimento tem sido objeto recente de elogios em eventos científicos internacionais pela sua importância e pelo potencial de transferência de tecnologia para outros países. Seu diferencial é a resistência ao vírus do mosaico dourado. O mosaico dourado é transmitido por um inseto popularmente conhecido como “mosca branca”. A doença do mosaico dourado devasta plantações de feijão em todas as regiões brasileiras. Portanto, a utilização de sementes de feijão geneticamente modificado com resistência ao mosaico dourado possui um potencial importante, pois garante proteção contra o vírus, o que deverá, inclusive, reduzir a aplicação do inseticida largamente utilizado para combater seu transmissor.
O feijão é o segundo alimento de maior média de consumo diário per capita no Brasil e tem 70% da produção nacional proveniente de estabelecimentos de agricultura familiar. Consideramos que o feijão com resistência ao mosaico dourado desenvolvido pela EMBRAPA deveria ser orgulho nacional e elevado a símbolo do importantíssimo Plano Brasil Sem Miséria já que é produto de competência e capacidade tecnológica totalmente nacionais e tem evidentes vantagens produtivas, ambientais, sociais e de segurança alimentar.
O documento do CONSEA é repleto de equívocos e acusa de forma deselegante outro órgão do governo, a CTNBio, legitimamente constituída por força de lei, violando assim preceitos éticos que deveriam ser observados entre órgãos do Estado brasileiro. Assim, nos primeiros parágrafos de sua diatribe insinua que a CTNBio atropela marcos legais e não obedece a compromissos internacionais, sem apresentar fatos que comprovem qualquer violação, repetindo ad nauseam o discurso de elementos interessados em levantar obstáculos ao progresso científico e tecnológico genuinamente brasileiros, alinhando-se dissimuladamente com ONGs estrangeiras atuantes no Brasil.
O documento ainda afronta a CTNBio imiscuindo-se em assuntos de sua economia interna, como nas discussões sobre modificações de suas resoluções normativas, que devem ser aprovadas soberanamente pelo plenário da Comissão e apreciadas quanto a oportunidade e conveniência pelo Ministro da Ciência e Tecnologia, cabendo observar princípios e diretrizes fixadas pelo Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS). Quanto a estudos de segurança alimentar, a CTNBio segue diretivas internacionais como aquelas preconizadas pelo Codex Alimentarius da FAO, além da experiência internacional de 15 anos de amplo uso seguro de alimentos transgênicos em várias partes do mundo. É imperioso ressaltar que já são 29 países plantando transgênicos no mundo numa área acumulada de 1 bilhão de hectares, que é uma área maior do que o território da China ou dos EUA. Somente em 2010, a área plantada no mundo por 15.4 milhões de agricultores, 90% deles agricultores familiares, foi de 150 milhões de hectares.
O documento alega que a liberação comercial do feijão da EMBRAPA resistente ao vírus do mosaico dourado está sendo proposta baseada "em estudos insuficientes", afirmando também que os estudos de fluxo gênico são "escassos" e que os pesquisadores "desconhecem" as razões para o "funcionamento do gene", numa demonstração pública de ignorância exemplar da tecnologia em análise. Esta última alegação é insubsistente e reproduz, mais uma vez, a campanha persistente de desinformar e enganar a opinião pública sobre a moderna tecnologia de transformação gênica.
Em mais uma adjetivação vazia, a mensagem do CONSEA afirma que há escassez de estudos. Na verdade, a documentação que apoia o pedido de liberação comercial do feijão geneticamente modificado da EMBRAPA, ainda sob apreciação da CTNBio, é bastante robusta, tendo sido elaborada por várias unidades da EMBRAPA, trabalhando em colaboração por uma dezena de anos e envolvendo quase uma centena de pesquisadores brasileiros. Essa documentação compõe um processo oficial e público com aproximadamente 500 páginas.
Sobre a questão de segurança alimentar, a afirmação é completamente desprovida de sentido, já que o feijão geneticamente modificado da EMBRAPA tem exatamente as mesmas proteínas e as mesmas concentrações médias de nutrientes que o feijão convencional. Nenhuma proteína suplementar foi-lhe incorporada, mas mesmo assim, em obediência ao princípio da precaução, foram realizados testes de toxicidade e alergenicidade, com resultados negativos.
Quanto ao fluxo gênico, há uma grande massa de informação científica sobre esta questão, dentro e fora do processo da EMBRAPA. Além disso, cumpre ressaltar que o feijão não é uma planta nativa do Brasil, que sequer é centro de diversidade desta espécie.
Em continuação, o documento do CONSEA apresenta a surpreendente alegação de que a existência de muitas variedades de feijão pesquisadas e mantidas pela EMBRAPA, inclusive para cultivo orgânico, seria um argumento para não desenvolver o feijão resistente ao vírus. Essa argumentação revela o alto grau de desconhecimento do CONSEA sobre agricultura e ciência agronômica, pois, o melhoramento convencional não conseguiu até o momento obter um feijão resistente à doença viral, conforme demonstrado por especialista independente em audiência pública sobre o processo ocorrida em maio deste ano. É importante enfatizar que os riscos de insegurança alimentar causados por essa doença são substanciais, pois, as perdas estimadas de produção devidas ao vírus seriam suficientes para alimentar entre 9 a 21 milhões de brasileiros a cada ano. É inacreditável que o CONSEA desconheça esse fato.
A frase do documento do CONSEA, in verbis: "...a... liberação comercial desse feijão transgênico, que certamente será demandador de uso de agrotóxicos" revela total incompreensão do que supõe estar analisando. É uma afirmação que deveria envergonhar qualquer entidade, mormente por ter sido encaminhada à Presidenta da República. A construção gênica utilizada tem a ver apenas com a resistência ao vírus. Quanto às demais características o feijão transgênico é idêntico aos feijões convencionais.
O constructo do CONSEA também sugere que o feijão nacional geneticamente modificado da EMBRAPA "levaria à gradativa eliminação das variedades em uso e à perda de soberania dos agricultores e consumidores locais". Outra afirmação descabida. A produção de sementes convencionais normalmente continuará a atender a demanda do mercado. Nada muda, essencialmente, em relação ao mercado atual, exceto pela vantagem que este feijão possa dar ao agricultor, seja ele pequeno, médio ou grande e, consequentemente, ao consumidor. Com argumentos sem fundamentos científicos, o CONSEA aventura-se pressionar o Governo a proibir algo que deve ser uma OPÇÃO do agricultor e que pode lhe trazer benefícios. Impõe-se, assim, um dirigismo deletério à economia de mercado, numa manobra que fere a liberdade de escolha do brasileiro e atua contra nossa segurança alimentar e soberania tecnológica, pois, se não nos apropriarmos desse avanço tecnológico, outro país, provavelmente uma empresa, o fará.
O ponto seguinte levantado pelo CONSEA é a afirmação de que a CTNBio aprovou todos os pedidos de liberação comercial a ela encaminhados, e "assumiu um caráter de entidade facilitadora das liberações comerciais de OGMs no Brasil" (sic), sugerindo portanto que a Comissão não tem critérios. A afirmação falta à verdade. Em primeiro lugar, empresa ou entidade alguma leva à análise da CTNBio um produto mal estudado e que possa trazer riscos não negligenciáveis à saúde ou ao ambiente, porque a possibilidade de comprovação de danos vai trazer prejuízos imensos ao detentor da tecnologia e aos produtores de sementes. Quando uma empresa ou entidade avalia que há objeções técnicas e científicas ao seu produto o próprio interessado antecipa-se para retirar o pedido antes que haja deliberação negativa, como já aconteceu. Em segundo lugar, a simples consulta a documentos da CTNBio evidenciará as inúmeras decisões contrárias, restritivas e diligências rigorosas no tocante a liberações comerciais, liberações planejadas no meio ambiente, relatórios de instalações credenciadas, relatórios de monitoramento e pedidos de importação/exportação de OGM. Por zelo, e não por desleixo da CTNBio, os pedidos que alcançam o Plenário da Comissão tendem a ser aprovados, ainda que isso tome muitos meses ou mesmo anos de análise. Outro fator decisivo neste cenário, é a segurança jurídica que o avanço da legislação garantiu mediante a adoção de critérios científicos e papéis bem definidos na esfera administrativa. Além disso, a CTNBio leva em conta a opinião de todos os seus membros, mas, sendo uma comissão científica, não trabalha por consenso, e sim por maioria. Os votos discordantes são consignados mesmo se houver ausência de argumentos científicos pertinentes à avaliação de risco, que é a função única da CTNBio. Ademais a grande maioria do que foi aprovado no Brasil já passou pelo crivo independente das entidades regulamentadoras dos EUA, Canadá, Japão, União Européia. Os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente da Holanda convidaram em 2009 o presidente anterior da CTNBio (Prof. Walter Colli) para participar de reunião onde compareceram todos os membros da União Européia e o Brasil foi apresentado como exemplo de país com uma Lei moderna (Lei no 11.105 de 24/03/2005) e cuja a correta aplicação no processo de avaliação dos OGMs pode resultar em eficiência e segurança.
Reiteradamente o CONSEA alega desrespeito ao Princípio da Precaução na interpretação estreita que o coloca como impeditivo de qualquer inovação a menos que se tenha 100% de certeza de que nenhum efeito adverso virá a ocorrer. É óbvio que esta interpretação do princípio é absolutamente impraticável e sendo inclusive contrária aos interesses humanos e à busca de soluções para os problemas ambientais. Podemos usar o princípio a favor da tecnologia. Deveríamos perguntar: qual a perda para os agricultores brasileiros se deixarmos que o vírus afete a produtividade do feijão? Como este prejuízo se compara com os alegados e não comprovados potenciais danos à saúde ou ao ambiente?
Finalmente, pede o CONSEA a "proibição da liberação comercial do feijão transgênico e demais Organismos Vivos Modificados (OGMs)". É necessário enfatizar que essa solicitação - de cunho obscurantista - não só é extremamente lesiva ao desenvolvimento de nossa agricultura na direção do futuro, mas também de nossa Ciência, pois, uma proibição desse tipo aniquilaria a possibilidade de aplicação da engenharia genética a inúmeros problemas. A China pesquisa ativamente as plantas geneticamente modificadas desenvolvendo, por exemplo, arroz resistente a herbicida e a Índia produziu uma batata transgênica com cerca de 25% mais proteína e com melhor produtividade. Na Europa, muitas resistências estão sendo superadas e, em 2010, a Suécia e a Alemanha aprovaram o plantio de batatas transgênicas.
Aqueles que diziam ser contra os transgênicos por serem produzidos por gigantes multinacionais perderam esse argumento com o desenvolvimento do feijão transgênico da EMBRAPA e agora querem, com a mesma força e veemência, barrar um produto orgulhosamente produzido em uma instituição pública por cientistas brasileiros, tendo sua segurança alimentar e ambiental absolutamente avaliadas e podendo se transformar numa fonte de royalties para o país. Além, de ser um importante fator de segurança e equilíbrio alimentar e ambiental, o mesmo será considerado um grande feito intelectual e científico da Ciência Brasileira.
É preciso refutar a posição do CONSEA que, ao pedir a proibição de todos os OGMs no país, alinha-se ao interesse de ONGs estranhas ao Brasil. Essa posição é contrária ao nosso desenvolvimento autônomo e extremamente prejudicial à eficiência e à modernização da agricultura e da pecuária e, mais importante, de nossa segurança alimentar.
Edilson Paiva
Presidente
CTNBio
Com cópia
Exma. Sra. Dilma Vana Rousseff - DD. Presidente da República
Presidente do CNBS
Presidente da EMBRAPA
Presidente do Consea