A postagem original (http://climatologiageografica.com/transgenicos-ponto-final/) saiu faz pouco tempo. Texto claro, com muita informação e, surpreendentemente, escrito por um rapaz de 16 anos, nordestino, residente em Campina Grande (PB). Sugiro a leitura atenta: é impressionante como um jovem que ainda nem ingressou na universidade possa ter mais bom senso do que vários doutores em ciência que conheço e que parecem infringir o método científico todo o tempo, além de desrespeitar as regras bases do debate científico, tão claramente expostas aqui .
Só o título peca: não há ponto final nesta discussão bizantina, que já resvala para fora da ciência faz muitos anos. Ela não será sepultada por mais informação, nem por informação de qualidade, porque a origem da discordância está no comportamento de grupo do homem. Os OGMs permanecerão como polêmica estéril ainda por décadas, como as vacinas e a fluoretação da água, que são muito mais antigas: sempre haverá quem ache (o tal grupo de like-mindeds) que o homem não foi à Lua, que as vacinas fazem mal, que a vitamina C pára o envelhecimento, que o vírus da AIDS é invenção de militares, que o aquecimento global não existe (seja lá qual for a causa) e que os transgênicos são um veneno e causam autismo, alergias e câncer.
(Paulo Andrade)
Os transgênicos fazem mal? Essa é uma questão que vem sendo, inutilmente, levantada por algumas pessoas que ainda não conhecem o consenso científico acerca do assunto. Assim como o aquecimento global, a evolução e a eficácia das vacinas, o consenso estabelecido para os Organismos Geneticamente Modificados (OGMs) no que diz respeito à sua segurança já é bem evidente dentro da comunidade científica. No entanto, muitos ainda insistem em negar por um propósito que desconheço. Antes de mais nada, quero ressaltar a
concordância existente entre algumas organizações:
“A ciência é bastante clara: melhorias em culturas por técnicas moleculares da biotecnologia são seguras … A Organização Mundial da Saúde, a Associação Médica Americana, a Academia Nacional de Ciências dos EUA, a Royal Society e muitas outras organizações respeitadas que examinaram as evidências chegaram à mesma conclusão: consumir comidas que contém ingredientes derivados de culturas de seres ‘normais’ não tem nenhum risco maior do que consumir as mesmas comidas advindas de culturas com organismos geneticamente modificados.”
Associação Médica Americana:
“A ciência é clara: o melhoramento de culturas a partir de técnicas moleculares de biotecnologia é segura”.
Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos:
“Até a data, mais de 98 milhões de hectares de culturas geneticamente modificadas foram cultivadas em todo o mundo. Não há nenhuma evidência de problemas relacionados a essas culturas ou resultantes de alimentos geneticamente modificados”.
Padrões Alimentares da Austrália e Nova Zelândia (Food Standards Australia New Zealand):
“A tecnologia genética não demonstrou inserir quaisquer riscos novos à comida alterada, portanto, o potencial de perigo a longo prazo não é dissociada do potencial que comidas não-transgênicas possuem”.
Academia Francesa de Ciência:
“Todos as críticas feitas contra os transgênicos podem ser largamente rejeitadas baseando-se no critério estritamente científico”.
Sociedade Real de Medicina:
“Os alimentos derivados de culturas geneticamente modificadas têm sido consumidos por centenas de milhões de pessoas de todo o mundo por mais de 15 anos, com nenhum relato de efeitos danosos (ou casos legais relacionados à saúde humana), embora muitos consumidores venha do mais litigioso desses países, os EUA”.
Comissão Europeia:
“A conclusão principal a ser tirada dos esforços de mais de 130 projetos de pesquisa, que abrange um período de mais de 25 anos, envolvendo mais de 500 grupos de investigação independentes, a biotecnologia, especificamente os transgênicos, não é mais nociva do que as técnicas de melhoramento convencionais”.
União Acadêmica Germânica de Ciências e Humanidades:
“Ao consumir alimentos derivados de plantas geneticamente modificadas aprovadas na Europa e nos Estados Unidos, o risco não é maior do que o consumo de alimentos derivados de plantas que não sofreram essas alterações. Ao contrário, em alguns casos, as plantas transgênicos parecem ser superiores no quesito saúde”.
Sete das Academias Nacionais de Ciência (Brasil, China, México, Terceira Academia Mundial de Ciências, Sociedade Real e a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos):
“Comidas produzidas a partir do uso dos OGMs são mais nutritivas, estáveis no armazenamento e, em princípio, saudáveis – trazendo benefícios aos consumidores tanto em nações industrializadas quanto em nações emergentes”.
Organização Mundial da Saúde:
“Nenhum efeito na saúde humana foi mostrado como resultado do consumo de alimentos geneticamente modificados pela população geral dos países em que tais foram aprovados”.
Qualquer um que tiver alguma contestação ao que é dito sobre os transgênicos deve, imprescindivelmente, basear-se na ciência, apresentando evidências para o que for argumentado. Caso não o seja feito, deve ser ignorado. Na ciência, “não importa o quanto seu argumento seja bonito. Sem evidências, não tem valor algum” (exceto, é claro, que apresente falhas na metodologia de pesquisa, que apenas seriam apontadas com precisão com uma análise minuciosa do estudo).
A partir disso, alguns seres conscientes, que tentam fomentar discursos baseados em outras coisas que não seja o próprio achismo, até apresentam alguns artigos científicos. Porém,
muitos dos que vão contra os transgênicos possuem falhas horrendas, como, por exemplo, o
paper descrevendo alguns ratos que, supostamente, adquiriram câncer por conta dos transgênicos. Só em resumo, os animais usados já tinham predisposição à doença, então, já dá para tirar o porquê do artigo ter sido falho. A própria revista que publicou isso desculpou-se pelo acontecido.
Tirando isso, nunca vi pessoas argumentando sobre sem se valer de falácias lógicas ou de ridículas suposições da conspiração. Alguns, no Brasil, chegam até a apelar para a afirmação: “Se os transgênicos não fazem mal, por que os deputados quiseram tirar o rótulo?”. Simples! Porque os deputados, assim como muitos, também são apedeutas e acham que os OGMs fazem mal baseando-se no próprio achismo.
Quanto às falácias lógicas – que refletem uma imensa desonestidade retórica -, citarei algumas que, frequentemente, usam:
Falácia do coletor de cerejas: apontar casos individuais ou dados que confirmem uma posição particular, ignorando todos os dados gerais que possam contradizer tal posição.
Falácia da súplica especial: segundo a Enciclopédia Internet da Filosofia, “é uma forma de inconsistência em que o pensador não aplica seus princípios de forma consistente. É a falácia da aplicação de um princípio geral a várias situações, mas não as aplica a uma situação especial que interessa o argumentador, embora o princípio geral se aplica adequadamente a essa situação especial também”.
Falácia do espantalho: distorção do argumento do oponente para facilitar a refutação.
Envenenamento de poço: estratégia retórica que consiste em expor o argumento do oponente a uma audiência, com o objetivo de desmoralizá-lo. É uma variante do argumentum ad hominem, que baseia-se em apelar para o autor do argumento com o objetivo da refutação, não para o argumento em si.
Se você tenta argumentar escolhendo um caso particular e tentando aplicá-lo ao geral, tenho duas alternativas para caracterizá-lo: [1] ou você não sabe argumentar ou; [2] você merece ganhar o prêmio Nobel por conseguir ter intelectualidade suficiente para englobar todos os milhares de genes e todas as incomensuráveis possíveis e diferentes alterações que podem ser feitas neles em uma afirmação só: faz mal.
Quanto às conspirações, vejo coisas do tipo “a ciência só não tem evidências de que os transgênicos fazem mal porque isso não é proveitoso para as grandes corporações e a ciência segue apenas ao que lhe dá lucro”, “os transgênicos servem apenas para causar o monopólio de culturas detido por grandes corporações ou para facilitar o uso de agrotóxicos por tais”. Ora, eu poderia até dar respostas mais detalhadas a isso, mas tentarei ser sucinto:
1. Se isso fosse válido, o consenso sobre o aquecimento global não existiria, visto que ter o conhecimento do evento prejudica a produção das grandes corporações;
2. Se os transgênicos fazem tão mal para que você seja inteligente o suficiente para afirmar isso sem que apresente evidências, então, é notório que descobrir se eles fazem mal não daria muito trabalho. Dessa forma, não seriam necessários tamanhos financiamentos.
3. O monopólio da produção não é culpa dos transgênicos, é culpa do determinado sistema que permite esses monopólios, afinal, eles existirão havendo ou não os transgênicos.
4. Da mesma forma que a lógica do tópico anterior, o uso de agrotóxicos ocorrerá com ou sem os transgênicos. Então, o que deve ser combatido não são os transgênicos, são os agrotóxicos. Mesmo assim, a afirmação seja, talvez, falha. Um estudo publicado na PLoS One –
A Meta-Analysis of the Impacts of Genetically Modified Crops – sugere que as culturas de OGMs são, na realidade, as que menos usam agrotóxicos. No
paper, é relatado que:
“Em média, a tecnologia dos transgênicos aumentou o rendimento das culturas em 21%. Esses aumentos não se devem apenas ao alto potencial genético, mas ao controle mais efetivo de pestes e, consequentemente, aos menores danos para as culturas. Ao mesmo tempo, os cultivos de OGMs reduziram o uso de pesticidas, em quantidade, por 37% e, em custo, por 39%. O efeito sobre o custo de produção não é tão significante. As sementes dos transgênicos são mais caras do que as dos não-transgênicos, mas os custos dela são compensados através da salvação das culturas de químicos e do controle mecânico de pestes. Em geral, o ganho médio que um fazendeiro tem ao adotar os OGMs é de 69%”.
Alguns até chegam a falar que são contra os transgênicos por eles não serem uma forma natural de cultivo. Eu não perderia meu tempo debatendo com um argumento desses, mas, como estou falando sobre o assunto, acho digno dizer apenas algumas coisas coisas: Batatas-doces são geneticamente modificadas de forma natural e nós as cultivamos há 5 mil anos (link abaixo); Nós temos cerca de 7% de DNA viral em nosso organismo, então, tecnicamente, possuímos material genético híbrido naturalmente; Bananas e alhos domesticados são diferentes dos selvagens (inclusive, bananas domesticadas não produzem sementes, precisam ser cultivadas por crescimento vegetativo) e a domesticação deles ocorreu de forma natural.
Sei que muitas pessoas farão, nos comentários, apelo à autoridade (outra falácia variante do
ad hominem), alegando que eu, por não ser acadêmico, não tenho conhecimento para falar sobre o assunto. Então, já que sei que isso iria acontecer, decidi falar com o meu amigo
Luiz Eduardo Del Bem, atualmente pesquisador da Universidade de Harvard e Ph.D. em Genética e Biologia Molecular, sobre o assunto. Eis sua resposta:
“Meu principal ponto sobre transgênicos, no sentido amplo, é que a tecnologia do DNA recombinante e todos os benefícios que ela pode trazer em diversas áreas diferentes (não somente em alimentos) pertence à humanidade, não a uma ou outra empresa. É uma tecnologia que está dando seus primeiros passos, diretamente ligados ao entendimento que temos de sistemas vivos. Quanto mais aprendermos sobre a vida, mais poderemos manipular sistemas genéticos em nosso benefício. Seria absolutamente irracional assassinar uma tecnologia nascente com tamanho potencial.
O que seria, para mim, o grande argumento para a utilização da transgenia é que diversos problemas que temos na medicina, agricultura, industria e farmacologia, por exemplo, já foram resolvidos por alguns seres vivos através de bilhões de anos de evolução. Se quisermos fermentar grãos para produzir álcool, devemos ter, em nossas cabeças, que as leveduras que temos disponíveis têm um limite de tolerância ao álcool, mas isso pode ser modificado através do uso de circuitos genéticos vindos de organismos mais resistentes. Podemos produzir hormônios peptídicos humanos em plantas ou microrganismos com baixíssimo custo e que são indistinguíveis por nosso sistema imune. Podemos usar uma DNA polimerase de uma bactéria extremófila para fazer um PCR e identificar o suspeito de um assassinato. Podemos inserir genes ligados à tolerância à salinidade ou a metais pesados de bactérias em plantas, permitindo que elas sejam cultivadas em solos inapropriados a um baixo custo, entre muitas outras coisas. Podemos utilizar vias bioquímicas para produzir moléculas de interesse em microrganismos sem a necessidade de complicados e dispendiosos processos de síntese química.
Há vida em, praticamente, toda parte deste planeta, dos ambientes mais frios aos mais quentes, superando todo tipo de adversidade. Há uma enorme riqueza tecnológica nisso que podemos usar para tornar nossas atividades humanas menos agressivas aos ecossistemas naturais. Se entendermos como estes seres vivos fazem isso, poderíamos utilizar em outros organismos… ou em nós mesmos. A vida está evoluindo no planeta há quase 4 bilhões de anos, em incontaveis espécies. Podemos supor, então, que há soluções biológicas para problemas que ainda nem conhecemos esperando para serem descobertas e utilizadas.”
Por fim, caso alguém tenha contestação ao que foi dito, assim como o pesquisador citado, estarei grato se forem mandados artigos científicos publicados em revistas de alto Fator de Impacto nos comentários abaixo. Há algum tempo, venho sugerido a Del Bem alguns textos para que ele proponha um debate sobre tais em sua universidade, mas eles não possuem, muitas vezes, nenhuma validade relevante – pelo fato de não seguirem os critérios citados acima -; por isso, os peço.
Este artigo foi publicado como o quinto de uma série de textos divulgadas pelo nosso site sobre o assunto dos transgênicos (que serviram de referência). Eis os demais:
Veja mais aqui http://climatologiageografica.com/transgenicos-ponto-final/#ixzz3faQeytg5