As
decisões colegiadas são sempre impessoais. Pode não acontecer o mesmo quando um
pequeno número de pessoas toma decisões que não têm base técnica. Menos ainda
quando a decisão é de um só. Mas ainda assim, se a decisão segue um procedimento estabelecido e aceito por todos, tende a ser igual para qualquer um que avalie a questão.
Ligar as decisões aos membros, sempre transitórios
no colegiado da CTNBio, e assim alegar que elas perdem a validade porque tomadas por
indivíduos, invalidaria todas as decisões colegiadas no Mundo. É um
contrassenso ético e jurídico.
Em texto publicado pelo Estado de São Paulo em 30 de junho de
2015, o Dr. Miniuci discute a personalização das decisões da CTNBio e comoisso termina por levar a decisões individuais arbitrárias,
tomadas pelos membros da Comissão. O
texto integral está disponível em http://brasil.estadao.com.br/blogs/direito-e-sociedade/transgenicos-e-o-mito-da-decisao-tecnica/
e aqui ressalto apenas alguns pontos, para não estender demasiadamente a
postagem.
O Dr. Miniuce argumenta que, dada a pressão para a adoção da
biotecnologia pelo agronegócio, “os principais questionamentos voltam-se
para os OGM e suas implicações. Ficam em segundo plano as questões
ético-políticas que, se aprofundadas, poderiam levar a uma subversão ou revisão
dos valores vigentes. Em vez delas, discutem-se questões pragmáticas,
focalizando-se os aspectos técnicos necessários para a realização do modelo,
dando ao debate uma roupagem especializada e hermética, acessível apenas a
pessoas com determinado saber”. No
texto não fica imediatamente claro que os questionamentos voltados ao OGM se
dão essencialmente na CTNBio, uma vez que fora dela as questões sociais e
econômicas são trazidas continuamente pelos opositores à
biotecnologia e ferozmente discutidas. Na CTNBio o que se faz é avaliação de
risco e por isso a composição da Comissão é voltada para a biologia, nas suas
várias áreas. A Comissão não
tem a atribuição de discutir internamente as questões
sócio-econômicas de um produto novo e nem seus membros têm a formação técnica
para tal. As questões fora da biologia são da alçada da gestão e da comunicação
de riscos, que deveriam ser exercidas pelo Conselho Nacional de Biossegurança.
É uma decisão de Governo deixar que a adoção do produto e suas consequências
sejam ponderadas pela sociedade como um todo, através das regras de mercado e
de outros mecanismos de expressão da vontade popular.
Numa tentativa de diminuir a importância da decisão técnica,
o Dr. Miniuci qualifica o debate que sempre ocorre na CTNBio imputando-lhe um” rótulo:
“assunto técnico””. A designação “técnica”, contudo, não é rótulo algum, é apenas uma consequência imediata da
função da Comissão, que já está clara em seu próprio nome! Afinal, ela é uma
comissão técnica e sua atribuição é a avaliação de risco, não lhe cabendo
polemizar nem discutir as questões socio-econômicas ligadas aos produtos que
ela analisa (ver acima). Como toda decisão técnica, ela é baseada em ciência. Por
isso mesmo a linguagem das reuniões da CTNBio é árida e impermeável ao cidadão
comum e mesmo ao mais instruído, mas que não tenha domínio das áreas afeitas à
avaliação de riscos de OGMs.
Logo adiante o Dr. Miniuci conclui que esta forma de
proceder da CTNBio “reafirma a separação entre moral e política, de um lado, e
ciências da natureza, de outro”. Ora, aqui o Dr. Miniuci francamente passa a
ofender os que trabalham na CTNBio e todos os demais membros de comissões
técnicas pelo Mundo a fora!!! A Ciência não se opõe à moral, embora ela não a
dite. O que ocorre é a separação entre avaliação de risco – que é científica e
restrita à biologia, e os demais aspectos, que são afeitos à análise de risco. Tão
simples quanto isso. Não é necessário ofender ninguém, apenas
compreender a clareza e a sabedoria desta separação, que é funcional e
baseada na lei e na capacidade técnica limitada dos membros da CTNBio.
Aproveitando o gancho da separação entre avaliação de risco
e gestão/comunicação de risco, o Dr. Miniuci extrapola suas conclusões
afirmando que “reconfirmaram-se, no
âmbito da engenharia genética, o mito da neutralidade científica e, a partir
dele, o da “decisão técnica””. A ideia lançada nesta afirmação é a de levar
o leitor a acreditar que os membros da CTNBio não são neutros em sua decisão e
que, portanto, a decisão da Comissão, de forma colegiada, também não o é. Ora, nenhum
vivente é completamente neutro na hora de tomar uma decisão técnica: como
parte de uma sociedade ele compartilha ideologias, crenças, convicções.
Individualmente, qualquer um de nós pode ter maior ou menor viés ao tomar uma
decisão técnica. Mas quando a decisão é tomada de forma colegiada, as
diferenças ideológicas se diluem. É exatamente por isso que não se
individualizam os votos na CTNBio, mas se leva em consideração uma decisão por
maioria. Além disso, a CTNBio tem uma metodologia de avaliação de risco,
que todos devem seguir, e isso restringe muitíssimo o viés ideológico (ver
abaixo). Quando este existe, salta aos olhos: é frequentemente o caso de
pareceres divergentes que resvalam fora da ciência e se convertem em exemplos
completos de incompreensão do que seja avaliação de risco.
Na sua conclusão, reforçando a falsa ideia de que uma
decisão de Colegiado é apenas a soma de decisões individuais, o Dr. Miniuci
afirma que “em seus pareceres sobre biossegurança, os especialistas relatam
a situação, referindo-se aos aspectos científicos do problema, e, depois,
posicionam-se sobre ele (...) conforme estejam satisfeitos ou não com as
pesquisas realizadas e dispostos ou não a correr riscos ainda desconhecidos”.
O que o Dr. Miniuci parece desconhecer inteiramente é que existe um
procedimento, caso a caso, passo a passo, para a avaliação de risco (comentado
acima), e pouco espaço para convicções individuais na hora de uma decisão! Não
é uma satisfação pessoal que leva a um voto, mas a constatação de
que as perguntas pertinentes de avaliação de risco foram respondidas, de acordo
com uma metodologia que vem se consagrando na última década.
Sabendo que o Dr. Miniuci é Professor de Direito, tenho
certeza que ele compreende que mesmo as decisões individuais se revestem de um
caráter impessoal quando baseadas em procedimentos bem estabelecidos. Assim, a
decisão de um juiz é aceita por todos e não é personificada: é a decisão que
vale e não importa quem a tomou. No máximo, a instância decisória pode ter
alguma importância. Neste caso, a CTNBio é a instância técnica máxima, da mesma
forma que o STJ no seu âmbito.
Na minha conclusão, fecho dizendo que falta ao Dr. Miniuci a
prática da avaliação de risco, que ele vai certamente aprender e saber apreciar
se tiver a humildade de aceitar os ensinamentos dos mais experientes e evitar
jogar pedras na Comissão da qual faz parte.
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