quarta-feira, 25 de março de 2015

Perigos percebidos e riscos reais do eucalipto transgênico para crescimento rápido



Artigo enviado ao Jornal da Ciência pelo professor Paulo Paes de Andrade, do Depto. de Genética/ Universidade Federal de Pernambuco e Amaro de Castro Lira Neto, do Instituto Agronômico de Pernambuco-IPA

Uma versão completa da avaliação de risco está disponível em https://stopgetrees.org/wp-content/uploads/2015/04/H421-Eucalyptus-risk-assessment-short-Portuguese.pdf 
24 de março de 2015

Recentemente o prof. Nagib Nassar (artigo publicado no JCN)) trouxe a público, através deste Jornal, um conjunto de preocupações quanto a danos que, em sua opinião, o eucalipto transgênico fatalmente trará à saúde e ao ambiente, além dos impactos na economia. No presente texto procuraremos esclarecer, usando a linguagem da análise de risco, como as preocupações do prof. Nagib foram analisadas pela CTNBio, por especialistas em várias áreas e pela empresa proponente e como foram, em sua maioria, descartadas por implausíveis.

Identificação de perigos

Cumpre ressaltar inicialmente que as preocupações com os impactos dos Transgênicos, advindas dos vários setores da sociedade, são denominadas como perigos, para o analista de risco. Eles derivam da percepção de risco, que é plasmada pelas mais diferentes fontes de informação, raramente apenas as de fundo técnico ou científico. Não há qualquer problema nisso, uma vez que perigos nem sempre se concretizam em danos, de tal forma que listar perigos não é o mesmo que listar riscos. O caminho que leva do perigo ao dano concreto a algum objeto de proteção tem que ser bem estabelecido, com base na ciência e na experiência. Se este caminho (tecnicamente denominado rota ao dano) inexiste, o perigo jamais se concretiza em dano e o risco é nulo. Se o caminho existe, pode-se estimar a probabilidade com que ele se concretize e a magnitude dos danos e assim estimar o risco associado ao perigo percebido. Afirmar que todo perigo tem um risco associado e que este risco é grande, sem seguir o passo a passo da avaliação de risco, está errado e não contribui para uma discussão proveitosa do tema.

Para fins da presente análise, vamos dividir os perigos percebidos pelo prof. Nassar e por outros pesquisadores e organizações sociais em duas categorias: aqueles que envolvem riscos biológicos, e que devem ser avaliados pelo avaliador de riscos, e aqueles que envolvem impactos negativos econômicos ou sociais, e que devem ser analisados pelo analista de risco. Esta separação é importante porque a CTNBio apenas faz avaliação do risco biológico e tudo aquilo que não tem relação com o impacto biológico negativo diferencial entre o transgênico e o convencional não é de sua alçada. Apesar disso, cobra-se frequentemente da Comissão um posicionamento nas questões sócio econômicas, que devem ser analisadas pelo Conselho Nacional de Biossegurança ou por outros órgãos e agências do Governo Federal.

Perigos associados a danos à saúde humana ou animal e ao ambiente derivados do impacto direto diferencial do transgênico na Natureza
a) Desenvolvimento de resistência a antibióticos em humanos pelo consumo do mel elaborado de flores de eucalipto
b) Desenvolvimento de resistência a antibióticos em abelhas pela elaboração de mel a partir de flores de eucalipto
c) Morte de abelhas devido ao contacto com o pólen de eucalipto transgênico
d) Redução da Biodiversidade em microbacias devido à redução de disponibilidade hídrica causada pelo crescimento rápido da variedade H421 de Eucalyptus
Perigos associados a impactos sociais e econômicos derivados da tecnologia
a) Redução da disponibilidade hídrica do país
b) Rejeição do mel brasileiro por importadores devido à presença de pólen do eucalipto transgênico
c) Fluxo gênico e fixação do transgene em variedades de eucalipto sem controle do agricultor
Determinação de riscos

Iniciaremos agora a estimação de risco para cada perigo listado acima. Aqui procuraremos identificar o que queremos proteger e traçaremos, de forma muito breve, um caminho que possa levar do perigo ao dano ao alvo de proteção. A extensão do dano e a probabilidade de que ele aconteça permitirão uma estimativa (ou classificação) do risco.

Bloco de riscos biológicos (pertinentes à avaliação da CTNBio)

Risco para I.a: Desenvolvimento de resistência a antibióticos em humanos pelo consumo do mel elaborado de flores de eucalipto

A molécula que determina o aparecimento de resistência a antibióticos é, naturalmente, o próprio antibiótico. A presença de da proteína NptII, que fosforila a neomicina e outros antibióticos, inativando-os, é irrelevante porque:

a) A NptII não atua no ambiente extracelular (necessita de ATP;)
b) A NptII não pode ser transportada para dentro das bactérias do trato digestivo, onde talvez pudesse ter esta ação;
c) Está presente em concentrações nanomolares no mel;
d) Seu gene não pode ser transferido do pólen para bactérias
e) Ainda que isso ocorresse, o gene está sob controle de um promotor de planta.
Por tudo isso, a rota ao dano que liga este perigo ao aparecimento de resistência a antibióticos em humanos não se concretiza jamais e o risco é nulo.

Risco para I.b: Desenvolvimento de resistência a antibióticos em abelhas pela elaboração de mel a partir de flores de eucalipto

Aqui deve-se entender que quem se torna resistente ao antibiótico são as bactérias patogênicas para as abelhas, contra as quais o apicultor por vezes precisa usar antibióticos. O mecanismo de geração de resistência é idêntico ao do caso das bactérias intestinais no homem e, embora as abelhas possam ter contacto com concentrações maiores de pólen, este é digerido para aproveitamento das proteínas: A NptII será também digerida (como acontece no trato gastrointestinal humano). A rota ao dano discutida acima para o perigo I.b, é exatamente igual e, portanto, nunca se concretiza e o risco aqui também é nulo.

Risco para I.c: Morte de abelhas devido ao contacto com o pólen de eucalipto transgênico

Não existem rotas ao dano plausíveis pelas quais a proteína CelI, que é ubíqua na natureza, pudesse causar danos às abelhas, sobretudo nas concentrações próximas a zero em que se encontram no pólen. Quanto à proteína NptII, ela tem sido extensamente estudada numa série de alvos biológicos, inclusive abelhas, e todos os trabalhos apontam para sua absoluta inocuidade: ela é digerida no trato digestivo dos insetos e não causa qualquer distúrbio, mesmo em concentrações muitas ordens de grandeza superiores às encontradas no pólen do eucalipto GM. Ainda assim, ao contrário do que afirmou o prof. Nassar e outras vozes discordantes quanto à biossegurança desta variedade de eucalipto, há grande disponibilidade de dados gerados localmente. Basta atentar para o Projeto CDA Eucalyptus, que produziu uma grande quantidade de informação para a avaliação de risco no que concerne insetos não alvo. Os resultados foram consolidados na dissertação de mestrado (2014) intitulada “Efeito do Pólen de Eucalipto Geneticamente Modificado em abelhas Scaptotrigona bipunctata (MELIPONINI) e Apis mellifera (APINI)“, de Mariana Zaniol Fernandes, através do Programa de Pós-Graduação em Zoologia da PUCRS (resumo). Assim como para a abelha europeia, não foram observados efeitos deletérios das flores do eucalipto transgênico sobre uma melípona.

Podemos concluir com segurança que esta rota não se concretiza em danos, o que foi confirmado experimentalmente, e que aqui, mais uma vez, os riscos são nulos.

Risco para I.d: Redução da Biodiversidade em microbacias devido à redução de disponibilidade hídrica causada pelo crescimento rápido da variedade H421 de Eucalyptus

Embora não seja de forma alguma seguro que o plantio de eucaliptos de crescimento rápido possa alterar significativamente a dinâmica de microbacias (ver discussão mais abaixo), existe uma possibilidade de que haja uma redução de águas superficiais. O impacto, entretanto, não se expande para fora dos limites da microbacia e pode ser revertido com facilidade e sua magnitude será, portanto, marginal ou pequena. Numa rota ao dano plausível é preciso determinar que organismos queremos proteger: não é possível estabelecer claramente que organismos das águas superficiais de uma microbacia seriam estes, cuja redução (ou aumento) pudesse impactar a qualidade da água e dos serviços ambientais. Além disso, uma estimativa do improvável impacto hídrico só pode ser avaliada em grandes plantios e é possível que a CTNBio entenda esta questão como um ponto de monitoramento pós-liberação comercial da modalidade caso-específico. Em resumo, o risco de impacto ambiental negativo é muito pequeno (reduzido impacto em extensão e em tempo, probabilidade de ocorrência remota ou pequena – ver sobre isso as considerações de Risco para II.a a seguir).

Bloco de riscos ligados à economia (não pertinentes à avaliação da CTNBio)

Risco para II.a: Redução da disponibilidade hídrica do país

Em seu texto o prof. Nassar explicitamente afirma que as plantações de eucalipto transgênico poderiam agravar a crise hídrica enfrentada em diferentes regiões. A ideia de que um cultivo poderia implicar numa crise hídrica, não está desprovida de base, nem na história nem na ciência: de fato, a atividade agrícola intensiva e até a atividade coletora, pode levar a desastres ambientais, sendo a redução de mananciais uma delas. Entretanto, isso não é específico de um transgênico, mas da forma como a plantação vai ser manejada, seja ela um latifúndio ou um aglomerado de pequenos agricultores. A sustentabilidade dos empreendimentos agrícolas num país onde o preço das terras disparou e onde a expansão da área para plantios é limitada passou a ser um elemento chave do sucesso de qualquer empresa ou agricultor individual.

Numa floresta comercial, seja de eucalipto ou de outra espécie perene qualquer, prevê-se em geral um corte e substituição de espécies após certo número de anos. Ao longo das últimas décadas o melhoramento genético tem oferecido ao agricultor variedades cada vez mais produtivas para todas as espécies, sejam elas perenes ou não. Este aumento de produtividade é derivado, muitas vezes, de um crescimento mais acelerado ou de um adensamento muito maior da plantação. Em todos os casos, há mais consumo de água. Se houver uma demanda significativamente maior por hectare plantado, isso demandará um manejo diferenciado. Entretanto, isso em nada contribuiu para a crise hídrica do país: esta tem a ver com o Desmatamento de nascentes, a redução ou inexistência de áreas de proteção permanente e de reservas legais e vários outros fatores muito mais impactantes.

O eucalipto, como espécie arbórea, não demanda essencialmente mais água do qualquer outra espécie que cresça em igual taxa. Há uma lenda em torno disso, que não está apoiada pelos estudos dos especialistas nem na observação dos agricultores sérios. Um aumento na taxa de crescimento pode exigir mais água, mas as regiões típicas de plantio têm um excesso hídrico em relação à demanda da floresta comercial, dada a concentração usualmente empregada. É possível, contudo, que em algumas microbacias, dependendo da oferta de chuva, possa haver transientemente um déficit de água (uma vez que não se emprega irrigação). Este déficit poderia reduzir de forma temporária o aporte de água em riachos na microbacia e ter algum impacto aí ou no aporte geral de água nos rios de drenagem. Mas será sempre um problema pontual, do qual não se tem uma magnitude exata, mas que se sabe que não será extravagantemente alta, como afirmada em vários textos de autores que se opõem à biotecnologia. Tudo o que será necessário é um manejo específico do plantio. Concluo, aqui, que os riscos são negligenciáveis ou pequenos, uma vez que limitados no tempo (reversíveis) e no espaço (apenas em algumas microbacias), não impactando a Flora nem a Fauna de forma significativamente diferente do eucalipto convencional.

Risco para II.b. Rejeição do mel brasileiro por importadores devido à presença de pólen do eucalipto transgênico

Uma crítica que se lê frequentemente é a “contaminação” do mel pelo pólen de eucaliptosTransgênicos e a suposição de que isso inviabilizaria a exportação do mel brasileiro, pois este seria majoritariamente vendido como orgânico. Esta crítica é baseada numa afirmação inverídica, repetida no texto do dr. Nassar: 80% do mel brasileiro seria exportado com selo orgânico. Ora, ninguém sabe quanto do mel brasileiro é exportado como orgânico, provavelmente muito pouco, uma vez que 85% é exportado para os EUA num mercado que nem sequer rotula Transgênicos. Além disso, as informações constantes dos documentos do SEBRAE e da ABEMEL absolutamente nada falam da porcentagem da participação do eucalipto na produção de mel. Por fim, todo o mel produzido no Sul, no Sudeste, no Centro Oeste e na área sojeira e de produção de algodão de Minas e Bahia, quando as colmeias estão próximas a plantações de soja e de algodão, já estão mesmo “contaminados” com o pólen da soja transgênica. Isso não reduziu um grama a exportação de mel brasileira.

Concluímos que os riscos são muito pequenos, o que tem apoio também do silêncio absoluto dos verdadeiros exportadores e produtores de mel: eles não se manifestaram em absoluto desde a Audiência Pública em 2014, quando uma pessoa palestrou em nome da ABEMEL, mas depois desapareceu do cenário de discussões. A ABEMEL, o SEBRAE ou a APEX não se pronunciaram oficialmente sobre esta questão.

Risco para II.c: Fluxo gênico e fixação do transgene em variedades de eucalipto sem controle do agricultor

O eucalipto não é uma espécie nativa do Brasil, não é invasora nas condições brasileiras e não cruza com qualquer espécie de planta brasileira. Assim, não se espera propagação descontrolada da espécie nem fluxo gênico para espécies nativas, com ou sem valor para nosso Meio Ambiente. Portanto, a questão aqui é apenas a presença dos transgenes em outros eucaliptos.

Ora, independentemente da área que venha a ser plantada com esta variedade de eucalipto, é preciso ter em mente que 99% do eucalipto brasileiro não são propagados por sementes. Os produtores de semente que atendem ao restrito mercado restante são cuidadosos na produção das sementes (e fiscalizados pelo MAPA) e não há nenhum mistério nem nenhuma dificuldade em manter as sementes livres de transgenes: afinal, o fluxo gênico não ultrapassa os 600 m (há uma vasta literatura sobre isso) e as sementes não se espalham com facilidade. Concluo, aqui também, que os riscos são negligenciáveis.

Conclusão final

De todos os riscos biológicos o único que não é nulo ou negligenciável é o impacto sobre aBiodiversidade de microbacias. Entretanto, uma avaliação só pode ser feita em escala comercial de liberação, portanto é razoável que a CTNBio peça um monitoramento caso-específico para este risco. De toda forma, não está claro que objetos de proteção queremos proteger nestes microambientes. Por outro lado, fica evidente que o impacto será restrito no tempo e no espaço e, portanto, o risco será pequeno.

Quanto aos riscos à economia nacional, posso concluir que os riscos são todos negligenciáveis ou pequenos e todos eles passíveis de manejo, como convém à coexistência de atividades econômicas. A CTNBio não é o órgão responsável por esta análise, embora seus membros possam discutir internamente as questões mais pertinentes.

As posições hiperbólicas desfavoráveis aos Transgênicos não refletem, assim, nem a experiência anterior com eles nem a prática da avaliação de risco. Quando provenientes de acadêmicos com reconhecida contribuição à ciência nacional, estas posições extremas acabam sendo encaradas como verdade pelo público e o prejuízo ao entendimento da questão se agrava. Um posicionamento baseado na ciência é o desejável, e é isso que esperamos ter contribuído como o texto acima.

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