quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Publicado o monitoramento ambiental da primeira soja transgênica do Brasil

No dia 18 de fevereiro de 2014, em São Paulo, foi lançado o livro Monitoramento Ambiental – Soja Roundup Ready, fruto de muitos anos de trabalho de uma equipe enorme de pesquisadores, técnicos, agricultores e outros colaboradores. O livro será um marco no estudo do impacto ambiental dos transgênicos.


Como surgiu a demanda por um monitoramento

A história desta publicação começa mais de 15 anos atrás, nos tempos do primeiro Governo Lula: a Monsanto havia desenvolvido no meio da década de 1990 uma soja transgênica tolerante ao herbicida glifosato, de largo uso na agricultura mundial. Adicionando esta característica à soja, a empresa oferecia ao agricultor uma ferramenta inovadora e extremamente eficiente para o controle de ervas daninhas, que permitia o uso do herbicida quando necessário, de forma mais econômica e mais eficiente. A soja RR (Roundup Ready) tornou-se um tremendo sucesso de vendas pelo mundo afora. De acordo com a lei brasileira, os riscos ao ambiente e à saúde tinham que ser avaliados pela CTNBio que, julgando o produto seguro, remetia seu parecer aos órgãos de fiscalização e registro.

Tendo avaliado o enorme dossiê de liberação comercial encaminhado pela Monsanto e a literatura científica pertinente, a CTNBio autorizou a comercialização da soja RR no final de 1998. De acordo com a Comissão, não havia riscos adicionais desta soja em comparação com a soja convencional, nem para o ambiente, nem para a saúde. Contudo, atendendo à pressão de alguns setores organizados da sociedade, a CTNBio exigiu da Monsanto o monitoramento pós liberação comercial para avaliar, por 5 anos e em escala bem maior do que aquela das liberações planejadas, os possíveis impactos no ambiente. Não havia uma lista extensiva de requerimentos, apenas alguns tópicos bem definidos: a questão das plantas daninhas e sua eventual resistência ao glifosato e a dinâmica de populações de indicadores (insetos, patógenos, microrganismos fixadores de nitrogênio e solubilizadores de fosfato).
 
Logo em seguida à liberação algumas entidades do terceiro setor moveram ação na justiça para impedir a comercialização da soja, alegando possíveis danos não antecipados e erros na avaliação de risco, o que resultou numa suspensão de fato, que só foi revertida pela promulgação de uma medida provisória aprovando o plantio desta variedade de soja. Em 2005 uma nova lei de biossegurança (a lei 11.105) limpou o cipoal de conflitos da lei anterior e deu à CTNBio a autoridade única da avaliação de riscos. Com isso a adoção da biotecnologia no Brasil, seja agrícola ou não, começou a acelerar e agora o país é o segundo maior produtor de grãos transgênicos do Mundo.

Explicando o monitoramento

Muito bem: e o monitoramento? Ele não pôde ser realizado até 2005, pois o ambiente legal brasileiro era confuso demais e não permitia o planejamento de uma ação com a envergadura necessária aos objetivos propostos pela empresa. Apenas a partir do início de 2005 o país começou a trilhar um caminho de normalidade legal na área de transgênicos, o que permitiu à Monsanto iniciar seus trabalhos. Depois de um monitoramento preliminar, iniciado ainda nos primeiros anos da década de 2000, em que a estratégia foi posta à prova com soja convencional, o monitoramento propriamente dito foi levado a cabo, começando na safra de 2005/2006. Durou 5 anos.

Foram escolhidas oito regiões agrícolas características do cultivo de soja, com áreas mínimas de 20 hectares (como determinado pela CTNBio), nas quais o projeto de monitoramento foi conduzido. A Monsanto encontrou 8 extraordinários parceiros entre os agricultores de soja das áreas escolhidas, com um grau de domínio da tecnologia compatível com o monitoramento, e com o compromisso de auxiliar por longos cinco anos nos experimentos. Em cada uma das fazendas, três grupos de plantios contíguos foram empregados, o que permitiu distinguir os efeitos diretos da transgenia daqueles derivados do uso do herbicida associado à planta na tecnologia RR.

Para a gestão do monitoramento foi criado um grupo de destacados cientistas com enorme experiência nos temas relevantes ao monitoramento. O grupo gestor comandou uma vasta equipe de pesquisadores, técnicos e auxiliares de campo, que gerou um volume de dados sem precedentes no Mundo. Além de atender aos requerimentos da CTNBio, a Monsanto, instruída pelo grupo gestor, ampliou o leque de temas investigados, que incluíram os seguintes itens:
Atributos químicos e físicos do solo, comunidade de plantas daninhas e banco de diásporos associado, resistência ao glifosato em plantas daninhas e eventual fluxo gênico entre soja transgênica e plantas daninhas, resíduos de glifosato e AMPA em grãos de soja e no solo, diversidade microbiana do solo, fixação de nitrogênio, biomassa e respiração microbianas e quociente metabólico, atividade enzimática e processo de dinâmica de nutrientes do solo, diversidade de fungos micorrízicos e de protozoários do solo, nematoides do solo e da raiz, artropodofauna do solo e da superfície do solo, artropodofauna aérea e, naturalmente, produtividade.

Os resultados são contundentes: não há riscos novos na soja RR

O amplo leque de temas fundamentais para o agroecosistema confere a este monitoramento um valor científico indiscutível e prova, inequivocamente, a hipótese formulada inicialmente pelo Grupo Gestor: não há riscos distintos entre a soja RR e a soja convencional para o meio ambiente. Os resultados também provam que os resíduos de glifosato nos grãos nunca ultrapassam a concentração limite estabelecida pela ANVISA, ficando, em geral, muito abaixo dela. Também provam que o glifosato não acumula no solo nem passa em concentrações significativas para camadas mais profundas do solo nem para as águas subterrâneas.

A publicação é um alentado volume de 713 páginas, mas que merece uma leitura atenta e detalhada. Ele será um marco na demonstração da ausência de riscos neste tipo de plantas transgênicas e, de certa forma, corrobora a avaliação de risco pioneira da CTNBio, feita lá nas priscas eras de 1998. Os resultados publicados, frutos de um trabalho de investigadores brasileiros, em sua maioria de instituições públicas, refutam as fantasias que circulam na internet e em alguns artigos científicos e mostram o erro de se imaginar que, numa escala maior de tempo ou de espaço, os danos não percebidos nas liberações planejadas irão fatalmente se materializar.  De fato, com a variedade de parâmetros estudados, não sobra nada de relevante para ser investigado em relação ao impacto deste tipo de soja no ambiente.

Avaliação de risco sempre indica monitoramento?

Quando a CTNBio exigiu o monitoramento, não havia riscos relevantes avaliados: a soja RR apresentava os mesmos riscos que a soja convencional ao meio ambiente. Qual a solução adotada? Não havendo um conjunto de riscos a monitorar, a CTNBio decidiu exigir o monitoramento sobre alguns indicadores importantes da integridade do agroecosistema. Nunca houve, contudo, uma rota clara que pudesse levar do transgênico ao dano a algum destes indicadores, mesmo tendo-se em conta o tal fator de escala. Por isso, o monitoramento caso-específico nunca existiu, de fato. O que se fez foi um acompanhamento de um grande conjunto de indicadores para ver se surgiam algumas diferenças que pudessem apontar riscos não antecipados. Nada apareceu. Poder-se-ia criticar a abordagem dizendo que, se tivessem examinados outros 100 indicadores, seguramente apareceriam efeitos inesperados e, quiçá, perigosos, derivados da ação direta do transgênico no ambiente. Quantos indicadores seriam necessários? Quantos satisfariam os mais precavidos?

Na ausência de uma rota ao dano, o monitoramento de indicadores, não importa quão importantes para o ambiente agrícola eles sejam, pode acabar deixando passar algo. É provável que isso tenha acontecido? Claro que não, uma vez que não havia riscos previamente identificados e que as quase três dezenas de indicadores examinados tiveram comportamento idêntico nos casos de soja RR e convencional. Que lição tiramos daí? Que este sistema de monitoramento, embora muito relevante para a ciência, pouco acrescenta à avaliação de risco: seus resultados confirmam a avaliação de risco, isto é certo; mas seria muito pouco provável que ele pudesse identificar um risco não antecipado. Um novo sistema de monitoramento está sendo posto à prova para tentar identificar estes riscos não antecipados (veja http://genpeace.blogspot.com.br/2011/11/novo-sistema-de-monitoramento-de.html), mas teremos que esperar ainda alguns anos antes de ter uma resposta clara. Por enquanto, podemos seguir confiantes de que a avaliação de risco feita pela CTNBio é sólida e que os riscos são insignificantes, o que foi confirmado no caso da soja RR por este extraordinário trabalho de monitoramento e pelos muitos anos de uso seguro do produto pelo Mundo afora (veja tabela abaixo).

Tabela 1: Países que aprovaram a soja RR, seja para plantio ou consumo como alimento e ração. Em alguns países a aprovação não foi seguida da adoção da tecnologia.

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