A história dos transgênicos na agricultura
brasileira começou tumultuada, como lembrou Marijane Lisboa na sua entrevista
ao IDEC, mas a história é um pouco diferente da que ela conta no portal (http://www2.planalto.gov.br/consea/comunicacao/audio/transgenicos-10-anos-a-solta-2): a CTNBio, em 1998, avaliou os
riscos da primeira soja transgênica e considerou que eram insignificantes,
decidindo por liberar o produto. Era o que determinava a lei. Algumas
sociedades civis, julgando que havia insegurança na decisão, pediram a
suspensão legal da comercialização, baseadas numa suposta incerteza quanto aos
riscos à saúde humana e animal e ao ambiente. A suspensão foi concedida. Anos
se passaram, a tecnologia avançava rapidamente em outras partes do Mundo, as
vantagens para o agricultor eram óbvias. Resultado: houve um contrabando de
sementes da Argentina para o Brasil e numa única safra o país já tinha milhões
de toneladas de soja transgênica. A situação forçou o Governo Federal (à época,
o presidente era o Lula) a legalizar a soja transgênica por decreto. Isso foi em
2003. Dois anos depois, na tentativa de acabar com os conflitos legais gerados
pela lei de biossegurança anterior, o Governo federal decretou a lei 11.105 e
as coisas tomaram outro rumo: a avaliação de risco de transgênicos passou a ser
função exclusiva da CTNBio e o IBAMA, A ANVISA e outras instâncias passaram a
ter um papel regulador. Os eventuais conflitos sociais gerados pela tecnologia
passaram ao âmbito do Conselho Nacional de Biossegurança. Com isso o lado
técnico venceu o lado político e a tecnologia passou a ser adotada em grande
escala. Esta é a história como de fato aconteceu.
Sob o ponto de vista histórico e do ponto de vista
técnico, a adoção da transgenia na agricultura começou, portanto, em 2005 e
teve uma enorme aceleração de 2006 em diante. Tudo dentro da mais perfeita
legalidade. E tudo submetido ao crivo da CTNBio, um colegiado multidisciplinar
formado majoritariamente por pesquisadores e professores da área pública, com
grande conhecimento de biologia e genética molecular e das áreas conexas ao uso
da biotecnologia moderna. Não houve, portanto, a partir de 2005, “uma trajetória dos transgênicos no
Brasil ... ainda mais nebulosa e marcada por retrocessos”, muito pelo
contrário: a tecnologia hoje faz parte do dia a dia dos brasileiros, sem um
único relato confirmado de impacto ambiental ou na saúde humana e animal. Sua
ampla adoção mostra o quanto ela reverte em lucro para o agricultor e para o
industrial, independente dos pontos negativos que a oposição possa ver nela.
As perguntas e respostas da entrevista com Marijane
Lisboa mostram claramente que sua posição é inteiramente contra a biotecnologia
agrícola, o que lhe impede ver o óbvio: uma tecnologia de campo que é adotada
crescentemente só pode estar dando lucro ao agricultor. Uma tecnologia que não
está associada a danos concretos ao meio ambiente ou à saúde humana e animal só
pode ser considerada segura. Há riscos? Sim, sempre haverá riscos, mas até
agora os benefícios (lucros maiores do agricultor, redução do preço das
commodities agrícolas, redução de uso de inseticidas, de diesel no campo, de
água para irrigação,etc.) são muito maiores do que os presumidos prejuízos.
Suas afirmações contra a biotecnologia agrícola já
começam errado: “que tudo aquilo que foi dito a favor dos transgênicos não
se cumpriu”. O que se prometia era
a redução do uso de inseticidas, o uso amplo de um herbicida de menor impacto
ambiental e uma redução de custos, com consequente aumento dos lucros. Isso foi
cumprido à risca. Nunca se prometeu que se reduziria o uso dos herbicidas em
geral, porque a agricultura moderna depende fortemente deles, seja transgênica
ou não. Esta história de redução de uso de herbicidas e de aumento de
produtividade é uma conversa antiga que nunca fez parte da agenda dos
agricultores: eles sabem muito bem o que os transgênicos lhes podem oferecer.
A entrevista mostra,
logo a seguir, outro conceito errado: o de que as aprovações de quase todos os
pleitos de liberação comercial pela CTNBio indicaria falta de critério e
frouxidão nas análises ou falta de isenção dos membros. Não é nada disso:
quando um produto chega à CTNBio para avaliação, ele passou por um longo e
caríssimo processo de desenvolvimento. Essencialmente todas as falhas foram
removidas e as fontes de risco minimizadas ao máximo. É como o desenvolvimento
de um novo avião: quem pode imaginar que o fabricante vai submeter à análise de
um órgão competente uma aeronave sem segurança e fora dos padrões estritos
exigidos pela aeronáutica? E desenvolver um novo avião é muito mais barato do
que desenvolver uma nova planta transgênica. Por isso, essencialmente todos os
produtos que chegaram à CTNBio tinha a qualidade necessária à sua aprovação.
Apenas isso. Não tem nada a ver com a CTNBio ser camaradinha da indústria, via
o financiamento das pesquisas de seus membros, e outras bobagens do gênero.
A Dra. Lisboa adentra, então, na
questão da segurança do feijão transgênico da Embrapa e não traz qualquer
informação concreta sobre ele. Ao contrário, afirma erroneamente que as
pesquisas feitas só visam o desempenho agronômico. É evidente que ela nunca leu
o dossiê de liberação comercial do feijão transgênico, que está recheado de
dados que têm o único uso na avaliação de risco. No caso específico do feijão, que
não produz proteínas novas, apenas RNA de interferência (que nós consumimos
diariamente das mais diversas fontes), os testes de toxicidade são
completamente desnecessários. Além disso, a toxicidade de um produto é, de
fato, medida em ensaios de curta duração, em geral com menos de 3 meses, e a
oposição da Dra. Lisboa a esta metodologia só demonstra seu conhecimento
insuficiente no assunto.
Também demonstra desconhecimento da
sistemática de avaliação de risco quem afirma que a CTNBio só leva em conta os
estudos feitos pelas próprias empresas proponentes: grossa bobagem, repetida
até a exaustão pelos que se opõem à biotecnologia. A CTNBio leva em
conta o estado da arte, que inclui todos os trabalhos publicados, pareceres de
outras instituições semelhantes a ela (a EFSA europeia, o OGTR australiano, as
agências americanas, etc.), teses, monografias, pesquisas a campo e um mundo de
outras informações, além daquelas aportadas pela empresa. Se, depois da
avaliação pelos membros, houver ainda necessidade de mais dados, a CTNBio pode
requisitar à empresa que os gere.
Quanto ao aparecimento de doenças e
problemas ambientais sérios, a Dra. Lisboa e os opositores ferrenhos da
biotecnologia esperam ansiosamente por ele. Argumentam que ninguém viu nada
porque os estudos não foram desenhados para isso. Bom, depois de 15 anos de
adoção dos transgênicos na agricultura, de 170 milhões de hectares plantados no
mundo e de bilhões de seres humanos e bichos comendo produtos formulados com
grãos e frutas transgênicas, fica difícil acreditar que vão surgir os tão
esperados problemas. Na verdade, todo dia podemos ler relatos disso no
fabulário da internet, mas nada é confirmado posteriormente. Há também alguns
poucos artigos que mostram problemas, mas eles acabam sendo desmentidos por
outros ou se desmanchando como nuvem por inconsistências metodológicas graves.
A Dra. Lisboa conclui a entrevista
sugerindo que os órgãos públicos IBAMA e ANVISA analisem os pleitos, ao invés
da CTNBio, como antes acontecia. Ora, muito bem, como se a CTNBio não fosse,
igualmente, um órgão público! E como se o IBAMA e a ANVISA fossem mais capazes
de fazer a avaliação de risco do que a CTNBio: friamente, a CTNBio tem a
composição multidisciplinar necessária e congrega grandes especialistas na
área, coisa que não acontece nem no IBAMA nem na ANVISA, que não têm este
perfil nem precisam ter. De toda forma, o IBAMA e a ANVISA estão representados
na CTNBio. A mudança sugerida, contudo, só pode ser feita pela alteração da lei
11.105.
Em conclusão, a entrevista só faz
repetir aquilo que se lê nos portais contra a biotecnologia agrícola e nos
demais portais papagaios: não traz qualquer dado científico ou técnico novo e
não contribui com uma vírgula para o debate.
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