Much ado about nothing (W. Shakespeare)
No dia 27 de
fevereiro de 2015, sexta- feira, faltando menos de uma semana para a decisão na
Plenária da CTNBio quanto aos riscos de uma liberação comercial da variedade de
eucalipto para crescimento acelerado, surge uma carta dirigida a todos os
Ministérios representados na CTNBio, com cópia para a Presidente substituta da
CTNBio e demais membros, publicada no portal Racismo Ambiental (http://racismoambiental.net.br/2015/02/27/carta-ao-ministro-da-ciencia-tecnologia-e-inovacao-sobre-autorizacao-para-plantio-do-eucalipto-gm-pela-suzanofuturagene/).
A carta é apócrifa,
mas já está sendo divulgada, foi traduzida para o inglês e é até a base para um
abaixo assinado. Vale a pena uma análise breve, que segue abaixo (contendo
preciosas sugestões de outros avaliadores de risco mais gabaritados que eu).
Primeiro, quanto à
oportunidade: esta variedade de eucalipto já foi tema de uma audiência pública
e antes disso foram abertas consultas públicas, como manda o regimento da
CTNBio. Seguiu-se um longo debate pela internet e em outros fóruns e,
principalmente, dentro da CTNBio. Houve, portanto, ampla possibilidade de
debate: uma carta em tom indignado não contribui com um grama no peso das
discussões sérias.
Em segundo lugar,
os pontos levantados pelos signatários foram abordados pela CTNBio. Os que são
de sua alçada (avaliação de risco) foram devidamente tratados e os que são
ligados a outros elementos da análise de risco foram discutidos, ainda que não
fosse competência da CTNBio. Nenhum elemento da análise foi deixado de fora das
discussões, embora a decisão técnica tenha se baseado estritamente nos
elementos de risco representados pela introdução do OGM sobre a biodiversidade
e sobre a saúde humana e animal.
Comento, a seguir,
alguns dos posicionamentos errôneos dos missivistas;
a) Quando afirmam
que “decisão (de liberação comercial) visa apenas beneficiar um segmento do
setor privado do país” os autores da carta jogam fumaça nos olhos do leitor: o
que a CTNBio avalia são riscos, ela não se intromete e nem tem competência para
avaliar vantagens e desvantagens econômicas. Além disso, sempre que um produto
tiver sua liberação comercial solicitada, evidentemente alguém (seja uma
empresa pública ou privada) irá se beneficiar, e não há nada de errado nisso.
Mas, em última instância, quem ganha é o país, com um produto inovador. E quem
decide, em última instância, se o produto é bom ou não, é o mercado. Afinal,
estamos num sistema de mercado livre, não estamos num país comunista.
b) Quanto ao país
ser o primeiro a aprovar um eucalipto transgênico, isso não é problema algum.
Por que o Brasil tem sempre que andar a reboque dos demais países? O que
importa é que os órgãos competentes fizeram uma criteriosa avaliação de risco e
decidiram pela ausência de riscos não-negligenciáveis. O mesmo já ocorreu com
algas e leveduras transgênicas e com o mosquito transgênico e, de forma mais
incisiva, com o feijão transgênico, desenvolvido por uma empresa do Governo. É
imoral pedir que esperemos a adoção de um produto em muitas partes do mundo em
nome de um ambientalismo trôpego, sem base em ciência. Se a CTNBio aprovar o
plantio de eucalipto transgênico no Brasil, não seremos o primeiro país do
mundo a aprovar o plantio comercial de floresta transgênica após a avaliação de
sua biossegurança: em janeiro deste ano se tornou pública uma decisão do
Serviço de Inspeção de Saúde de Planta e Animal (APHIS) do Departamento de
Agricultura dos Estados Unidos (USDA) aprovando o plantio comercial de um
pinheiro geneticamente modificado geneticamente para ter maior densidade de
madeira (http://www.aphis.usda.gov/biotechnology/downloads/reg_loi/brs_resp_arborgen_loblolly_pine.pdf).
O curioso é que este pinheiro é nativo de lá, ao contrário do eucalipto, que é
exótico e não tem espécies sexualmente compatíveis no Brasil.
c) Quando afirmam
que a “CTNBio não possui estudos científicos suficientes”, os redatores da
carta desprezam a metodologia de avaliação de risco e a imensa quantidade de
dados que foi aportada nas várias etapas do processo de avaliação do produto,
tanto pela proponente, como pelos relatores. É vergonhoso tratar de forma tão
inepta o trabalho sério da CTNBio. Afinal, TODOS os impactos prováveis foram
cuidadosamente avaliados com base em uma riqueza enorme de dados e esta
avaliação está disponível não apenas na CTNBio, mas mesmo na internet, neste
mesmo blog nosso (http://genpeace.blogspot.com.br/2014/11/eucalipto-transgenico-quais-sao-de-fato.html).
d) Os missivistas
divergem, então, do tema de avaliação de risco e passam a tratar do impacto que
o pólen transgênico poderia ter sobre a produção de mel orgânico. Ora, isso não
é da alçada da CTNBio. Entretanto, o assunto foi ventilado e discutido na
CTNBio e fora dela. Sugiro a leitura dos links http://genpeace.blogspot.com.br/2014/11/exportacao-de-mel-e-o-eucalipto.html
e http://genpeace.blogspot.com.br/2014/09/audiencia-publica-sobre-o-eucalipto.html) para uma discussão ponderada sobre este tema.
Aqui quero deixar claro apenas que esta NÃO É uma questão de biossegurança, mas
um problema de coexistência de atividades econômicas. De toda forma, as abelhas
no Brasil frequentam plantações de soja e algodoais transgênicos e também
passeiam nos milharais, ainda que nem a soja nem o milho dependam de abelhas
para sua polinização. É evidente que, com a taxa de adoção da transgenia nestas
culturas, uma ENORME PARTE de nosso mel já contém ao menos traços de pólen
transgênico. Culpar o eucalipto como único cultivo a fazer isso é desafiar a inteligência
do leitor. Se, no futuro, a Europa ou outro mercado rejeitar nosso mel, haverá
seguramente outro que vai comprá-lo. Além disso, um manejo relativamente
simples das colmeias pode evitar a presença de pólen de eucalipto GM no mel e
em outros produtos apícolas. É tudo, como diria Shakespeare, ”much ado about
nothing”.
e) O risco real do
pólen GM sobre as abelhas foi minuciosamente estudado, assim como todos os
outros perigos arrolados pela própria CTNBio e por outros atores, inclusive a
alergenicidade – improvável – das novas proteínas no pólen. Só posso concluir
que o representante do MDA, mencionado na carta como muito atento, cochilou na
leitura do dossiê e de seus anexos quando chegou à conclusão de que só 5 colmeias
foram estudadas e que a questão da alergenicidade não foi adequadamente tratada.
Os destinatários da carta (os Ministros) devem ler o dossiê e os pareceres para
aquilatar o absurdo da maior parte das afirmações desta carta.
f) Mais adiante na
carta os missivistas afirmam que “A CTNBio tem obrigação de respeitar todos os
interesses da indústria nacional, os interesses dos cidadãos e das gerações
futuras, antes de julgar o pedido que beneficia apenas a FuturaGene/Suzano”.
Ora, como disse acima, não é função da CTNBio, nem legalmente nem por extensão
de suas atividades de avaliação de risco, adentrar em questões econômicas ou de
interesse de a, b ou c. Se não houver riscos (ou se eles forem, efetivamente,
negligenciáveis), a CTNBio deixará isso claro em seu parecer de liberação
comercial. A adoção do produto vai depender ainda do MAPA e talvez de outro
ministério e, sobretudo, da vontade soberana do mercado. A questão de
coexistência de atividades econômicas e sociais não é assunto para a CTNBio,
como já frisei anteriormente.
g) O que a CTNBio
tem que observar é o Protocolo de Cartagena. Ora, o método de avaliação de
risco da CTNBio e sua aderência à Biosafety Clearing House são a maior prova de
que a Comissão respeita as diretrizes do Protocolo. O que está na carta sobre
este assunto é só conversa fiada: não temos que avaliar todos os biomas nem
pelo Protocolo de Cartagena (que não tem uma vírgula sobre isso), nem pelas
regras da CTNBio (que falam apenas nas regiões mais importantes de cultivo).
Mesmo assim, como as avaliações são caso a caso, cabe à CTNBio decidir se isso
é importante ou não, ao invés de seguir como uma toupeira uma leitura monástica
do regulamento.
h)
Por fim, depois de uma longa e detalhada avaliação de risco, que se arrastou
por vários anos, a CTNBio está segura de que as incertezas foram muitíssimo
reduzidas, se não totalmente eliminadas. Seguir repetindo que há “insuficiência
dos estudos realizados” é, como disse anteriormente, uma forma arrogante e
desrespeitosa de jogar ralo abaixo a imensa quantidade de dados analisada e o
trabalho dedicado e criterioso dos avaliadores na CTNBio e fora dela.
Concluo
dizendo a todos os leitores (e espero que os Ministros estejam entre eles) que,
nesta etapa, a lei determina ser a decisão exclusivamente da CTNBio. Se
quiserem, os Ministros podem, depois, analisar os aspectos econômicos e sociais
envolvidos. Para isso existe o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS),
previsto na Lei. Mas até agora tem sido uma sábia decisão deixar esta questão
ao mercado, sempre que os riscos forem negligenciáveis. Pedir que os Ministros
violem a lei e os regulamentos e interfiram agora na decisão soa decididamente
arbitrário.
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