quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Aldo Rebelo ministro de C,T & I: boa notícia para a inovação científica brasileira


Em artigo enviado ao Jornal da Ciência, Eduardo Romano de Campos Pinto destaca a atuação do atual ministro na Lei de Biossegurança


    Em 2004 as pesquisas com engenharia genética vegetal no país se encontravam em um estado de quase paralisia. À época, o Brasil possuía um quadro legal altamente intrincado e burocrático que normatizava a pesquisa e comercialização de organismos geneticamente modificados.
    Como pesquisador da Embrapa, trabalhei em projetos de plantas geneticamente modificadas que necessitavam de várias licenças concedidas por diferentes órgãos, mesmo que para atividades simples como a realização de pequenos ensaios em campo. Na prática, a necessidade destas múltiplas e redundantes autorizações paralisaram por mais de dois anos vários projetos da Embrapa que objetivavam desenvolver produtos voltados para pequenos produtores.
    Estes entraves burocráticos eram de tal ordem que forçaram alguns grupos da Embrapa a  terem que realizar ensaios de campo em Honduras.
    Não só a pesquisa, mas a regulamentação comercial de produtos transgênicos também era fortemente afetada trazendo riscos fitosanitários e econômicos para o país e privando produtores agrícolas de produtos modernos da engenharia genética.  De fato, como a soja GM trazia vantagens para os agricultores brasileiros, estes contrabandeavam o produto da Argentina sem nenhuma avaliação de biossegurança. Esta situação forçou os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula a recorrerem a medidas provisórias extremas que legalizaram temporariamente o cultivo comercial daquele produto sem a devida avaliação de biossegurança.
    Era evidente que o país necessitava de um novo marco legal para regular a pesquisa e comercialização de produtos derivados da engenharia genética. No entanto a tarefa não era fácil, pois setores ideológicos e religiosos, opositores da tecnologia trabalhavam fortemente contra a desburocratização das leis brasileiras relacionadas com o setor.
    O atual ministro de Ciência, Tecnologia & Inovação foi escolhido para ser o relator do novo marco legal, a chamada Lei de Biossegurança, que além de regular a engenharia genética também deveria regulamentar (ou proibir) as pesquisas com células tronco.
    Assessorado por especialistas de todas as áreas correlatas (biologia, saúde, meio ambiente etc.) e abrindo o diálogo com diversos setores como a academia, ONGs, setores religiosos, além de todos os partidos políticos, Aldo Rebelo foi o primeiro relator da Lei de Biossegurança que em 2005 foi aprovada pelo parlamento brasileiro. Optou por um modelo moderno e fundamentado tecnicamente que evidentemente não agradou todos os envolvidos.  Os pareceres sobre pesquisa e comercialização de produtos derivados da engenharia genética passavam a ser realizados apenas por dois órgãos com papéis absolutamente distintos. A CTNBio, formada  apenas por cientistas com grau de doutor nas áreas de saúde, biologia e meio ambiente ficou com a atribuição de dar pareceres apenas sobre a biosegurança dos produtos. Neste órgão de fato não cabem influências ideológicas, políticas ou religiosas. Um segundo órgão, o CNBS, passava a dar pareceres apenas sobre questões de oportunidade sócio-econômicas para o país sendo formado apenas por Ministros de Estado, e portanto um conselho com legitimidade para esta função. Este modelo com análise em duas esferas, biosegurança e oportunidade sócio econômica, realizada apenas por dois órgãos com formação técnica adequada para suas respectivas atribuições, retirou as amarras burocráticas e ideológicas da regulamentação brasileira.
    Os resultados da aprovação da Lei de Biossegurança são hoje visíveis para a inovação tecnológica nas área de engenharia genética e células tronco. A Embrapa desenvolveu produtos transgênicos como um feijão, que já se encontra autorizado para comercialização, que aumentará a produtividade e reduzirá significativamente a aplicação de agrotóxicos, além de muitos outros produtos que devem ser lançados nos próximos anos como alimentos com maior valor nutricional, plantas mais adaptadas as mudanças ambientais decorrentes do aquecimento global (mais tolerantes à estiagem e mais resistentes a doenças) e que trarão significativas vantagens sociais, econômicas e ambientais para o país.
    Agricultores nacionais hoje tem acesso a sementes geneticamente modificadas modernas e empresas privadas estão desenvolvendo microorganismos que produzem biocombustíveis menos poluentes, assim como uma série de vacinas e fármacos produzidos por engenharia genética. As pesquisas com células tronco tiveram um forte impulso colocando o Brasil como um dos países líderes em pesquisa e tratamentos com células tronco.
    Todos estes resultados em Inovação Tecnológica só foram possíveis a partir da aprovação da Lei de Biossegurança. A comunidade científica nacional ciente do importante papel de Aldo Rebelo na construção deste marco legal, manifestou à época seu agradecimento por meio de documento assinado por mais de 300 pesquisadores brasileiros, todos com doutorado.  Ao meu conhecimento, a maior manifestação de apoio realizada pelo setor acadêmico nacional a um político.
    O atual ministro de C, T & I terá como uma das suas principais atribuições fomentar a Inovação Tecnológica brasileira, papel de extrema importância para uma sociedade que almeja ser moderna e socialmente equitativa. Os desafios serão grandes, a própria Lei de Biossegurança encontra-se hoje ameaçada.  Setores ideológicos, religiosos e alguns grupos tentando utilizar justificativas ambientais sem fundamentação técnica e com agendas comerciais contrárias ao interesse nacional trabalham para o retorno do modelo que era vigente antes deste marco legal.   Mas se Aldo Rebelo consolidar as conquistas da Lei de Biosegurança e estender o que fez para outros setores estratégicos, como nanotecnologia, biocombustíveis e biologia sintética, a sociedade brasileira em alguns anos poderá assistir a uma nova fase de benefícios tecnológicos, sociais e ambientais.
    *Eduardo Romano de Campos Pinto é pesquisador da Embrapa, Doutor em Biologia Molecular e Diretor Científico do Sindicato Nacional de Pesquisa Agropecuária

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