quarta-feira, 21 de maio de 2014

Soja transgênica, “Academia Militar” Chinesa e riscos hipotéticos: um pouco de investigação esclarece o leitor

Mais uma vez a besteira está na mesa: a Academia Militar de Ciências Chinesa teria publicado um estudo mostrando que milhões de chineses estão doentes por causa da soja transgênica. A notícia está repetida em muitos blogs e sites, iniciando o rosário numa matéria do O Estado de S. Paulo de 09/05/2014. Lá a informação provém de um “artigo publicado pela Academia Militar de Ciências da China” que diz ter “evidências de danos à saúde de 1,3 bilhão de chineses”. O que há de verdade aí?



Nada. A tal Academia é uma Academia de Ciências Militares (e não uma Academia Miliar de Ciências, estilo IME ou ITA, que é coisa muito diferente), nada mais que um grupo (grande) de interessados em assuntos militares (http://en.wikipedia.org/wiki/Academy_of_Military_Science_(People's_Republic_of_China) ) . E o tal artigo não foi publicado, porque não é um artigo, é uma mera comunicação a um encontro técnico na China. E não é um estudo da academia, é uma opinião de um coronel de lá, ex vice-presidente da tal Academia, que vê na soja GM a causa do aumento de uma série de doenças entre os chineses (veja figura). Além disso, o grão da soja transgênica que chega lá (inclusive a brasileira) é dada essencialmente aos porcos e galinhas, não é para consumo humano. O que os chineses comem desta soja é o óleo, que é EXATAMENTE IGUAL ao óleo da soja não transgênica.

Enfim, o que o Estadão publicou é apenas e tão somente um besteirol, mas feito propositalmente para dar a impressão de que algo grave foi demonstrado em relação à saúde humana, tendo como causa a soja GM. Qual variedade de soja, evidentemente, não é citada (há umas duas dúzias), mas em alguns sites já está explícito: é a da Monsanto...

Para os sites que propagam este besteirol (como papagaios do Estadão), vejam:
2.       Pratos limpos -http://pratoslimpos.org.br/?p=6957

De onde proveio esta informação, uma vez que o chinês não é exatamente um idioma popular entre os brasileiros, nem a China é um exemplo de transparência? Tudo indica que a coisa veio do Sustainable Pulse ou do Food Democracy Now, sites de oposição aos transgênicos e a tudo que é novidade tecnológica que possa afetar direta ou indiretamente a vida dos americanos. Mas nosso jornalista bebeu na fonte do Real Farmacy, que neste caso é apenas água servida do esgoto dos outros dois sites. Os links vão abaixo:

Curiosamente, lá no Sustainable Pulse esta claro que o “artigo” é na verdade um resumo publicado num jornal dedicado a questões militares e que o autor é ex (observem bem, ex) vice-presidente da tal Academia de Ciências Militares. O Coronel Mi Zhen-yu é apenas mais um curioso a escrever sobre o que pensa: suas especulações não têm a menor base na observação científica.

Concluo aqui afirmando que o uso destes estratagemas reduz o mérito da luta ambiental e deveria ser evitado.

Apêndice 1: o resumo do texto do coronel, traduzido e disponível no Food Democracy now, parece ser o que está abaixo. Como se pode ver, o tal artigo é simplesmente uma opinião, resumida a poucos parágrafos (1.500 palavras). Erroneamente, o nosso coronel vermelho imagina que o óleo de soja é a causa de tudo, esquecendo que não há a mais ínfima diferença entre os óleos das sojas GM e convencionais, nem resíduos de pesticidas nestes óleos. No fim de seu resumo ele sugere que se façam estudos epidemiológicos, no que está certo. 

In 2013, China imported 63.38 million tons of GM soybeans from USA and other countries. Most of China's imported GM soybeans are used to extract soybean food oil (one of the main tradenames is "Golden Fish" ). GM soybean oil, widely used not because of its quality but rather due to its cheap price, has rapidly dominated China's soybean food oil market, covering most of the restaurant industry and canteens in China. The glyphosate residue contained in GM soybean food oil (and GM soybean protein powder processed from GM soybean cake, a by-product of GM soybean food oil) eaten three meals a day, continuously penetrates the bodies of most Chinese, including children at kindergarden, primary school and middle school, university students and teachers, staff members and soldiers of the Chinese army, government staff members, and other consumers (with exception of special food supplied units).

During the past 20 years, the health level of the Chinese people has rapidly deteriorated with various diseases rapidly increasing. The situation is shocking. China's national health has deteriorated sharply in recent years. Although weather, water pollution and other factors also exist, the harm from GM soybeans can not be eliminated. Assuring absolute safety of the food supply is a firm policy of the state. On the massive issue of human health and life, we have no room for trial and error. Now is the time to dismantle the "information barrier" on GM food.

Concerned departments should seriously carry out epidemiological investigations, face up to reality, control the risks, carry out the prevention priority principle, and adopt effective measures to ensure the bottom line of life and health safety of the people

Mas o texto chinês que está impresso no jornal e que aparece no nosso blog acima é muito mais longo: traduzido e incluindo as referências, ele tem cerca de 10.000 palavras e seu conteúdo é uma colagem de preocupações que circulam na internet com uma pseudo roupagem científica. Ao que tudo indica o velho coronel empenhou pelas orelhas, além de dizer disparates (como o glifosato ser componente do agente laranja!). Devemos dar a ele, contudo, o atenuante de algum erro de tradução.

O blog de onde veio a informação é chinês (blog.sina.com.cn/s/blog_4bb17e9d0102edhg.htmlblog.sina.com.cn/s/blog_4bb17e9d0102edhg.html)  e é cuspido e cagado o site do Sustainable pulse ou outro congênere ocidental, De lá os meus caros 5 ou 6 leitores podem copiar o texto e colar no Google translator, como eu fiz.

Apêndice 2: Vale a pena uma leitura da matéria do Estadão (link), origem da folie furieuse que se desencadeou entre os sites “engajados na luta contra os OGMs”. A matéria traz ao leitor as mais recentes informações que circulam contra as plantas transgênicas e sua adoção no Mundo.

Logo no início a matéria nos fala da proibição que o Senado Frances fez à única variedade de milho transgênico que vem sendo plantada na Europa. O que elaesqueceu de dizer foi que todos os órgãos técnicos franceses foram claros em afirmar: esta proibição não faz sentido do ponto de vista de segurança ambiental e à saúde. Foi uma decisão política, nada mais.

Depois otexto envereda pelo caso da tal Academia Militar de Ciências, que já comentei antes. E continua no caso curioso do Sri Lanka, dizendo que o Governo de lá proibiu a venda do glifosato por causa de uma correlação com doença renal crônica naquele país. Aqui ele resvalou da crítica aos transgênicos à luta contra os pesticidas. Depois que um artigo científico feito por pesquisadores do Sri Lanka foi publicado sobre esta correlação, o Governo local resolveu suspender temporariamente a venda de glifosato. No mesmo site do Sustainable Pulse citado anteriormente (http://sustainablepulse.com/2014/05/13/sri-lanka-lifts-ban-sale-glyphosate/#.U3uRi9JdXrQ) está informado, entretanto, que no dia 12 de maio a suspensão das vendas de glifosato no Sri Lanka havia sido terminada por ordem do Ministério da Agricultura, por falta de justificativas para impor um banimento. Como o texto é de 9 de maio, a gente entende...mas um bom jornalista deve cheirar a barriga: é evidente que um país não vai suspender o uso do herbicida considerado mais seguro e mais empregado na agricultura por causa de um artigo científico isolado e muito especulativo. Para os leitores que podem avaliar o texto que deu origem ao imbróglio no Sri Lanka,  o link está aqui: http://www.mdpi.com/1660-4601/11/2/2125.

Em seguida o nosso bom jornalista resvala para a rotulagem, que nada tem a ver com a segurança dos transgênicos, mas com um direito de informação do consumidor. E termina misturando vaca louca, cabras transgênicas no Ceará e Luiz Gonzaga. Coitado do Velho Lua, que sempre foi um desenvolvimentista e queria para o Nordeste o que existe de mais avançado, sem perder as tradições de nossa gente.

Fonte da imagem: revistaescola.abril.com.br



Nenhum comentário:

Postar um comentário