A ciência das coisas que não são assim
Por Bruce Chassy & I. Henry Miller
Prêmio Nobel de Química, Irving Langmuir relatou em um discurso famoso em 1953 a sua visita ao laboratório de JB Rhine, da Duke University, onde Rhine estava reivindicando resultados de experimentos com percepção extrasensorial que não poderiam ser atribuídos ao acaso, e que ele atribuiu a fenômenos psíquicos. Langmuir descobriu que Rhine estava apenas filtrando seletivamente os dados de seus experimentos, omitindo os resultados daqueles que acreditava haverem sido produzidos pelos seus parceiros apenas a fim de humilhá-lo.
A evidência? Rhine achou que alguns dos valores foram baixos demais para terem ocorrido ao acaso, e que seria, portanto, na verdade, enganoso incluí-los nos cálculos. Langmuir apelidou esse desvio dos princípios do método científico "ciência patológica", a "ciência das coisas que não são assim."
Praticamente todos os cientistas concordam que a metodologia de Rhine cruza a linha de incompetência e desleixo e cai na categoria de má conduta científica, mas essa linha é mal definida hoje para alguns cientistas, cuja pesquisa reflete uma agenda política óbvia. Muitas vezes, a agenda é a oposição cega e a obstrução a qualquer pesquisa, produto ou tecnologia que eles condenam.
Um exemplo atual de um cientista que, embora menos culpado de falsificar dados para obter a resposta desejada, sistematicamente prima pelo desempenho insatisfatório de experimentos através do mau planejamento e da grosseira deturpação dos resultados, é o biólogo francês Gilles-Eric Séralini;, Ele se tornou especialista em experimentos mal projetados, irrelevante e não interpretáveis (mas sobre-interpretados!), destinados a demonstrar dano a partir de plantas geneticamente modificadas em vários cenários experimentais altamente artificiais.
Seu último exercício na ciência-para-propaganda é um artigo que pretende mostrar efeitos tóxicos de duas toxinas da bactéria Bacillus thuringiensis (Bt), cujos genes foram introduzidos em muitas variedades de milho, soja e algodão para aumentar a resistência a insetos. É interessante notar que os esporos e proteínas purificadas produzidas por Bt têm sido usados para controlar pragas de insetos desde a década de 1920: consideradas seguras, exceto para insetos suscetíveis, estirpes diferentes e formulações de Bt estão livre e fartamente disponíveis para jardineiros e agricultores).
Séralini e seus colaboradores examinaram os efeitos de duas toxinas Bt (na presença e na ausência de herbicida Roundup) in vitro sobre uma linhagem de cultura de células embrionárias de rim. Eles procuraram - e encontraram - efeitos sobre três biomarcadores de "morte celular" - ou seja, mudanças nos níveis de diversas enzimas.
Há todo um conjunto de falhas fundamentais no experimento de Séralini. Em primeiro lugar, porque o teste numa placa de Petri é pouco preditivo dos efeitos sobre um animal intacto no mundo real, não sendo de forma alguma um substituto para o teste em animais. Muitos produtos químicos e proteínas que consumimos rotineiramente e sem intercorrências seriam tóxicos se aplicado diretamente às células isoladas. Como a absorção e distribuição de um produto ingerido ou injetado no corpo tem que ser levadas em conta, os testes de toxicologia devem ser realizados de uma forma que se assemelhem à exposição prevista do organismo vivo no mundo real.
Em segundo lugar, quase todos os produtos químicos testados são tóxico para as células isoladas em cultura, literalmente indefesas numa placas de Petri. Uma concentração elevada de sal de cozinha, por exemplo, faz com que células em cultura sequem e morram; muitas são igualmente sensíveis a pequenas alterações no pH. Esta situação é muito diferente em um organismo vivo: os animais evoluíram defesas elaboradas contra os milhões de substâncias químicas presentes no ambiente que podem prejudicar as células. A primeira linha de defesa é simples: a pele, e as células que revestem o trato gastrointestinal. Proteínas Bt não podem atravessar as células destes tecidos (como a imensa maioria das outras proteínas. Nota do editor), e por isso as outras células e órgãos dos animais não são expostos às proteínas Bt. Este fato - que Séralini convenientemente ignora - é conhecido há décadas.
Em terceiro lugar, Séralini e seus parceiros de aventura ignoraram o antigo provérbio de que a dose faz o veneno. Ele é conhecido desde Paracelso no século 16: todas as substâncias podem ser venenosas, mas é a dose determina se são ou não prejudiciais. Sem não tomarmos a coisa nesses termos, sabemos que seria verdade que substâncias tão díspares como o monóxido de carbono e Tylenol poderiam ser encaradas como venenos.
A afirmação de Séralini de que, em seus experimentos, as células em cultura foram expostas a doses agronomicamente relevantes do Roundup (uma marca do onipresente herbicida glifosato) é hipócrita. Os produtos alimentares produzidos a partir de soja e milho geneticamente modificados, amplamente cultivados e consumidos em todo o mundo e tolerantes a herbicidas, contêm apenas pequenas quantidades de Roundup que são várias ordens de magnitude menor do que aqueles usados por Séralini em seus experimentos. Roundup em si é tão tóxico quanto o bicarbonato de sódio. Como informação adicional, é interessante notar que os resultados de Séralini sugerem que proteína Bt efetivamente protege as células de cultura dos danos causados pelos Roundup... Mas é claro que no mundo real as células isoladas nunca seria exposta nem a uma substância nem à outra.
Quarto, os resultados Séralini são refutados pelos resultados bem conhecidos de experiências reais de alimentação animal: as proteínas Bt não prejudicam os animais em doses um milhão de vezes maiores do que os humanos poderiam encontrar em suas dietas. Numerosos artigos científicos publicados em revistas de corpo editorial rígido têm demonstrado que as proteínas Bt não são tóxicas para animais ou seres humanos. Proteínas Bt tem especificidade biológica estreita e afetam apenas algumas espécies de insetos estreitamente relacionados, mas não tem nenhum efeito em outros insetos ou organismos superiores. Esses fatos por si só tornam os resultados deste experimento de Séralini irrelevantes.
Finalmente, os toxicologistas avaliam os potenciais efeitos prejudiciais de uma substância baseados na dose e nos níveis e frequência de exposição. Nos Estados Unidos, a vasta maioria do milho colhido vai para alimentação animal e biocombustível; menos de 2% da colheita total de milho é usado para fazer produtos alimentícios de (chips, farinha de milho, etc). Em muitos destes produtos, a farinha de milho é processado de uma maneira que destrói as proteínas Bt.
Em qualquer caso, cozer, assar ou fritar o alimento fatalmente desnatura as proteínas Bt. Os demais usos da soja e do milho Bt em outros alimentos em geral envolvem amidos altamente purificados e óleos que não têm contem Bt. O ponto crítico é que a exposição humana esperada para proteínas ativas de Bt é efetivamente nula. Mesmo se pequenas quantidades sobreviveram ao processamento e forem consumidas na forma ativa, seriam desnaturadas pelo ácido gástrico e digeridas no intestino. E finalmente, mesmo que por algum motivo restem algumas moléculas sem serem digeridas, elas não seriam absorvidos pelas células epiteliais do trato gastrointestinal , sendo excretadas pelas fezes ao final. (Mesmo no Nordeste brasileiro e em outras áreas do mundo, onde o milho é consumido in natura ou diretamente em preparações alimentares, mas sempre cozido, assado ou frito – pipoca - o consumo nunca é tão alto nem tão regular como se poderia imaginar pelo discurso dos aguerridos oposicionistas ao milho GM. Nota do Editor)
Tais experimentos irrelevantes e flagrantemente falhos nunca farão incursões na comunidade científica, mas sua existência é importante porque suas descobertas espúrias são copiadas e repetidas várias vezes por ativistas anti-biotecnologia.
Às vezes eles podem até encontrar o caminho para a grande mídia, e aí reside o perigo. Ela distorce a opinião pública através do fenômeno da "cascata de informação." Esta é a maneira pela qual as idéias incorretas ganham a aceitação, por serem repetidas à exaustão até que sejam aceitas como verdadeiras, mesmo na ausência de evidência persuasiva.
Muitos equívocos sobre certos temas, tecnologias ou produtos, tais como produtos químicos, energia nuclear e engenharia genética, surgem a partir da batida constante de acusações dúbias de grupos de defesa variados, políticos de plantão e da mídia. A promoção de tecnofobia tornou-se uma grande indústria nos Estados Unidos e na Europa. (mas os tecnófobos não dispensam a energia elétrica gerada pelas usinas nucleares, os caros novos, celulares, Ipods, Ipads, tablets, etc...Nota da redação).
Outro fator que contribui para equívocos entre o público é o que foi apelidado de "ignorância racional", que entra em jogo quando o custo de se informar suficientemente acerca de um assunto para tomar uma decisão supera qualquer benefício potencial que se poderia esperar a partir dessa decisão. Por exemplo, os cidadãos ocupados com as preocupações da vida diária de suas famílias, trabalho e saúde podem não considerar que seja rentável estudar os potenciais riscos e benefícios de usinas nucleares ou de plastificantes em brinquedos infantis. Isso é lamentável, porque a liberdade de expressão e os processos democráticos só podem servir a sociedade quando os cidadãos estão suficientemente bem informados para serem capazes de rejeitar alegações pseudocientíficas como as de Séralini e de outros propagandistas e deturpadores da ciência.
Nas sociedades livres, propagandistas como Séralini podem cometer delitos ou mesmo improbidade, sem medo de represálias. Para conter aqueles que abusam da ciência responsável, outros cientistas devem expor enganos e as revistas científicas devem realizar rigorosa e consciente revisão por pares de todos os artigos (mais rigorosa e consciente, certamente, do que foi feita no artigo de Séralini).
Bruce M. Chassy é professor de Ciência dos Alimentos e Nutrição Humana na Universidade de Illinois em Urbana-Champaign e um ex-membro da Comitê Consultivo da FDA; Henry I. Miller é médico e ex-diretor do escritório do FDA de Biotecnologia, Robert Wesson fellow de Filosofia Científica e Políticas Públicas na Universidade de Stanford.
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