http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=79511
Um grupo de ex-membros da CTNBio, composto exclusivamente de pesquisadores e professores que sempre mantiveram uma postura anti-OGM na Comissão, enviou um texto ao Jornal da Ciência criticando a avaliação de risco do feijão GM da Embrapa e sua liberação pela CTNBio. A crítica, dirigida especificamente a um artigo de Xico Graziano publicado no O Estado de São Paulo de 06/09/2011, condena o espírito ufanista do texto e resvala para críticas à biossegurança do evento. Sem entrar no rebate ao ufanismo e à profundidade científica de um texto dirigido a um público leigo, analisamos aqui as inconsistências da argumentação desse grupo, historicamente contrário ao uso de transgênicos na agricultura, embalado por uma ideologia arrivista que nega ao país as tecnologias mais avançadas, inclusive a biotecnologia.
O grupo começa lançando dúvida sobre a eficácia do feijão GM na proteção contra o vírus do mosaico dourado, um patógeno que causa perdas graves na produção de feijão no Brasil, tanto para pequenos como para grandes produtores. O uso da engenharia genética foi necessário nesse caso porque desde a década de 60 foram avaliados mais de 15.000 acessos dos bancos de germoplasma e uma resistência satisfatória ao vírus não foi encontrada. O artigo em questão diz: "Vários feijões transgênicos já foram desenvolvidos, testados e descartados. Dada à escassez de informações que o cerca, com muita sorte, (o novo feijão) pode vir a ser um escanteio". Uma leitura atenta, à luz da imensa quantidade de informação que cerca este evento transgênico (só o processo tem mais de 500 páginas, além de uma enormidade de referências bibliográficas), mostra que os autores da frase desconhecem inteiramente a pesquisa na área e são de fato leigos no assunto. Custa-nos acreditar que sejam mal intencionados e propositalmente escondam do público a informação disponível. Senão vejamos: o grupo que desenvolveu o feijão vem há mais de 20 anos procurando uma forma de proteger o feijoeiro do ataque do vírus. Para isso tentou diferentes construções genéticas, como é natural em pesquisa, e finalmente encontrou uma que, desde 2004, vem dando resultado sistemático na defesa contra o patógeno. Dezenas de ensaios foram feitos desde então, em várias áreas experimentais no país, sempre comprovando a estabilidade e a eficiência do evento transgênico. Além disso, desde a sua primeira utilização, a tecnologia do RNA interferente (RNAi) vem sendo cada vez mais compreendida, tendo sido a construção empregada pela Embrapa confirmada recentemente como excelente na indução de proteção estável via interferência de RNA (Yadav & Chattopadhyhay, 2011). Todas as demais argumentações apresentadas são especulativas e catastrofistas, demonstrando que os autores do texto empregam uma ideologia confusa e indefensável no lugar da ciência, que deveria ser a única ferramenta de pesquisadores e professores na avaliação de riscos. Logo adiante no texto aparece outra frase que tem uma interpretação difícil, até mesmo impossível, à luz da genética molecular: "Literalmente, a ciência se utilizou de mecanismos de uma bactéria, para incorporar transgenes que não se prestam a relações simbióticas - e nisso ainda estaríamos diante de mecanismos menos imprecisos do (que o) tiro no escuro da biobalística, método aleatório e sem precedentes na natureza". Perguntamos: desde quando os genes guardam relações simbióticas com seus "hospedeiros"? Desde quando o homem tem que copiar a Natureza para avançar no conhecimento e na tecnologia? Por acaso algum animal anda como um carro? Comunica-se com um celular? Cozinha? Transporta-se a mais de 800 km/h? Computa bilhões de dados por segundo? Olha as estrelas mais distantes e entende a órbita dos planetas? Prolonga a sua própria existência, prevenindo-se de doenças ou praticando a cura através da medicina? Tudo isso e uma infinidade de outras descobertas e inovações foram atingidas justamente porque o homem não copia sempre a natureza, mas inova e introduz no seu dia-a-dia tecnologias "sem precedentes na Natureza". O que o grupo signatário insinua é que as novidades tecnológicas são nocivas quando aplicadas ao seres vivos. Mas esquece de mencionar todos os benefícios gerados por bactérias, fungos e vírus recombinantes, construídos e transformados para nos fornecer medicamentos, diagnósticos e vacinas. Teimosamente insistem que quando se trata de plantas transgênicas, tudo é incerteza, tudo é risco, tudo será destruição, miséria e morte. No período em que os autores foram membros da CTNBio, sempre votaram contra a liberação comercial de qualquer variedade de planta transgênica ou pela protelação infinita da deliberação final, exigindo sempre mais informações, no argumento de que incertezas implicam sempre em riscos sérios e danos irreversíveis, o que é um disparate tremendo. A transformação de plantas utilizando Agrobacterium tumefasciens ou biobalística introduz uma ou mais cópias de uma construção genética no genoma nuclear de uma planta (algumas vezes no genoma de organelas). A princípio há uma incerteza no local da inserção e na preservação da construção e por isso muitos eventos tentativos são feitos para permitir uma seleção acurada. É isso que estes luminares signatários da réplica ao texto de Xico Graziano parecem (de propósito?) esquecer: depois da seleção do evento elite sabemos exatamente quantas cópias da construção foram introduzidas na planta, localização nos cromossomos e integridade. A CTNBio não permite que nenhum OGM seja colocado no mercado sem que estas informações estejam precisamente definidas. Os cientistas que avaliaram este evento conhecem exatamente os dados moleculares de transformação do feijão GM da Embrapa, não pairando qualquer dúvida quanto à construção molecular. Durante a tramitação do processo de liberação comercial estes dados estavam em parte restritos aos membros da CTNBio (e apenas àqueles que assinaram o termo de confidencialidade exigido pelo MCTI). Agora a quase totalidade dos dados é pública. O sigilo foi requerido exatamente para proteger o patrimônio público, seguindo as diretrizes da Lei de Inovação. Seguindo na argumentação catastrofista do texto, os signatários declaram que a decisão de liberar o feijão GM fez com que a ciência trombasse com "os interesses de curto prazo estabelecidos em instâncias decisórias, a ponto de permitir que a transgenia ameace definitivamente a Natureza, e que esta pseudociência gere novos e fundados temores, apesar do ufanismo e miopia de muitos". A par do tom apocalíptico, não dá para saber de que falam os arautos do fim do mundo: o que é a tal pseudo-ciência? Aquela empregada na Embrapa ou na CTNBio ou em ambas? De qual curto prazo falam os signatários? Dos mais de sete anos que a Embrapa levou analisando o feijão GM? Dos dez meses que os seis relatores do processo tiveram para avaliar o seu conteúdo? Como é que a transgenia ameaçará definitivamente a Natureza? É o feijão assim tão poderoso? No final da frase os signatários mais uma vez revelam total desconhecimento da maneira como as plantas transformadas são construídas e afirmam que o fato de 22 eventos terem sido gerados e só dois terem sido eficientes no controle do vírus demonstraria que a técnica é arriscada. Esta lógica indica pura e crassa ignorância do processo molecular. Pouco mais adiante o texto afirma que a pressa obrigou os "cientistas" contrários a se calar. Ora, os contrários a esta tecnologia sempre fizeram imenso estardalhaço, repetindo na mídia à vontade suas críticas, vazias de ciência e repetitivas. Uma argumentação recorrente contrária às plantas transgênicas seria a incapacidade de realizar um recall do feijoeiro ou de outra planta GM que não funcione a campo. Neste sentido, bastaria não produzir mais as sementes, já que os grãos serão consumidos e as plantas destruídas, como em toda cultura anual. Contrário à aprovação do feijão GM pela CTNBio, o grupo afirma que vários setores da sociedade civil não tiveram oportunidade de se manifestar. Esquecem, contudo, que este evento passou por uma audiência pública antes da apreciação final da CTNBio e que os representantes da sociedade civil na CTNBio acompanharam a discussão que aconteceu na comissão desde o início no debate interno. Neste sentido, estes representantes manifestaram-se muito ao longo de toda a análise do processo e estiveram presentes na votação final em Plenária: dos seis votos pela diligência, quatro foram dados justamente por estes representantes, oficiais ou não, de grupos contrários aos OGMs (distintos dos consumidores e dos pequenos agricultores). Uma análise das manobras para tentar bloquear a votação, encetadas pelos grupos contrários à liberação comercial do feijão GM e que tem como ideólogos maiores os pseudo-cientistas que assinam a nota contra o artigo de Xico Graziano, está disponível emhttp://genpeace.blogspot.com/2011/09/analise-da-reuniao-da-ctnbio-para.html. Para finalizar as inverdades, os autores comentam que a avaliação de risco deveria se preocupar com a biossegurança imposta pelos vírus do feijoeiro. Consideramos disparatado esse comentário, pois é a planta transgênica que é o alvo da proteção, não o vírus, que é muitíssimo mais abundante em qualquer plantação de feijão não-GM do que será nas plantações de feijão transgênico. Fora dos aspectos científicos, há ainda um baralhamento de informações sobre a confidencialidade pedida pela Embrapa quanto a alguns pontos da construção genética. Interesses de patente estão envolvidos, claro. Acontece que os membros que analisaram o processo tiveram acesso ao documento completo, por serem signatários de acordo de confidencialidade. Por outro lado, os dados mantidos confidenciais em nada alteram nem contribuem para a avaliação de risco: de fato, ao contrário do que imaginam os signatários da crítica ao feijão GM, os dados moleculares pouco ou nada acrescentam à avaliação de risco, sendo esta a opinião geral e majoritária entre os avaliadores de risco com formação científica compatível com sua função. Referência citada: Yadav RK, Chattopadhyay D. Enhanced viral intergenic region-specific short interfering RNA accumulation and DNA methylation correlates with resistance against a geminivirus. Mol Plant Microbe Interact. 2011 Oct;24(10):1189-97. Assinam o artigo: Alexandre Nepomuceno, Amilcar Tanuri , Antônio Euzébio Goulart, Augusto Schrank, Bivanilda Tápias, Flávio Finardi, Francisco Aragão, Francisco Campos, Francisco Gorgônio da Nóbrega, Leandro Astarita, Maria Lúcia Carneiro Vieira, Odir Dellagostin, Paulo Paes de Andrade e Walter Colli. PS. Por um equívoco não foi a assinatura d Sr. Maria Lúcia Zanettini, que também elaborou o texto. Fica aqui registrado. |
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