segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Workshops debaterão ferramentas e marco regulatório para a biotecnologia no país


Idealizados pela área de biotecnologia da ABDI, eventos serão realizados com seus parceiros em Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife

Brasília, 14/10/2011 – A área de projetos de biotecnologia da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), em conjunto com diversos parceiros atuantes no tema, irá realizar nos dias 21 e 26 de outubro e 4 de novembro três edições do Workshop Negócios em Biotecnologia, nas cidades de Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife. As inscrições são gratuitas, porém restritas a 80 registros por evento, e podem ser feitas no hotsitehttp://biotecnologia.abdi.com.br. Os workshops são resultado de demandas dos setores produtivo, acadêmico e da necessidade dos diferentes órgãos públicos, como Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e Ministério do Meio Ambiente (MMA), de disseminar seus mecanismos de atendimento aos diversos atores da cadeia produtiva de Biotecnologia.

O objetivo dos encontros é apresentar e debater temas como as ferramentas dos sistemas governamentais voltados para a área de biotecnologia; um roteiro básico de como desenvolver produtos biotecnológicos; a importância e o impacto do associativismo para as empresas; os processos de patentes de produtos biotecnológicos no INPI; e de registro de produtos na Anvisa, MAPA e MMA, entre outros.

“O Plano Brasil Maior trouxe medidas que intensificam estímulos ao investimento e inovação, comércio exterior, defesa da indústria e mercado interno, entre outras. A biotecnologia está inserida em diversas dessas ações que terão impacto nas cadeias produtivas de base tecnológica como na área de saúde (com vacinas, anticorpos monoclonais, hemoderivados, tratamentos por terapia gênica), agropecuária, indústria de alimentos e biocombustíveis (etanol e biodiesel). Esses workshops foram elaborados para contribuir com o alcance das metas dessas ações ao esclarecer mecanismos existentes e envolvidos no aumento de competitividade de empresas de base biotecnológica ou dependentes dessa tecnologia”, explica Maria Luisa Campos Machado Leal, diretora da ABDI.
Portal Inovação – Outra novidade na área de biotecnologia que irá contribuir para agregar o público interessado ao reunir informações e suscitar o debate é o recorte de biotecnologia do Portal Inovação, denominado Portal Inovação Biotecnologia, que já está em fase de testeswww.portalinovacao.mct.gov.br/biotec. A página será utilizada para maximizar os resultados dos workshops por meio das ferramentas de grupos de discussão, fóruns e comunidades virtuais. Esses serão moderados pelos palestrantes e representantes da ABDI, Anvisa, BRBiotec, INPI, MAPA, MMA, Sebrae, e Secretaria de Inovação do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (SI-MDIC).

Inicialmente, em um formato piloto, essas comunidades ficarão disponíveis para responder dúvidas relacionadas aos temas propostos nos workshops e poderão ser utilizadas por todos os interessados, antes e após o evento, entre 23 de setembro e 4 de novembro de 2011. Para acessar, é preciso fazer o cadastro no Portal Inovação - que é simples e rápido.


Serviço
Workshop Negócios em Biotecnologia
Público alvo: bioempreendedores, empresários, pesquisadores e estudantes de áreas afins
Vagas: 80 inscritos por turma – as inscrições são gratuitas e podem ser feitas nohttp://biotecnologia.abdi.com.br.
Horário: sempre das 8h às 13h

21 de outubro de 2011, em Belo Horizonte (MG)
Endereço: Auditório da FIEMG, Av. Contorno 4520, Bairro Funcionários

26 de outubro de 2011, em Porto Alegre (RS)
Endereço: CEPUC – Centro de Eventos da PUCRS, Av. Ipiranga, 6681, Bairro Partenon, Prédio 40, Auditório Vermelho
O evento será realizado em parceria com o XXI Seminário Nacional de Parques Tecnológicos e Incubadoras de Empresas - XIX Workshop Anprotec (www.seminarionacional.com.br)

4 de novembro de 2011, em Recife (PE)
Endereço: Sebrae PE, Rua Tabaiares, 360 - Ilha do Retiro, Recife (PE)
O evento será realizado em parceria com o 2° Seminário Estadual de Biotecnologia e Bioindústria. As inscrições devem ser feitas no site oficial do evento (www.biotecpe.com.br)

Assessoria de Comunicação Social ABDI
Joana Wightman/ Bruna de Castro/ Rachel Mortari/ Bianca Smolarek/ Tais Rocha
           61 3962-8602/8700

Drogas contra o HIV feitas em plantas de fumo

NATURE BIOTECHNOLOGY | notícias
Nature Biotechnology 29, 852 (2011) doi:10.1038/nbt1011-852  Published online 13 October 2011

Biorreator -  Fraunhofer Institut

O primeiro ensaio clínico da Europa para testar um anticorpo monoclonal humano (mAb) feito em plantas de tabaco geneticamente modificado teve  o sinal verde pelos reguladores do Reino Unido. A Agência de Medicamentos e Produtos de Saúde aprovou no final de junho a fase 1 de um ensaio clínico para testar uma proteína  contra o tipo 1 do HIV para ser aplicado como um microbicida vaginal para evitar a transmissão do vírus entre os parceiros sexuais. Pharma-Planta, um consórcio de 39 pesquisadores da academia e parceiros industriais na Europa e África, financiado pela Comissão Européia, lançou o projeto em 2004 como parte do VI Programa Estrutural.
O objetivo dos parceiros foi testar via crucis regulamentar na Europa, tendo um candidato bioterapêutico feito em planta e avançando  além de provas de conceito em laboratório até a avaliação clínica. O mAb, designado 2G12, neutraliza o HIV ligando-se a uma glicoproteína de superfície, gp120. Se for seguro, o produto será testado para a eficácia em proteger os usuários contra a infecção pelo HIV. Enquanto o ensaio clínico está sendo conduzido na Universidade de Surrey, no Reino Unido, o anticorpo 2G12 está sendo produzido em estufas especializadas no Instituto Fraunhofer de Biologia Molecular e Ecologia Aplicada, em Aachen, Alemanha. 
A aprovação é um marco importante. "Este é realmente um grande passo à frente na Europa, onde o desenvolvimento foi prejudicado por causa de preocupações sobre os alimentos e os OGM [organismos geneticamente modificados]", diz Charles Arntzen, o co-diretor do Instituto de Biodesign da Universidade Estadual do Arizona em Tempe e um líder no desenvolvimento de vacinas produzidas em plantas. 
Talvez mais importante que tudo, o passo à frente dados pela Pharma-Planta poderá impulsionar todo o campo de vacinas produzidas em plantas onde um "monte de resultados positivos e coisas interessantes" estão em curso, de acordo com Arntzen. Por exemplo, três instalações de produção de proteínas heterólogas em plantas dos EUA estão em funcionamento, fornecendo "ampla capacidade ", e apresentando um desafio "para preencher a linha de produção com produtos para usar essa capacidade". As perspectivas agora são boas para atender parte dessa desafio, com várias vacinas em desenvolvimento, algumas para doenças sexualmente transmissíveis e outras para diarréias. Além disso, a enzima taliglucerase alfa produzida em células de cenoura  para o tratamento da doença de Gaucher, desenvolvida pela Protalix BioTherapeutics de Carmiel, Israel, já passou na fase 3 de ensaios clínicos e em breve poderá ser licenciada como um "biobetter", diz Arntzen. As plantas são biorreatores atraentes porque são baratas e oferecem um sistema de expressão versátil para a proteína recombinante.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Cientistas suecos se posicionam contra a sobre-regulação da genética moderna de plantas na Europa

41 cientistas suecos com atuação marcada em biologia de plantas declaram-se contra a regulação danosa da União Européia contra a genética moderna de plantas

by David Tribe on 6 October 2011

Quasi-science prevents an environmentally friendly agriculture and forestry
(Veja o post original aqui)
European legislation in the field of genetic engineering is so narrow that it blocks the ability of researchers to take progress from publicly funded basic research on plants through to practical applications. We, 41 scientists who have received funding for basic research on plants from the Swedish Research Council, urge politicians and environmental groups to take the necessary steps to change the relevant legislation so that all available knowledge can be used to develop sustainable agricultural and forest industries.
One of the “Grand Challenges” facing mankind is to find ways to provide food, fuel and clean water to a burgeoning population using agricultural and forestry practices that are environmentally and economically sustainable. Research on plants has made tremendous progress and we now understand well how plants grow, how they protect themselves against disease and environmental stress and what factors limit production in agriculture and forestry. The prerequisite for progress has been basic research, especially studies of plant genes.

The application of this basic knowledge with the goal of making agriculture and forestry sustainable and environmentally friendly has been hindered by European gene technology legislation. These regulations impose very strict controls on the use of plant varieties developed by genetic engineering, while varieties developed via traditional breeding are released with no checks whatsoever. Some environmental groups leading opinion against GM plants criticise the use of genetic engineering by arguing that developments are linked to large multinational companies, that there is uncertainty about the risks, that they cannot be used in an agri-environment without increasing the use of chemicals and that only multinational companies benefit from GM plants. Let us examine these arguments.
Firstly: Genetic modification has revolutionized basic research on plants. For most of us; working in Swedish Universities with grants from the Swedish Research Council for basic research on processes such as photosynthesis, plant growth and biomass allocation, the function and role of plant hormones, the regulation of daily and annual growth rhythms, disease resistance and speciation etc., the use of GM plants is both standard practice and necessary. To draw clear conclusions requires that we are able to work with plants that demonstrate controlled changes in specified properties and such plants are produced more precisely and more quickly by genetic engineering than by traditional plant breeding.
Thousands of GM plants are grown each day in Swedish universities.
Second: There is no scientific uncertainty on the issue of whether GM crops pose more risk to consumers or the environment than conventionally produced crops varieties. The legislation was formulated when there was not yet sufficient data on this but now we know better. 500 independent research groups have received 300 million € from the EU to study the risks. The conclusion in a summary of the results (“A decade of EU-funded GM research”) is that “GMOs are not per se more risky than conventional plant breeding technologies”. We are basic research scientists and we know that the changes produced by genetic engineering are easier to control than those produced in other ways. The legislation argues the opposite, and imposes controls only on GM plants. To put this in other terms; the logic of the current legislation would suggest that only drugs produced by genetic engineering should be evaluated for side effects.
One of the main arguments against GM crops has been that varieties providing for a more sustainable agricultural sector have not yet been launched. The problem is that this is unlikely to happen with the current legislation. While plants resistant to disease – developed in the traditional way – can be grown at once, it takes many years to get a GM variety with the same properties approved for cultivation. The process from basic research – through applied research – to the finished seed marketed by a company is not only time consuming but also very expensive for GM crops: it costs an estimated minimum of 100 million SEK. Publicly funded researchers or small businesses will never have such resources and thus cannot translate advances made in basic research into a product for consumers. Only a few multinational companies are able to take these costs and therefore give the impression of a monopoly.
The regulatory framework is contributing to the lack of competition and the appearance of monopolies; it is not simply patent rights or unsound business practices, as is often claimed.
The environmental movement’s opposition to genetically modified plants runs counter not only to a transition to sustainable agriculture but also, paradoxically, to their “fight against the major chemical companies.” The costs associated with the introduction of GM varieties give these companies a monopoly on a huge market; 10% of the world’s agricultural land is planted with GM crops today. In addition, companies that have as one part of their business the production of agrochemicals get “revenue insurance” from GM varieties because the use of GM crops often leads to a reduced demand for their agricultural chemicals.
Ultra-right religious groups in the U.S. are trying to raise a quasi-scientific version of creationism as an alternative to evolution. In Europe we look at this public debate with amazement, as if it went against the notion that the Earth is round. However, in Europe we have instead much quasi-scientific scaremongering about the risks of GMOs, and this is fuelled by some groups within the environmental movement. The Swedish environmental movement has a proud tradition of working from a sound scientific basis. For many of us, an early involvement in the non-profit environmental movement was an essential element in choosing our current careers; we wanted to contribute to a better world. The environmental movement should view it as a warning that many of us, with sadness, abandoned it when we felt we could no longer belong to organizations that sided with anti-science and populist forces – without subverting our scientific principles. We urge the Swedish environmental movement to unite with science and act as a rational, informed voice to influence their more vocal foreign counterparts.
Changing the genetic engineering legislation is not only a very important issue for Europe. Poorly funded plant breeding researchers and organisations in many third world countries are also being deprived of one of their best tools to provide better local crops because of the obvious risk of being excluded from the GM-hostile European market.
We therefore urge our politicians to change this outdated law. It should be the characteristics of a plant that determines whether it should be checked, not the technology used to produce it. We do not believe that all checks on the cultivation of GM plants should be removed. Varieties that are toxic or could cause allergies or environmental problems must be subjected to governmental control and independent evaluation – but these same controls should apply to ALL varieties, whether they are produced by genetic engineering or not.
Our desire is that the world’s farmers will be offered seeds that have been developed to provide the most energy-and water-efficient and chemical-free agriculture and forestry as possible, but current genetic engineering legislation prevents this.
Stefan Jansson, Catherine Bellini, Christiane Funk, Per Gardeström, Markus Grebe, Vaughan Hurry, Pär Ingvarsson, Edouard Pesquet, Göran Samuelsson, Wolfgang Schröder, Åsa Strand, Hannele Tuominen, Johan Trygg, Xiao-Ru Wang
Umeå University
Inger Andersson, Rishikesh Bhalerao, Peter Bozhkov, Christina Dixelius, Åsa Lankinen, Karin Ljung, Ewa Mellerowicz, Ove Nilsson, Jan Stenlid, Sten Stymne, Björn Sundberg, Eva Sundberg, Sara von Arnold, Gunnar Wingsle,
Swedish University of Agricultural Sciences
Urban Johanson, Henrik Jönsson, Per Kjellbom, Christer Larsson, Carl Troein,
Lund University
Adrian Clarke, Magnus Holm, Bengt Oxelman, Cornelia Spetea Wiklund,
University of Gothenburg
Annelie Carlsbecker, Stenbjörn Styring
Uppsala University
Harry Brumer
KTH Royal Institute of Technology
Elzbieta Glaser
Stockholm University

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O feijão transgênico da Embrapa é seguro

Artigo de Francisco G. Nóbrega e Maria Lucia Zaidan Dagli enviado ao JC Email pelos autores.
JC    Quarta-Feira, 05 de outubro de 2011

Um dos temas importantes da oposição às plantas geneticamente modificadas (PGMs) é a questão da pureza genética. Genes de um organismo não poderiam atuar em outros, algo que não seria "natural". Desconhece-se ou ignora-se propositalmente a crescente literatura que mostra a transferência horizontal de genes entre bactérias, fungos, vermes, plantas e mesmo entre humanos e bactérias e até DNA de Trypanosoma passando para células do coração humano. Um gene de peixe transfere ao organismo receptor apenas sua função catalítica ou estrutural definida e não a característica "peixe".

A União Européia (UE) acabou de autorizar o uso de uma proteína de peixe de águas geladas, produzida em bactéria, para uso em sorvetes de baixo conteúdo calórico. A rápida aprovação causou estranheza aos opositores. A explicação foi a inexistência de produto análogo na UE, demonstrando como existe boa articulação entre os ativistas e os interesses de empresas européias. Não há problema de segurança, como o próprio órgão europeu encarregado da liberação tem declarado repetidamente. Idem para as grandes academias científicas americanas e européias.  Será que ativistas de ONGs ou cientistas de universidade a elas ligados, sabem mais sobre a segurança das PGMs?

Só hipóteses conspiratórias sustentam os argumentos dos opositores. Essas hipóteses continuam fascinando pessoas: a ida à Lua foi fabricada em Hollywood, o ataque de 11 de setembro às torres gêmeas em Nova Iorque foi orquestrada pelo governo Bush, assim como outras teorias esdrúxulas que contam com sociedades ativas e se dedicam à extraterrestres, teoria da terra plana, fusão nuclear à frio, nazismo e teorias de supremacia racial.

Há um tipo de ambientalismo equivocado e romântico-regressivo que reforça o mito da agricultura "natural" (é fácil demonstrar que as plantas que nos alimentam foram geneticamente selecionadas e modificadas extensamente ao longo de milênios, incluindo o presente) e cria um tabu: é um crime contra a ordem natural do universo mover genes de um organismo para outro. Os tabus, como sabemos, são instrumentos de dominação sacerdotal comuns em sociedades primitivas. Creio que devemos ser tolerantes para com as crenças e tabus alheios. O que não podemos admitir é que esses tabus sejam impostos aos não crentes e venham causar danos e sofrimento aos demais.

No seio deste mito, o gene transferido não apenas leva uma característica "impura" ou "anormal" que "contamina" o puro genoma original (notem a semelhança com as noções de pureza racial do nazismo) como transfere alguma característica sobrenatural ("spooky") que degrada e torna "perigosa" a planta modificada. Uma metafísica que os "cientistas" opositores tentam materializar fazendo malabarismos com noções da biologia moderna que tiram do contexto ou corrompem, e que parecem convincentes ao leigo, incluindo grande número de jornalistas engajados no ambientalismo fundamentalista.

A quantidade de testes que a oposição exige para qualquer transgênico, por exemplo, o feijão resistente à vírus da Embrapa, revela essas raízes metafísicas: no campo onde cultiva-se este feijão devemos analisar as bactérias do solo, os fungos da micorriza, pequenos artrópodes e insetos, etc. Devemos alimentar múltiplas espécies de animais, por várias gerações, buscando efeitos adversos. Também devemos realizar esses testes com fêmeas em gestação, pois o nosso feijão "pode" ser teratogênico. A dúvida persistirá para os opositores quanto à alimentação humana, já que não somos exatamente idênticos a ratos, cães ou porcos. Talvez venham a sugerir um teste com humanos antes da liberação como fazemos na fase I da aprovação de medicamentos, usando voluntários sadios.

Vamos examinar objetivamente o que dispara essa imensa sequência de testes em nome do sagrado "princípio da precaução": este feijão não foi mutagenizado por cobalto radioativo ou etilmetanosulfonato, agentes que criariam dezenas ou centenas de mutações desconhecidas. Ele recebeu um pedaço de DNA preparado sinteticamente que dirige a expressão de um RNA que se dobra sobre si mesmo formando um "grampo de cabelo". Este RNA é, em parte, homólogo ao RNA viral que promove a tradução de uma proteína essencial para que o vírus do mosaico dourado infecte as células do feijoeiro. Um mecanismo elucidado nas últimas décadas, e que resultou em prêmio Nobel, denominado interferência de RNA, explica porque este RNA fita dupla funciona. Neste caso o feijão Embrapa não expressa uma nova proteína, apenas um RNA específico para desencadear o bloqueio da infecção viral. A modificação foi específica, cirúrgica e conhecida.

Também é uma solução biológica e orgânica, portanto "verde", para o problema da virose, em linha com os sonhos distantes de Rachel Carson, em sua cruzada contra os defensivos químicos. Ademais múltiplos testes foram realizados para certificar se a transformação genética, que sempre aumenta a taxa natural de mutações, não gerou alguma alteração que pudesse gerar preocupações. Não existindo proteínas expressas, portanto, argumentos como "alergenicidade", ou "toxicidade" caem por terra. Uma pessoa bem informada, e isenta, imediatamente constata a enorme futilidade e o imenso desperdício de tempo e dinheiro nos estudos recomendados. Logicamente, se o que foi feito no feijão realmente exigisse tais estudos, estaríamos condenando toda a agricultura mundial não-transgênica como completamente suspeita e deveríamos exigir imediatamente que esses testes sejam iniciados pelo menos nas muitas variedades de arroz, milho, trigo, cevada, café, etc. que consumimos de maneira particularmente abundante.

Parte da oposição é compreensível devido à desconfiança com as poderosas multinacionais que dominam o mercado atual. A Monsanto, como explica o pesquisador H. Miller, usou seus lobistas para convencer o governo a criar as conhecidas exigências excessivas e desnecessárias para tornar o processo de acreditação inacessível aos concorrentes. Universidades, instituições públicas e empreendedores menores ficam praticamente excluídos. As plantas transgênicas que podem beneficiar populações pobres, de pouco valor comercial, não serão prioridades para as gigantes da biotecnologia. O caminho é desregular fortemente como recomendou na Nature o professor Ingo Potrykus, que lidera o trabalho que gerou o arroz dourado, contendo provitamina A, que pode eliminar dezenas de milhares de casos de cegueira entre populações pobres que se alimentam principalmente de arroz.

Portanto podem crer: se não ficaram doentes com os alimentos convencionais até hoje consumidos, melhorados frequentemente por mutagênese pesada, e cultivados com pesticidas e fertilizantes, se, em média, estamos ganhando 5 a 6 horas de vida por dia devido à múltiplos fatores ligados à educação, ciência e tecnologia, consumam alegremente e com orgulho o feijão com "tesão" da Embrapa, o símbolo nazista-alimentar que transformaremos, espero, em motivo de satisfação nacional. Como benefício extra, saibam que este feijão receberá menos ou nenhum inseticida, o único recurso existente para reduzir a infestação com a mosca branca, que transmite o vírus. Bom apetite* !

Francisco G. Nóbrega e Maria Lucia Zaidan Dagli são professores da Universidade de São Paulo (USP).

* Daqui a três anos ou mais, devido a estudos exigidos pelo MAPA para liberação das sementes.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Avaliação de risco do feijoeiro transgênico: serenidade na condução e consistência dos resultados na CTNBio

Deu no Jornal da Ciência de 30 setembro de 2011
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=79511


Um grupo de ex-membros da CTNBio, composto exclusivamente de pesquisadores e professores que sempre mantiveram uma postura anti-OGM na Comissão, enviou um texto ao Jornal da Ciência criticando a avaliação de risco do feijão GM da Embrapa e sua liberação pela CTNBio. A crítica, dirigida especificamente a um artigo de Xico Graziano publicado no O Estado de São Paulo de 06/09/2011, condena o espírito ufanista do texto e resvala para críticas à biossegurança do evento. Sem entrar no rebate ao ufanismo e à profundidade científica de um texto dirigido a um público leigo, analisamos aqui as inconsistências da argumentação desse grupo, historicamente contrário ao uso de transgênicos na agricultura, embalado por uma ideologia arrivista que nega ao país as tecnologias mais avançadas, inclusive a biotecnologia.


O grupo começa lançando dúvida sobre a eficácia do feijão GM na proteção contra o vírus do mosaico dourado, um patógeno que causa perdas graves na produção de feijão no Brasil, tanto para pequenos como para grandes produtores. O uso da engenharia genética foi necessário nesse caso porque desde a década de 60 foram avaliados mais de 15.000 acessos dos bancos de germoplasma e uma resistência satisfatória ao vírus não foi encontrada. O artigo em questão diz: "Vários feijões transgênicos já foram desenvolvidos, testados e descartados. Dada à escassez de informações que o cerca, com muita sorte, (o novo feijão) pode vir a ser um escanteio". Uma leitura atenta, à luz da imensa quantidade de informação que cerca este evento transgênico (só o processo tem mais de 500 páginas, além de uma enormidade de referências bibliográficas), mostra que os autores da frase desconhecem inteiramente a pesquisa na área e são de fato leigos no assunto.

Custa-nos acreditar que sejam mal intencionados e propositalmente escondam do público a informação disponível. Senão vejamos: o grupo que desenvolveu o feijão vem há mais de 20 anos procurando uma forma de proteger o feijoeiro do ataque do vírus. Para isso tentou diferentes construções genéticas, como é natural em pesquisa, e finalmente encontrou uma que, desde 2004, vem dando resultado sistemático na defesa contra o patógeno. Dezenas de ensaios foram feitos desde então, em várias áreas experimentais no país, sempre comprovando a estabilidade e a eficiência do evento transgênico. Além disso, desde a sua primeira utilização, a tecnologia do RNA interferente (RNAi) vem sendo cada vez mais  compreendida, tendo sido a construção empregada pela Embrapa confirmada recentemente como excelente na indução de proteção estável via interferência de RNA (Yadav & Chattopadhyhay, 2011). Todas as demais argumentações apresentadas são especulativas e catastrofistas, demonstrando que os autores do texto empregam uma ideologia confusa e indefensável no lugar da ciência, que deveria ser a única ferramenta de pesquisadores e professores na avaliação de riscos.

Logo adiante no texto aparece outra frase que tem uma interpretação difícil, até mesmo impossível, à luz da genética molecular: "Literalmente, a ciência se utilizou de mecanismos de uma bactéria, para incorporar transgenes que não se prestam a relações simbióticas - e nisso ainda estaríamos diante de mecanismos menos imprecisos do (que o) tiro no escuro da biobalística, método aleatório e sem precedentes na natureza". Perguntamos: desde quando os genes guardam relações simbióticas com seus "hospedeiros"? Desde quando o homem tem que copiar a Natureza para avançar no conhecimento e na tecnologia? Por acaso algum animal anda como um carro? Comunica-se com um celular? Cozinha? Transporta-se a mais de 800 km/h? Computa bilhões de dados por segundo? Olha as estrelas mais distantes e entende a órbita dos planetas? Prolonga a sua própria existência, prevenindo-se de doenças ou praticando a cura através da medicina? Tudo isso e uma infinidade de outras descobertas e inovações foram atingidas justamente porque o homem não copia sempre a natureza, mas inova e introduz no seu dia-a-dia tecnologias "sem precedentes na Natureza".

O que o grupo signatário insinua é que as novidades tecnológicas são nocivas quando aplicadas ao seres vivos. Mas esquece de mencionar todos os benefícios gerados por bactérias, fungos e vírus recombinantes, construídos e transformados para nos fornecer medicamentos, diagnósticos e vacinas. Teimosamente insistem que quando se trata de plantas transgênicas, tudo é incerteza, tudo é risco, tudo será destruição, miséria e morte. No período em que os autores foram membros da CTNBio, sempre votaram contra a liberação comercial de qualquer variedade de planta transgênica ou pela protelação infinita da deliberação final, exigindo sempre mais informações, no argumento de que incertezas implicam sempre em riscos sérios e danos irreversíveis, o que é um disparate tremendo.

A transformação de plantas utilizando Agrobacterium tumefasciens ou biobalística introduz uma ou mais cópias de uma construção genética no genoma nuclear de uma planta (algumas vezes no genoma de organelas). A princípio há uma incerteza no local da inserção e na preservação da construção e por isso muitos eventos tentativos são feitos para permitir uma seleção acurada. É isso que estes luminares signatários da réplica ao texto de Xico Graziano parecem (de propósito?) esquecer: depois da seleção do evento elite sabemos exatamente quantas cópias da construção foram introduzidas na planta, localização nos cromossomos e integridade. 

A CTNBio não  permite que nenhum OGM seja colocado no mercado sem que estas informações estejam precisamente definidas. Os cientistas que avaliaram este evento conhecem exatamente os dados moleculares de transformação do feijão GM da Embrapa, não pairando qualquer dúvida quanto à construção molecular. Durante a tramitação do processo de liberação comercial estes dados estavam em parte restritos aos membros da CTNBio (e apenas àqueles que assinaram o termo de confidencialidade exigido pelo MCTI). Agora a quase totalidade dos dados é pública. O sigilo foi requerido exatamente para proteger o patrimônio público, seguindo as diretrizes da Lei de Inovação.

Seguindo na argumentação catastrofista do texto, os signatários declaram que a decisão de liberar o feijão GM fez com que a ciência trombasse com "os interesses de curto prazo estabelecidos em instâncias decisórias, a ponto de permitir que a transgenia ameace definitivamente a Natureza, e que esta pseudociência gere novos e fundados temores, apesar do ufanismo e miopia de muitos". A par do tom apocalíptico, não dá para saber de que falam os arautos do fim do mundo: o que é a tal pseudo-ciência? Aquela empregada na Embrapa ou na CTNBio ou em ambas? De qual curto prazo falam os signatários? Dos mais de sete anos que a Embrapa levou analisando o feijão GM? Dos dez meses que os seis relatores do processo tiveram para avaliar o seu conteúdo? Como é que a transgenia ameaçará definitivamente a Natureza? É o feijão assim tão poderoso?

No final da frase os signatários mais uma vez revelam total desconhecimento da maneira como as plantas transformadas são construídas e afirmam que o fato de 22 eventos terem sido gerados e só dois terem sido eficientes no controle do vírus demonstraria que a técnica é arriscada. Esta lógica indica pura e crassa ignorância do processo molecular.

Pouco mais adiante o texto afirma que a pressa obrigou os "cientistas" contrários a se calar. Ora, os contrários a esta tecnologia sempre fizeram imenso estardalhaço, repetindo na mídia à vontade suas críticas, vazias de ciência e repetitivas. Uma argumentação recorrente contrária às plantas transgênicas seria a incapacidade de realizar um recall do feijoeiro ou de outra planta GM que não funcione a campo. Neste sentido, bastaria não produzir mais as sementes, já que os grãos serão consumidos e as plantas destruídas, como em toda cultura anual.

Contrário à aprovação do feijão GM pela CTNBio, o grupo afirma que vários setores da sociedade civil não tiveram oportunidade de se manifestar. Esquecem, contudo, que este evento passou por uma audiência pública antes da apreciação final da CTNBio e que os representantes da sociedade civil na CTNBio acompanharam a discussão que aconteceu na comissão desde o início no debate interno. Neste sentido, estes representantes manifestaram-se muito ao longo de toda a análise do processo e estiveram presentes na votação final em Plenária: dos seis votos pela diligência, quatro foram dados justamente por estes representantes, oficiais ou não, de grupos contrários aos OGMs (distintos dos consumidores e dos pequenos agricultores).

Uma análise das manobras para tentar bloquear a votação, encetadas pelos grupos contrários à liberação comercial do feijão GM e que tem como ideólogos maiores os pseudo-cientistas que assinam a nota contra o artigo de Xico Graziano, está disponível emhttp://genpeace.blogspot.com/2011/09/analise-da-reuniao-da-ctnbio-para.html.

Para finalizar as inverdades, os autores comentam que a avaliação de risco deveria se preocupar com a biossegurança imposta pelos vírus do feijoeiro. Consideramos disparatado esse comentário, pois é a planta transgênica que é o alvo da proteção, não o vírus, que é muitíssimo mais abundante em qualquer plantação de feijão não-GM do que será nas plantações de feijão transgênico.

Fora dos aspectos científicos, há ainda um baralhamento de informações sobre a confidencialidade pedida pela Embrapa quanto a alguns pontos da construção genética. Interesses de patente estão envolvidos, claro. Acontece que os membros que analisaram o processo tiveram acesso ao documento completo, por serem signatários de acordo de confidencialidade. Por outro lado, os dados mantidos confidenciais em nada alteram nem contribuem para a avaliação de risco: de fato, ao contrário do que imaginam os signatários da crítica ao feijão GM, os dados moleculares pouco ou nada acrescentam à avaliação de risco, sendo esta a opinião geral e majoritária entre os avaliadores de risco com formação científica compatível com sua função.

Referência citada:
Yadav RK, Chattopadhyay D. Enhanced viral intergenic region-specific short interfering RNA accumulation and DNA methylation correlates with resistance against a geminivirus. Mol Plant Microbe Interact. 2011 Oct;24(10):1189-97.

Assinam o artigo: Alexandre Nepomuceno, Amilcar Tanuri , Antônio Euzébio Goulart, Augusto Schrank, Bivanilda Tápias, Flávio Finardi, Francisco Aragão, Francisco Campos, Francisco Gorgônio da Nóbrega, Leandro Astarita, Maria Lúcia Carneiro Vieira, Odir Dellagostin, Paulo Paes de Andrade e Walter Colli.

PS. Por um equívoco não foi a assinatura d Sr. Maria Lúcia Zanettini, que também elaborou o texto. Fica aqui registrado.