quinta-feira, 30 de maio de 2013

Transgênicos e financiamento de pesquisa: os “testas de ferro” e os “independentes”

Na polêmica dos transgênicos os cientistas e pesquisadores que publicam sobre o assunto estão divididos, de acordo com as ativistas anti-OGMs, em:
a)    Cientistas “independentes”
b)    Testas de ferro das transnacionais das sementes GM

Em que se baseia esta divisão? Supostamente, na forma de financiamento das atividades destes profissionais. "Independentes" seriam aqueles que não têm qualquer apoio do setor privado ligado direta ou indiretamente às empresas que produzem plantas transgênicas. "Testas de ferro" seriam todos os outros que, de forma direta ou indireta, tem vínculos com as multinacionais do agronegócio GM.

A divisão parece justa, embora a “independência” ou sua falta em nada afetem a qualidade (ou falta desta mesma qualidade) esperada nos artigos: o que importa é a aplicação do método científico e não quem financiou a pesquisa. O problema central desta divisão é a dificuldade em apontar com clareza as fontes que movem um grupo de pesquisa, hoje, ontem e as perspectivas para o futuro. Por isso, tanto os “independentes” podem não ser tão independentes assim, quanto os testas de ferro podem, na verdade, ser donos do seu nariz. Vamos às ponderações mais óbvias.

O que são os “independentes”? Em princípio, todos aqueles que mostraram supostos perigos das plantas GM, tanto para ao ambiente como para a saúde humana. Mas, afinal, quem financiou a maioria destes estudos? Quem financiou os estudos de Arpad Pusztai, Ignacio Chapella, David Quist, Manuela Malatesta, Aziz Aris, Samuel Leblanc, Jack Heinemann, etc., etc., e, paradigmaticamente, Gilles-Eric Séralini? Vamos começar com a pergunta básica: Onde trabalharam (e, em muitos casos, ainda trabalham) estes ferrenhos opositores da segurança dos OGMs? Basta olhar suas vinculações profissionais: o Prof. Séralini milita na Universidade de Caën, na França, o Dr. Heinemann na Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, e assim todos os outros, que são ou foram pesquisadores em universidades públicas ao tempo em que publicaram seus artigos mais polêmicos. Nada mais natural do que tenham sido financiados por longo tempo pelas fontes públicas de financiamento, exatamente as mesmas que pagam os estudos dos demais pesquisadores que não vêm problemas de segurança nos transgênicos e que são, portanto, “testas de ferro”. Que lógica então há em dizer que uns são independentes e outros não?

Surge então um novo elemento: nem só de verbas de governo vive um grupo de pesquisa e, de fato, pode haver a entrada de recursos da iniciativa privada, de forma direta ou indireta (via institutos e organizações apoiadas pela indústria) nos cofres do grupo de pesquisa. Até onde se pode rastrear o dedo das multinacionais numa verba qualquer que chega ao laboratório? Tomemos como exemplo a FINEP, um órgão de governo, mas que nem ligações com a indústria, inclusive financeiras. Será que uma pesquisa apoiada pela FINEP tem o dedo de uma multinacional do agronegócio? Outro exemplo: O CNPq, financiado pelos impostos e por tudo o mais que traz dinheiro para os cofres públicos. Ora, o agronegócio é um importante pagador de impostos, logo o pesquisador que usa recursos do CNPq é suspeito de ser testa de ferro das multinacionais? O raciocínio parece tortuoso e injusto, mas coisas assim são a regra entre os que qualificam todo e qualquer pesquisador que não segue a linha dos Séralinis da oposição como testas de ferro do agronegócio GM. Por outro lado, Séralini e seus colegas receberam gordo financiamento das grandes empresas que vendem produtos não-GM e agora mantém um curioso vínculo com uma empresa que vende produtos milagrosos que, naturalmente, protegerão seus consumidores dos perigos dos alimentostransgênicos...

Mas, afinal, para sermos sensatos, devemos investigar e categorizar de onde provêm os recursos que movem as pesquisas em transgenia. Em que quadrante da “bussola” da pesquisa o grupo se encaixará vai depender muito do que se quer com a pesquisa. Observemos a figura abaixo, baseada em uma figura análoga encontrada em “Possible Interactions Between Basic Science and Applied Technology and Between the Market and Government” (http://www.dallasfed.org/assets/documents/research/pubs/science/lawlor.pdf), e por sua vez inspirada no artigo de Ruttan (2001).

Um pesquisador pode facilmente posicionar seu grupo em um ou mais dos quadrantes desta figura. Se ele é um pesquisador movido pela ciência básica, buscando a razão de ser dos fatos da natureza, provavelmente tende a se encaixar no quadrante de Bush (não o ex-presidente americano, mas um ex-diretor do MIT). O quadrante de Pasteur é onde se situam os pesquisadores que caminham na direção da inovação, pois estão fazendo as descobertas que vão pavimenta-la. Aqui também devem se encaixar os pesquisadores que investigam, do ponto de vista dos mecanismos básicos, o impacto dos elementos constituintes de uma tecnologia no ambiente e na saúde, como é o caso da pesquisa das proteínas Bt transgênicas na saúde humana e nas populações de insetos não alvo. O terceiro quadrante (de Edison) envolve os pesquisadores que militam na pesquisa aplicada, mas são pagos pelo Governo: são aqueles que estão mais próximos da inovação.
Por fim, os pesquisadores que atuam no desenvolvimento, avaliação e aprimoramento de produtos estão no quadrante da NASA, que já tem um claro viés tecnológico. Como é óbvio, cada um destes quadrantes tem um financiador principal, em geral o Governo e seus braços vários e, em muito menor escala (exceto nos EUA), a indústria.



Figura 1: Quadrantes das atividades de pesquisa, de acordo com o interesse do pesquisador em relação à ciência básica e à inovação.

Onde estão os testas de ferro, que não vêm os perigos dos OGM? Em geral no quadrante de Bush e em alguns casos no quadrante de Pasteur. Por que? Porque suas pesquisas são, de fato, básicas, e empregam os recursos mais avançados, mas também melhor estabelecidos, na ciência. O que fazem eles? Avaliações toxicológicas, investigações de mecanismos de ação, e um sem número de outras pesquisas básicas, que conduzem em última instância a dados que consubstanciam a avaliação de risco.

Onde estão os “independentes”? Exatamente nos mesmos quadrantes!

Enfim, o que os faz diferentes? A ideologia e o rigor científico. Cabe ao leitor, avaliando os artigos científicos sobre os seus assuntos prediletos (e não a Stultitia ou Moria internetês) e concluir.


Referência
Ruttan, V. W. (2001), Technology, Growth and Development: An Induced Innovation Perspective(New York and Oxford: Oxford University Press), 696 pp. (link: http://www.amazon.com/Technology-Growth-Development-Innovation-Perspective/dp/0195118715)






                                                                                                                                                

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