Na polêmica dos transgênicos os cientistas e
pesquisadores que publicam sobre o assunto estão divididos, de acordo com as
ativistas anti-OGMs, em:
a) Cientistas “independentes”
b) Testas de ferro das transnacionais das sementes GM
Em que se baseia esta divisão? Supostamente, na
forma de financiamento das atividades destes profissionais. "Independentes" seriam aqueles que não têm qualquer apoio do setor privado ligado direta ou
indiretamente às empresas que produzem plantas transgênicas. "Testas de ferro" seriam todos os outros que, de forma direta ou indireta, tem vínculos com as
multinacionais do agronegócio GM.
A divisão parece justa, embora a “independência”
ou sua falta em nada afetem a qualidade (ou falta desta mesma qualidade) esperada nos
artigos: o que importa é a aplicação do método científico e não quem
financiou a pesquisa. O problema central desta divisão é a dificuldade em
apontar com clareza as fontes que movem um grupo de pesquisa, hoje, ontem e as
perspectivas para o futuro. Por isso, tanto os “independentes” podem não ser
tão independentes assim, quanto os testas de ferro podem, na verdade, ser donos
do seu nariz. Vamos às ponderações mais óbvias.
O que são os “independentes”? Em princípio,
todos aqueles que mostraram supostos perigos das plantas GM, tanto para ao
ambiente como para a saúde humana. Mas, afinal, quem financiou a maioria destes
estudos? Quem financiou os estudos de Arpad Pusztai, Ignacio Chapella, David
Quist, Manuela Malatesta, Aziz Aris, Samuel Leblanc, Jack Heinemann, etc.,
etc., e, paradigmaticamente, Gilles-Eric Séralini? Vamos começar com a pergunta
básica: Onde trabalharam (e, em muitos casos, ainda trabalham) estes ferrenhos
opositores da segurança dos OGMs? Basta olhar suas vinculações profissionais: o
Prof. Séralini milita na Universidade de Caën, na França, o Dr. Heinemann na
Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia, e assim todos os outros, que são
ou foram pesquisadores em universidades públicas ao tempo em que publicaram
seus artigos mais polêmicos. Nada mais natural do que tenham sido financiados
por longo tempo pelas fontes públicas de financiamento, exatamente as mesmas
que pagam os estudos dos demais pesquisadores que não vêm problemas de
segurança nos transgênicos e que são, portanto, “testas de ferro”. Que lógica então
há em dizer que uns são independentes e outros não?
Surge então um novo elemento: nem só de verbas
de governo vive um grupo de pesquisa e, de fato, pode haver a entrada de
recursos da iniciativa privada, de forma direta ou indireta (via institutos e
organizações apoiadas pela indústria) nos cofres do grupo de pesquisa. Até onde
se pode rastrear o dedo das multinacionais numa verba qualquer que chega ao
laboratório? Tomemos como exemplo a FINEP, um órgão de governo, mas que nem
ligações com a indústria, inclusive financeiras. Será que uma pesquisa apoiada
pela FINEP tem o dedo de uma multinacional do agronegócio? Outro exemplo: O
CNPq, financiado pelos impostos e por tudo o mais que traz dinheiro para os
cofres públicos. Ora, o agronegócio é um importante pagador de impostos, logo o
pesquisador que usa recursos do CNPq é suspeito de ser testa de ferro das
multinacionais? O raciocínio parece tortuoso e injusto, mas coisas assim são a
regra entre os que qualificam todo e qualquer pesquisador que não segue a linha dos Séralinis
da oposição como testas de ferro do agronegócio GM. Por outro lado,
Séralini e seus colegas receberam gordo financiamento das grandes empresas que
vendem produtos não-GM e agora mantém um curioso vínculo com uma empresa que
vende produtos milagrosos que, naturalmente, protegerão seus consumidores dos
perigos dos alimentostransgênicos...
Mas, afinal, para sermos sensatos, devemos
investigar e categorizar de onde provêm os recursos que movem as pesquisas em
transgenia. Em que quadrante da “bussola” da pesquisa o grupo se encaixará vai
depender muito do que se quer com a pesquisa. Observemos a figura abaixo, baseada
em uma figura análoga encontrada em “Possible Interactions Between Basic
Science and Applied Technology and Between the Market and Government” (http://www.dallasfed.org/assets/documents/research/pubs/science/lawlor.pdf),
e por sua vez inspirada no artigo de Ruttan (2001).
Um
pesquisador pode facilmente posicionar seu grupo em um ou mais dos quadrantes
desta figura. Se ele é um pesquisador movido pela ciência básica, buscando a
razão de ser dos fatos da natureza, provavelmente tende a se encaixar no
quadrante de Bush (não o ex-presidente americano, mas um ex-diretor do MIT). O quadrante
de Pasteur é onde se situam os pesquisadores que caminham na direção da
inovação, pois estão fazendo as descobertas que vão pavimenta-la. Aqui também
devem se encaixar os pesquisadores que investigam, do ponto de vista dos
mecanismos básicos, o impacto dos elementos constituintes de uma tecnologia no
ambiente e na saúde, como é o caso da pesquisa das proteínas Bt transgênicas na
saúde humana e nas populações de insetos não alvo. O terceiro quadrante (de
Edison) envolve os pesquisadores que militam na pesquisa aplicada, mas são
pagos pelo Governo: são aqueles que estão mais próximos da inovação.
Por
fim, os pesquisadores que atuam no desenvolvimento, avaliação e aprimoramento
de produtos estão no quadrante da NASA, que já tem um claro viés tecnológico. Como
é óbvio, cada um destes quadrantes tem um financiador principal, em geral o
Governo e seus braços vários e, em muito menor escala (exceto nos EUA), a
indústria.
Figura 1: Quadrantes das atividades de
pesquisa, de acordo com o interesse do pesquisador em relação à ciência básica
e à inovação.
Onde estão os testas de ferro, que não vêm os
perigos dos OGM? Em geral no quadrante de Bush e em alguns casos no quadrante
de Pasteur. Por que? Porque suas pesquisas são, de fato, básicas, e empregam os
recursos mais avançados, mas também melhor estabelecidos, na ciência. O que
fazem eles? Avaliações toxicológicas, investigações de mecanismos de ação, e um
sem número de outras pesquisas básicas, que conduzem em última instância a
dados que consubstanciam a avaliação de risco.
Onde estão os “independentes”? Exatamente
nos mesmos quadrantes!
Enfim, o que os faz diferentes? A
ideologia e o rigor científico. Cabe ao leitor, avaliando os artigos
científicos sobre os seus assuntos prediletos (e não a Stultitia ou Moria
internetês) e concluir.
Referência
Ruttan, V. W. (2001), Technology, Growth and Development: An Induced
Innovation Perspective(New York and
Oxford: Oxford University Press), 696 pp. (link: http://www.amazon.com/Technology-Growth-Development-Innovation-Perspective/dp/0195118715)
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