sábado, 4 de maio de 2013

Feliciano, a “cura gay” e os transgênicos

O recrutamento do público para causas mal fundamentadas costuma mesmo dar certo, por mais paradoxal que pareça. Há duas razões fundamentais deste sucesso, ambas ligadas àquilo que as pessoas acreditam e ao seu comportamento:


A primeira razão é a tendência que temos em aceitar as informações após uma pequena avaliação (ou sem nenhuma avaliação), se vier de uma fonte que confiamos (porque se alinha com nosso ideário).  Isso reflete o custo de adquirir informações e o benefício que podemos desfrutar destas informações. Como todo custo/benefício nesta Terra de Deus.

segunda razão é que a ideologia que abraçamos, conscientemente ou não, permeia tudo e está, evidentemente, acima da ciência e das fontes exatas de informação, exceto para aqueles que dependem da aplicação do método científico, para os quais a ideologia fica logo em segundo lugar (sem desaparecer, é claro!).

Vamos aos casos Feliciano e Transgênicos. Veremos que o caso da oposição fanática aos transgênicos  idêntico tanto ao da oposição quanto ao apoio a tudo o que venha de felicianos et caterva, inclusive a tal "cura gay". Por que?

Primeiro, a qualidade e suficiência da informação para tomada de posição: quem leu o projeto de lei, que nem é do Feliciano? Quem leu a posição do Conselho Federal de Psicologia? Quem, de fato, acompanha de perto esta difícil e complexa discussão por tempo suficiente para se posicionar de forma sensata? Pouquíssimos. Pelas respostas que se lê na internet às várias postagens nos inúmeros portais que veiculam esta discussão (verdadeiros papagaios, sem nenhuma avaliação crítica), o público e a mídia se posicionam sem conhecimento do assunto, motivados pela ideologia e por suas convicções (próprias ou diretamente adquiridas dos seus pares). Mas as posições são definitivas, não dão espaço algum para dúvidas, o que seria, em princípio, incompatível com a vastidão da ignorância sobre o assunto.

No caso dos transgênicos a coisa é essencialmente igual: quem leu os artigos científicos que embasam as avaliações de risco, tanto os que não veem problemas (maioria) quanto os que acham problemas (minoria)? Quem leu as avaliações de risco das várias agências? Quem leu as réplicas e tréplicas das academias d ciência e dos cientistas? Pouquíssimos.  Exatamente como no caso do Feliciano, o público se posiciona sem conhecimento do assunto ou, no máximo, com um conhecimento muito superficial. E da mesma forma que no caso da polêmica feliciana, as posições são sempre definitivas, de forma totalmente incompatível com a vastidão da ignorância pública sobre biologia molecular, genética, dinâmica de populações, toxicologia, estatística, etc.

Segundo, a ideologia. O que têm de semelhante os dois casos?
Existirão sempre (e costumam ser até maioria) os que se alinham com a ideologia dos seus líderes, sem questionamentos (comportamento que pode ter vários nomes, inclusive fé): no caso da intransigência a qualquer comportamento diferente da média, o líder pode ser um Feliciano ou qualquer um de uma legião de representantes de diferentes religiões, filosofias de vida, políticas de inclusão ou exclusão, etc; no caso da oposição fanática aos transgênicos, o Jeffrey Smith, o Séralini e vários outros.  Nos dois casos, os que se alinham com seus líderes partem do princípio de que eles não podem estar errados: seus seguidores não são críticos, repetem sem entender o que lhes é ditado e enchem com seu fragor a internet e os meios de comunicação. Quando nós (cientistas e/ou estudiosos do comportamento social) lhes apontamos as falhas conceituais, dizem que:
a) no caso do Feliciano, temos parte com o Capeta (o original, vermelho e de rabo e cascos de bode), somos homoafetivos, estamos ganhando algo com nossa posição, etc.;
b) no caso dos transgênicos, se formos favoráveis, temos parte com o Novo Capeta (a Monsanto e todas as demais multinacionais, mas também com a Embrapa, com a CTNBio e com todas as universidades) e fomos comprados por dez réis de mel coado.

Nada se pode fazer contra isso: a conversão de um grande público à razão exige visões messiânicas, ver Simão no deserto, falar com língua de fogo e coisas assim, que só podem ser alcançadas por um líder carismático, híbrido de Arquimedes, Hegel, Goebbels, Hitler, Lennon e MacLuhan. Nós, cientistas, não entendemos nada disso nem faremos coisa alguma para converter as massas: vamos é beber muito uísque, que nossas burras já estão cheias de notas e pedras preciosas graças ao capitalismo internacional, nosso amo. Afinal, os cientistas também têm sua ideologia, não é?


PS. O assunto evocado pelo Deputado Feliciano é de difícil trato. De toda forma, em face ao fato de que a maioria das notícias não traz links para os textos que PRECISAM SER CUIDADOSAMENTE ESTUDADOS PELO PÚBLICO ANTES DE QUALQUER POSICIONAMENTO, adiciono os links abaixo e sugiro aos interessados que comecem pela leitura da resolução do Conselho Federal de Psicologia, depois leiam o Projeto de Decreto Legislativo 234 e que sigam no Parecer do CFP. Mas não parem aí, naturalmente...

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