A primeira razão é a tendência
que temos em aceitar as informações após uma pequena avaliação (ou sem nenhuma
avaliação), se vier de uma fonte que confiamos (porque se alinha com nosso ideário). Isso reflete o custo de adquirir informações e o benefício que podemos
desfrutar destas informações. Como todo custo/benefício nesta Terra de Deus.
A segunda razão é que a ideologia que abraçamos, conscientemente ou não, permeia tudo e está, evidentemente, acima da ciência e das fontes
exatas de informação, exceto para aqueles que dependem da aplicação do método
científico, para os quais a ideologia fica logo em segundo lugar (sem
desaparecer, é claro!).
Vamos aos casos Feliciano e
Transgênicos. Veremos que o caso da oposição fanática aos transgênicos idêntico tanto ao da oposição quanto ao apoio a tudo o que venha de felicianos et caterva, inclusive a tal "cura
gay". Por que?
Primeiro, a qualidade e suficiência da informação para tomada de
posição: quem leu o projeto de lei, que nem é do Feliciano? Quem leu a
posição do Conselho Federal de Psicologia? Quem, de fato, acompanha de perto
esta difícil e complexa discussão por tempo suficiente para se posicionar de
forma sensata? Pouquíssimos. Pelas respostas que se lê na internet às várias
postagens nos inúmeros portais que veiculam esta discussão (verdadeiros
papagaios, sem nenhuma avaliação crítica), o público e a mídia se posicionam
sem conhecimento do assunto, motivados pela ideologia e por suas convicções
(próprias ou diretamente adquiridas dos seus pares). Mas as posições são
definitivas, não dão espaço algum para dúvidas, o que seria, em princípio,
incompatível com a vastidão da ignorância sobre o assunto.
No caso dos transgênicos a coisa
é essencialmente igual: quem leu os artigos científicos que embasam as
avaliações de risco, tanto os que não veem problemas (maioria) quanto os que
acham problemas (minoria)? Quem leu as avaliações de risco das várias agências?
Quem leu as réplicas e tréplicas das academias d ciência e dos cientistas?
Pouquíssimos. Exatamente como no caso do
Feliciano, o público se posiciona sem conhecimento do assunto ou, no máximo,
com um conhecimento muito superficial. E da mesma forma que no caso da polêmica
feliciana, as posições são sempre definitivas,
de forma totalmente incompatível com a vastidão da ignorância pública sobre biologia
molecular, genética, dinâmica de populações, toxicologia, estatística, etc.
Segundo, a ideologia. O que têm de semelhante os dois casos?
Existirão sempre (e costumam ser
até maioria) os que se alinham com a ideologia dos seus líderes, sem questionamentos
(comportamento que pode ter vários nomes, inclusive fé): no caso da
intransigência a qualquer comportamento diferente da média, o líder pode ser um
Feliciano ou qualquer um de uma legião de representantes de diferentes
religiões, filosofias de vida, políticas de inclusão ou exclusão, etc; no caso da
oposição fanática aos transgênicos, o Jeffrey Smith, o Séralini e vários outros.
Nos dois casos, os que se alinham com
seus líderes partem do princípio de que
eles não podem estar errados: seus seguidores não são críticos, repetem sem
entender o que lhes é ditado e enchem com seu fragor a internet e os meios de
comunicação. Quando nós (cientistas e/ou estudiosos do comportamento social) lhes
apontamos as falhas conceituais, dizem que:
a) no caso do Feliciano, temos
parte com o Capeta (o original, vermelho e de rabo e cascos de bode), somos homoafetivos,
estamos ganhando algo com nossa posição, etc.;
b) no caso dos transgênicos, se
formos favoráveis, temos parte com o Novo Capeta (a Monsanto e todas as demais
multinacionais, mas também com a Embrapa, com a CTNBio e com todas as
universidades) e fomos comprados por dez réis de mel coado.
Nada se pode fazer contra isso: a
conversão de um grande público à razão exige visões messiânicas, ver Simão no
deserto, falar com língua de fogo e coisas assim, que só podem ser alcançadas
por um líder carismático, híbrido de Arquimedes, Hegel, Goebbels, Hitler,
Lennon e MacLuhan. Nós, cientistas, não entendemos nada disso nem faremos coisa
alguma para converter as massas: vamos é beber muito uísque, que nossas burras
já estão cheias de notas e pedras preciosas graças ao capitalismo internacional,
nosso amo. Afinal, os cientistas também têm sua ideologia, não é?
PS. O assunto evocado pelo Deputado Feliciano é de difícil
trato. De toda forma, em face ao fato de que a maioria das notícias não traz
links para os textos que PRECISAM SER CUIDADOSAMENTE ESTUDADOS PELO PÚBLICO
ANTES DE QUALQUER POSICIONAMENTO, adiciono os links abaixo e sugiro aos interessados
que comecem pela leitura da resolução do Conselho Federal de Psicologia, depois
leiam o Projeto de Decreto Legislativo 234 e que sigam no Parecer do CFP. Mas
não parem aí, naturalmente...
Resolução do CFP de 1999: http://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/1999/03/resolucao1999_1.pdf
Projeto de Decreto Legislativo 234/2011: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=881210&filename=PDC+234/2011
Parecer do CFP: http://site.cfp.org.br/?attachment_id=14006
Nenhum comentário:
Postar um comentário