Livros trazem conceitos amadurecidos numa
longa discussão. É o caso de Conexões Ocultas, de Fritjof Capra. De lá de
dentro pode-se pinçar aqui e ali um trecho, do autor ou de suas citações, para
alimentar discussões. Isso é perigoso porque pode refletir erradamente o
conceito que o autor queria passar ou ainda o “citado”, que por tabela acaba “falando”
taquigraficamente. Mesmo assim vou comentar dois trechos que aparecem no livro
citado.
"Ao contrário dos cromossomos, os genes não são objetos
físicos, mas simples conceitos que adquiriram, no decorrer das últimas décadas,
uma enorme bagagem histórica... É possível que tenhamos chegado a um ponto em
que o uso do termo "gene" tem muito pouco valor, podendo inclusive
ser um obstáculo à nossa compreensão do genoma." (William Gelbart)
Como quase tudo na vida, isso é uma meia
verdade. Inicialmente ninguém tinha ideia do que era um gene. É quase um
milagre ver o quanto a genética andou sem que se soubesse minimamente onde
estavam os genes e como eram compostos. Só a partir de Avery e cols (1944), e
sobretudo, depois de Watson e Crick (1953) é que ficou claro onde estavam os
genes: no DNA, que formava o tal cromossomo, há muito conhecido de todos. Mas a
coisa avançou muito: descobriu-se o código genético, mostrou-se que um gene
bacteriano era uma sequência ininterrupta de bases começando de um ATG e
terminando num dos 3 codons de parada, depois mostrou-se que havia introns em
genes eucariotos, como eles eram retirados, surgiu o conceito de splicing alternativo,
etc. Hoje, o conceito de gene é mais complexo que o antigo, mas está muito bem
consolidado. O que pode acontecer é que cada definição tem alguma pequena
falha, mas isso não invalida:
a) Sua localização e composição
b) Sua função básica
O principal erro acima é dizer que o gene
não é um objeto físico. Coisas muito mais sutis, como a luz, os mésons, bósons,
etc, são objetos físicos...isso é uma bobagem filosófica prá inglês ver.
"A realidade da Engenharia Genética é muito mais confusa. Em seu estágio atual, os geneticistas não tem controle algum sobre o que acontece com o organismo. São capazes de inserir um gene no núcleo de uma célula com a ajuda de um vetor de transferência específico, mas não sabem se a célula vai incorporar o novo gene em seu DNA, nem onde esse novo gene estará localizado se for incorporado, nem quais os efeitos que terá sobre o organismo. Assim, a Engenharia Genética funciona na base da tentativa e erro e prima pelo disperdício. A média do sucesso dos experimentos genéticos é cerca de um por cento, pois o contexto vivo do organismo hospedeiro, que determina o resultado do experimento, continua praticamente inacessível à mentalidade "técnica" que está por trás da atual biotecnologia" (D.J. Weatherall)
"A realidade da Engenharia Genética é muito mais confusa. Em seu estágio atual, os geneticistas não tem controle algum sobre o que acontece com o organismo. São capazes de inserir um gene no núcleo de uma célula com a ajuda de um vetor de transferência específico, mas não sabem se a célula vai incorporar o novo gene em seu DNA, nem onde esse novo gene estará localizado se for incorporado, nem quais os efeitos que terá sobre o organismo. Assim, a Engenharia Genética funciona na base da tentativa e erro e prima pelo disperdício. A média do sucesso dos experimentos genéticos é cerca de um por cento, pois o contexto vivo do organismo hospedeiro, que determina o resultado do experimento, continua praticamente inacessível à mentalidade "técnica" que está por trás da atual biotecnologia" (D.J. Weatherall)
Pra começar, aqui há o uso perigoso da “parte
pelo todo”. Primeiro, quando se faz engenharia genética de bactérias e
leveduras, sabe-se precisamente onde o gene vai entrar. Isso não ocorre, por
enquanto, com eucariotos superiores (plantas, camundongos, etc.), mas o cenário
está mudando rapidamente. De toda forma, isso NÃO DÁ O DIREITO A NINGUÉM de
dizer que “os geneticistas não têm controle algum sobre o que acontece com o
organismo”. Isso é uma cantilena da internet e é espantoso que o velho Capra
repita isso como um papagaio que comeu as “sementes do mal” (mesmo quando cita .Weatherall, sem o criticar). Triste. O que ocorre agora é que a inserção feita com o uso de
Agrobacterium ou por gene gun bota a construção em algum
lugar, e algumas vezes mais de uma cópia e as cópias podem ser diferentes.
Parece o caos, mas não é: são produzidos sempre milhares de transformantes
(chamados eventos) e, depois de anos de avaliação por um monte de critérios
diferentes os eventos que mostram o que se deseja e nada do que não se deseja
são então avaliados do ponto de vista molecular. O que se descobre? Em geral
que uma cópia única da construção genética foi inserida, que está numa região
sem genes ou num gene muito repetido no genoma e que a construção pode ou não
ter sua sequência alterada no processo de transformação. Uma vez feito isso,
NENHUMA INCÓGNITA PERMANECE: não há genes escondidos, cópias perdidas,
alterações inesperadas e coisas assim. Mais uma vez: para cada 10.000 eventos
um, apenas um, chega ao mercado. A média não é 1%, como diz o Capra (citando Weatherall), mas apenas 0,01% (veja comentário sobre desperdício abaixo). É
um funil muitas vezes pior que o pior dos vestibulares. Se fizéssemos assim nas
universidades do Brasil, só teríamos alunos candidatos a Nobel...
Quanto ao fato de que a engenharia genética
prima pelo desperdício, o filósofo Capra esquece que a evolução toda trabalha
assim (e a engenharia genética é uma evolução acelerada em tubo de ensaio):
milhões de mutantes surgem apenas para serem eliminados, restando pouquíssimos
felizardos, sem nenhum vetor que direcione esta mudança. Que economia existe
nisso?
Além disso, estamos no início da engenharia
genética e já começamos a fazer inserções sitio-específicas em células de
plantas e mamíferos. Onde vai parar a argumentação do filósofo? O Capra anda
contaminado pelos ativistas anti-OGM, coitado.
Eu gostaria de fazer um pequeno comentário, não to aqui pra julgar nem nada, mas eu gosto muito de ler e o Fritjof Capra já passou pelas minhas leituras e o livro que eu li dele foi O Ponto de Mutação, pelo que eu li eu interpretei que ele na verdade acha que o certo seria em vez de uma intervenção médica vigente, o mais econômico, duradouro e benéfico humanamente e socialmente falando seria uma ampla pesquisa dos fatores ambientais, sociais em conjunto com os biológicos por exemplo e uma atitude preventiva. A complicação que eu vejo em genética é que ainda se tem muitas lacunas para preencher, tivemos vários avanços sim, mas as implicações étnicas são inúmeras. Por exemplo, quando falamos de câncer. Pelo que eu li, ele não falava mal da biologia (genética em particular) ou a desvalorizava, mas sim, propunha uma nova abordagem, um novo paradigma. Agora se é mais conveniente para nós é uma outra questão onde muito mais além da biologia para nos dizer.
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