Nos comentários a uma postagem na Ciência Hoje (link: http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2013/04/polemica-a-mesa
) o Rafael Benevenuto argumentou que os cientistas brasileiros (inclusive,
supostamente, os que dão pareceres na CTNBio como membros nas setoriais) não têm
independência. O Rafael diz que os cientistas brasileiros têm conflitos de
interesse. É verdade que muitos dos cientistas brasileiros têm colaborações com
empresas, o que é muito sadio, porque é assim que a descoberta vira inovação e o
país só ganha com isso, que nada tem a ver com conflito de interesse. Na CTNBio
muitos membros, como líderes de pesquisa, têm ou tiveram colaborações
esporádicas com empresas e devem rejeitar analisar processos destas empresas e
se abster nas votações. É assim que funciona. Se colaboram com outras empresas,
isso absolutamente não configura conflito de interesse, nem no Brasil, nem na
Nova Zelândia, nem em qualquer outra parte do mundo.
Logo em seguida ele afirma que o Jack Heinemann (Professor de
uma universidade na Nova Zelândia, autor de vários trabalhos apontando supostos
perigos dos transgênicos e erros dos avaliadores) não tem qualquer ligação com
as grandes empresas. Pois é, não tem mesmo. Isso não o faz nem um pouco melhor
nem lhe dá mais autoridade que os cientistas brasileiros, mesmo aqueles que têm
contatos com o setor privado. Claro deve ficar: o debate que queremos fazer sempre, quando recusamos aceitar um artigo científico, é de
qualidade e consistência da informação científica e nada tem a ver com quem a
está publicando (nem o autor, nem a revista ou o site).
Em seguida, ainda nos aspectos éticos, o Rafael diz que
minha iniciativa em circular uma petição de apoio à liberação do feijão
transgênico (antes da eleição em Plenária da CTNBio,em 2010) foi criticável.
Ora, qualquer cidadão tem o direito de circular uma petição, sobre qualquer
assunto, num país democrático. Assim como circulei uma petição pedindo apoio,
em muitas outras ocasiões circularam petições pedindo a rejeição da aprovação
de um produto. Isso é natural. O que os opositores ao feijão GM criticaram na
ocasião foi o fato de que alguns membros, assinando a petição, deixavam claro
sua posição na votação. O que o Rafael talvez não saiba é que não há qualquer
cláusula na CTNBio que impeça seus membros de dizer publicamente se concordam
ou não com um pedido, desde que o pedido não seja confidencial. Além disso, e
muito mais importante, as votações nas setoriais já tinham se encerrado fazia
tempo quando a petição foi ao ar... Expressar publicamente opinião sobre
assunto previamente votado, ou mesmo antes do voto, a menos em casos especiais,
nunca foi desvio ético, nem no Brasil nem no mundo (exceto, talvez, nos países
da extinta Cortina de Ferro, na Alemanha Nazista e em outros remanescentes de
linha dura). Para concluir, quero deixar claro que a mania que muitas pessoas têm de
tentar desqualificar o indivíduo como forma de desqualificar seu trabalho é
nociva ao debate: o que está em discussão é a obra que fica e não a
pessoa que a fez, que morre e vira pó.
O Rafael lista alguns questionamentos que julgo importante
discutir, estes sim, com aspectos científicos e, portanto, relevantes para minha
área de atuação pregressa na CTNBio. Ele se pergunta: será mesmo que não
haveria razão de uma nova revisão no parecer da CTNBio? Em seguida lista alguns
pontos que ele julga questionáveis.
1) Como descrito na página 196 do processo, já
que não houve diferença no peso corpóreo, ganho de peso e consumo de ração,
seria mesmo desprezível uma análise imunológica como a Embrapa afirma? E porque
não são feitos estudos de longo prazo e com animais em fase de gestação?
Na avaliação de risco, como em outras áreas de investigação,
os experimentos devem ser dirigidos por uma hipótese de causalidade baseada em
conhecimentos prévios. Não há razão de fazer experimentos sem esta base porque
se gastam recursos humanos e financeiros, algumas vezes se sacrificam animais,
e em geral não de demonstra nada. No caso do feijão, a análise composicional
indica que não há alterações significativas do perfil de nutrientes e
antinutrientes, alergenos principais e outros componentes. Além disso, o único
produto novo no feijão GM é, neste caso, um micro RNA que aparece em
concentrações diminutas no grão cozido. Considerando isso e mais o fato de que
comemos diariamente muitas microgramas de dsDNA originados de todos os nossos
alimentos e, apesar disso, nunca foi detectada alergia a eles, pode-se concluir
que não há um mecanismo causal que pudesse justificar o aparecimento de
alergias no feijão GM (além daquelas associadas ao feijão comum).
Mesmo assim, as empresas todas que vendem sementes
transgênicas avaliaram a alergenicidade das proteínas novas de seus, através da
comparação de sequências com alergenos conhecidos depositadas em bancos de
dados. A Embrapa fez a mesma coisa e nada foi encontrado. A digestão in vitro da proteína também pode ser
feita, mas não é o caso do feijão GM, porque não produz proteína nova. Não
existem modelos animais para a previsão de novos alergenos, portanto, é inútil
sacrificar animais com a pretensão de se conseguir resultados sobre
alergenicidade.
A razão de não se fazer experimentos de longo prazo é a
mesma: não há proteínas novas expressas, não há mudanças composicionais, não há
dsRNA em quantidades significativas no grão e, por último, não há evidências de
qualquer alteração causada nos animais pela alimentação com o feijão GM em
comparação com o não GM. A RN-05 da CTNBio não obriga a gerar estes dados com
animais em múltiplas gerações, apenas pede os dados, quando houver. Neste caso,
não faz sentido algum gerar os dados.
2) Foi realizada uma análise proteômica dos
grãos, no entanto foram identificadas apenas as proteínas ditas
"principais", aquelas de maior expressão, não sendo feita análise comparativa
e diferencial dos perfis protéicos. Porque vocês acreditam que todas as outras
proteínas de menor expressão que essas 26 "principais" identificadas
não são importantes para o risco da saúde e meio ambiente? Porque só analisaram
26 proteínas se um bom gel de 13 cm consegue separar aprox. 500 proteínas?
A análise proteômica feita pela Embrapa realmente não
acrescenta informação relevante para a avaliação de riscos. A Embrapa
poderia, muito bem, não ter feito nada. Se quisesse fazer uma avaliação de centenas
de proteínas, ainda assim não teria dados relevantes para o avaliador de risco
e a razão é múltipla:
·
Não há uma base de dados para variações normais
de perfis proteicos em proteômica para os cultivos comuns, muito menos para
feijão. Sem isso é impossível valorar qualquer modificação observada.
·
As variações observadas nestes perfis proteicos
são muito maiores devido a variações de solo, disponibilidade de água e muitos
outros fatores culturais, do que devido à transgenia, inclusive para as mesmas
proteínas que eventualmente variam de composição.
·
Por fim, a menos que o aumento ou redução seja
de toxinas, alergenos, antinutrientes e coisas assim, o aumento de uma ou outra
proteína sem estas características é absolutamente irrelevante para a questão
de risco. Ora, estas outras proteínas já foram avaliadas na análise
composicional.
O uso de proteômica, transcriptômica ou metabolômica para
fins de avaliação de risco não traz, por enquanto, qualquer informação
relevante e não há porque cobrar isso da empresa e dos avaliadores de risco.
No processo da Embrapa, um grande número de outros
parâmetros foi avaliado, alguns foram informativos, a maioria foi feita apenas
como resposta aos requerimentos da CTNBio. No final, pelos dados relevantes (e
suficientes) para a avaliação de risco, a CTNBio concluiu que o feijão não
apresenta riscos significativos à saúde humana e animal, ou ao meio ambiente.
Espero ter esclarecido as duas questões acima, com base em
ciência e sem acusar de deslize ideológico ou ético quem quer que seja.
Paulo Andrade
Olá Paulo, parabéns pela matéria.
ResponderExcluirA população acorda tarde, como sempre, por um assunto de grande importância nacional.
Toda parte burocrática do assunto é de extrema importância e necessária sim, mas o muito falar nesses casos, só me mostra a grande falta de conhecimento que essa ferramenta, biotecnologia vegetal, tem a nos servir no futuro.
Como geneticista de planta e trabalhando com silenciamento gênico no doutorado, irei discutir o assunto no meu blog Plantando genes.
Um abraço!
Rafael Garcia Tavares