domingo, 21 de abril de 2013

Ciência, independência e voto: se o caso é transgênico, a solução democrática não vale


Em setembro de 2012 o pesquisador francês Séralini e seus colaboradores publicaram um artigo científico, acompanhado de livro bombástico e de uma campanha midiática digna de estrelas de Hollywood, mostrando ratos com enormes tumores devidos, segundo eles, ao consumo de milho transgênico e de um herbicida. Ninguém havia visto coisa parecida antes, os autores não sugeriram qualquer mecanismo causal para o aumento do número e tamanho dos tumores (a linhagem de ratos usada desenvolve tumores espontâneos depois de um ano de vida) e o milho em estudo, assim como o herbicida avaliado, são amplamente empregados no mundo, sem qualquer relato de carcinogênese ou formação de tumores. Como esperado num caso assim, a comunidade científica em peso avaliou a metodologia, que considerou imprópria em vários aspectos, concluindo que o artigo não podia afirmar nada do que dizia e que nem sequer como um alerta deveria ser considerado (ver, por exemplo, http://genpeace.blogspot.com.br/2012/11/fim-da-polemica-dos-ratos-com-tumores.html; http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/a-franca-faz-seu-dever-de-casa.html) .

Os grupos contra os transgênicos, ao invés de reconhecer a má qualidade do artigo, acusaram todos os que o rechaçaram como cientistas sem independência; por outro lado, consideraram todos aqueles que apoiaram o Séralini como cientistas independentes, paladinos da verdade.

Ora, o método científico é um só, independente da ideologia do pesquisador. Se ele não segue este (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/05/maioria-e-reducionismo-na-ctnbio.html), que é um só (não confundir com metodologias, que são numerosíssimas), independente de quem lhe paga a pesquisa, de sua ideologia e, sobretudo, dos resultados encontrados, que nem sempre são os que gostariam de ver (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/05/transgenicos-metodo-cientifico-politica.html) .

As vozes isoladas na ciência, no caso dos transgênicos, não são ecos da genialidade dos proponentes do Sistema Heliocêntrico, dos retrovírus, dos príons ou de muitos outros inovadores (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/vozes-isoladas-na-ciencia-quebra-de.html), que empregaram o mais rigoroso método científico em suas pesquisas. São, pelo contrário, produtores de factoides, tão independentes que chegam a ser independentes do próprio método científico.

Ora, o método científico é um só: se não seguirem este método, fatalmente seus resultados não serão aceitos como ciência, embora possam ser usados para outros fins, tais como espalhar o temor irracional à tecnologia ou provocar reações de “hipersensibilidade” em autoridades nacionais interessadas na mídia e no eleitor. Neste sentido, os verdadeiros cientistas não são mesmo independentes: eles têm que seguir o método científico.

O que se passou no Brasil com o caso do Séralini? Imediatamente à divulgação hipermediática do artigo, do livro e de dezenas de press releases, as organizações nacionais contra os transgênicos levantaram a bandeira vermelha: será preciso rever tudo o que a CTNBio fez para avaliar os riscos do milho transgênico usado pelo Séralini. Como contraponto, vários cientistas da própria CTNBio ou de universidades e centros de pesquisa escreveram um comunicado técnico rechaçando as conclusões do artigo de Séralini (http://www.ctnbio.gov.br/upd_blob/0001/1721.pdf), ao mesmo tempo em que academias e agências de avaliação de risco mundo a fora, inclusive a francesa, tomavam a mesma posição (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/seis-academias-cientificas-francesas_9343.html). 

Como esperado, a oposição aos transgênicos acusou todos estes cientistas de falta de independência (inclusive no Brasil, claro). E mais: os opositores franceses argumentaram que a Academia de Ciências da França e as várias outras (seis ao total) (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/10/seis-academias-cientificas-francesas_9343.html) não podiam falar por todos, porque a questão não tinha sido levada às respectivas plenárias, tendo sido assinada apenas por alguns poucos membros.  Os opositores brasileiros seguiram a mesma toada: exigiram que a CTNBio apreciasse uma argumentação feita por eles (http://aspta.org.br/wp-content/uploads/2013/03/parecer-NK-603.pdf) e que votasse o documento da presidência (contrário ao artigo). Depois de uma longa e estéril discussão, que resvalou muito além da ciência, a CTNBio votou no dia 18 deste mês de abril de 2012 o documento da Presidência, que foi aceito por 14 votos contra 4. Imediatamente as organizações contra os transgênicos trombetearam: ciência não se faz com votos (http://aspta.org.br/campanha/625-2/). Na verdade, desde o primeiro momento elas sabiam que perderiam a votação em qualquer fórum científico, seja a CTNBio ou a Academia do Vaticano, porque falta método científico no trabalho e sobra má ciência na argumentação apresentada. Esta posição ambígua é extremamente nociva ao andamento dos trabalhos na CTNBio, mas faz sentido estratégico. De fato, um homem só exige entrar numa peleja em que sabe que será derrotado se tiver algum bônus no embate seguinte. A turma que só vê perigo nos transgênicos e que acha que a maioria da CTNBio só decide errado sabe muito bem que perde nos votos. Então, empurrando a Comissão a votar todo tipo de documento, ela terá sempre oportunidade de dizer que as decisões não são válidas, porque a ciência não se faz por votação. Mas é este mesmo grupo de ideólogos que exige uma votação na Academia de Ciências em Paris, rechaçando opiniões de sub-grupos acadêmicos.

Será mesmo que ciência se faz por consenso? Quando há discordância, como se resolve? Em geral, a voz da maioria dá o tom em ciência (é uma votação implícita...). É o main trend. Se vozes discordantes existem, elas terão que angariar adeptos até que estes sejam tão numerosos quanto o main trend. Só então suas proposições serão aceitas por todos. O que ocorre com Séralini e outros independentes da metodologia científica? Eles só angariam o apoio, quando muito, de seus pares independentes.  E mesmo este apoio é raro: quem se atreveria, por exemplo, a repetir o absurdo metodológico oferecido pelo Séralini e seus ratos com tumores? Quem financiaria uma pesquisa com metodologia tão viciada? Nem os “independentes do método científico”, nem os que lhes assinam moções de apoio, se aventuram a repetir trabalhos problemáticos. Seguindo estes passos, Séralini et caterva nunca serão main trend, isto é, nunca serão aceitos pelos cientistas em geral.








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