quinta-feira, 3 de maio de 2012

Transgênicos: método científico, política nacional de biossegurança e...agrotóxicos


 Car@s leitore(a)s do blog.

Em resposta aos questionamentos excelentes e opiniões expressas pela Márcia Tait, postados como comentário de um post anterior (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/05/maioria-e-reducionismo-na-ctnbio.html), e considerando que as posições dela espelham uma preocupação de boa parte do público, trago a vocês meus comentários.

Vou começar pelo tema do método científico. Por enquanto só existe um método científico (embora haja muitas metodologias). Se ele não for seguido, o resultado do trabalho não será científico. Não há razão de temer este método, embora ao final se possa ficar chateado com os resultados... Há um sem-fim de questões ecológicas e agronômicas que tem sido eficientemente tratadas pelo método científico. O que ocorre por vezes é um choque entre o resultado do trabalho e a expectativa deste resultado. Por exemplo, quando uma pesquisa bem conduzida mostra que os agricultores familiares podem se beneficiar de um determinado produto transgênico, isso não está de acordo com as expectativas dos grupos agroecológicos. De forma semelhante, quando uma pesquisa aponta grande produtividade do milho crioulo em determinadas condições de cultivo nas terras dobradas de Santa Catarina, o pessoal do agronegócio se irrita. Mas se as pesquisas foram bem conduzidas, não adianta se irritar, mas aceitar o resultado num determinado contexto. Pois vejam, o que se passa tanto num caso como no outro é que o grupo que se sente “prejudicado”  baixa o pau no pesquisador, tentando encontrar erros ou simplesmente desqualificando o grupo de pesquisa como comprado por grupos econômicos ou por ativistas ambientais. Como se resolve isso? Ou se evita o confronto – não aceitando a priori o método científico e a ciência em geral na nossa área particular de interesse, ou se descartam os resultados que não agradam ou não se encaixam no port-folio da filosofia pessoal, confiando sempre em outras opiniões que seguem outros métodos.  As duas atitudes resolvem o impasse, mas não são sensatas.

Quero concluir esta primeira parte do post com um apelo: os aspectos biológicos dos transgênicos não deveriam ser tratados com outro método que não o científico. Tentar evitar isso é nocivo ao bem-estar do ambiente e das pessoas. Quando as conclusões científicas são incorporadas aos outros aspectos sociais e econômicos, então podem entrar várias outras formas de construção do saber, incluindo as experiências individuais e coletivas, a tradição, a incorporação de conhecimentos e práticas de outros países, etc. Se a gente separa bem isso, não tem qualquer problema. O que deixa qualquer um perturbado é insistir em rezar numa cartilha quando se fala de um outro assunto: biologistas moleculares falando em percepções sociais dos transgênicos e economistas falando na desregulação endócrina de herbicidas... há bem poucos de nós que têm trânsito em áreas tão distintas. Como corolário, é bem pouco sensato tirar conclusões científicas de observações de leigos, ainda que estes leigos sejam vítimas de uma tecnologia qualquer. É igualmente insensato impingir a voz da ciência entre uma população exposta aos ataques ou  vantagens de novas tecnologias. Cada “comunidade”, seja de cientistas, de pequenos produtores, de consumidores de produtos orgânicos ou de capitães do agronegócio, tem seu próprio ritmo e sua maneira de internalizar as informações provenientes dos demais setores. O exercício da democracia está muito mais em entender e respeitar este tempo, este ritmo, do que querer determinar qual das informações tem mais valor dentro de um pretenso quadro integrador que espelharia o país que queremos ter.

Chegamos agora ao tema do “reducionismo” na política de biossegurança do país. O país tem diferentes visões sobre os transgênicos, dependendo do ministério envolvido, do político, etc. Naturalmente, a produção acaba tendo um peso muito grande na política, e a prova disso é a forma como a discussão do Código Florestal está sendo conduzida.  Também na biossegurança, entraves considerados desnecessários por uma boa parte dos setores de Governo devem ser evitados. De forma “reducionista”, o CNBS provavelmente considera que a avaliação de risco dos transgênicos (que é apenas sobre os aspectos biológicos) é suficiente para garantir a segurança do produto no país e que os aspectos sociais e econômicos devem ficar ao sabor das regras do mercado. A prova disso é que até agora ele não se reuniu espontaneamente para considerar estes aspectos em alguma liberação particular da CTNBio. Mas se isso é “reducionismo” ou pragmatismo, não sei.

Quero finalizar com alguns comentários sobre os agrotóxicos. Este é um assunto tratado costumeiramente com muito mais paixão do que com conhecimento. Entretanto, é um assunto basicamente técnico e que exige muito conhecimento nas áreas de agronomia, de biologia e de saúde, pelo menos. Infelizmente, um monte de informação que circula pela internet, inclusive as citadas no comentário anterior, está tão afastada do conhecimento técnico e científico quanto se possa imaginar, embora tragam outras visões do problema que podem ser úteis em alguns fóruns.

Todos sabem que se usa agrotóxicos (inseticidas e outros praguicidas, herbicidas, etc) há muito tempo. Não foram os transgênicos que trouxeram isso para mercado, nem de fato aceleraram seu uso. O que acontece é que a agricultura brasileira ganhou um enorme impulso na última década e com isso o consumo destes produtos também subiu muito. Então, o primeiro ponto é: não há nenhuma razão de acreditar que os plantios transgênicos exigem mais uso de agrotóxicos do que os convencionais. Assim, se o Brasil tivesse decidido banir os transgênicos da agricultura, provavelmente estaria consumindo hoje mais ou menos a mesma quantidade de agrotóxicos, desde que o aumento de produção fosse o mesmo. Claro que certos herbicidas ganharam mais uso (aqueles para os quais as plantas GM são tolerantes), mas em compensação diminuiu o uso de outros muito mais perigosos (sim, o glifosato está longe de ser perigoso como muitos outros bastante empregados na agricultura). Diminuiu também grandemente o uso de certos inseticidas, que se tornaram desnecessários nas plantações resistentes a insetos.  Para ter ideia disso é só ver o balanço do uso de agrotóxicos no Brasil feito pelo MAPA.

Agora, destes agrotóxicos, o que chega à mesa do consumidor? Pois bem a ANVISA fez uma pesquisa e descobriu que os produtos que têm algum agrotóxico acima do limite são sempre legumes, verduras ou frutas e 85% proveem da agricultura familiar ou de pequenos agricultores.  Não se achou nada em milho, soja ou algodão, que são os únicos vegetais GM do Brasil. Ora, se os agrotóxicos estão nos legumes, verduras e frutas é porque os agricultores aplicaram estes produtos nas suas plantações. Isso foi investigado, e de fato é assim: sem isso fica difícil lutar contra as invasoras, os fungos, as bacterioses, os grilos e outros predadores, enfim, tudo que diminui ou destrói a produção do agricultor.  Então devemos concluir que, se o agrotóxico chega à mesa do consumidor, deve ser causa de intoxicação alimentar. Será mesmo?  Bom, vamos aos dados do Ministério da Saúde: são menos de 30 casos notificados por ano ao longo de muitos anos. Intoxicações com agrotóxicos existem, perto de 3000/ ano, sendo 30% devido a tentativas de suicídio (com inseticidas e outros praguicidas, em geral), as outras são ocupacionais ou por acidentes, mas alimentares, francamente, quase não há. E as que foram notificadas, provieram de que alimento? Não há qualquer levantamento. Portanto, acusar os transgênicos, o glifosato ou outro herbicida qualquer é inteiramente sem base estatística. Sugiro uma leitura muito atenta ao texto http://genpeace.blogspot.com.br/2012/02/agrotoxicos-e-transgenicos-no-brasil.html, como aperitivo a um aprofundamento na questão dos defensivos agrícolas.

Na Argentina houve um tempo em que as plantações de soja literalmente mergulharam as pequenas comunidades no seu interior. A aspersão de herbicidas e outros produtos pode ter causado problemas de saúde, sim. Isso pode ter ocorrido também na Índia e talvez em outros países, mas no Brasil é terminantemente proibida a aspersão de  muitos agrotóxicos nas proximidades de casas. Isso é fiscalizado, pode ter certeza, nós não somos um país sem leis. Agora, se a causa de um aumento (contestado pelas autoridades sanitárias da Argentina) de casos de malformações foi o glifosato, de todos os agrotóxicos um dos menos tóxicos, aí é pura especulação. Numa plantação de soja dezenas de aspersões de diferentes produtos são realizadas antes, durante e depois do plantio. Quais delas podem ter causado o problema, se ele de fato existe?

Estes são apenas alguns dos pontos sobre agrotóxicos, intoxicação e malformações que estão na mídia. Antes de se acreditar no que “rola na internet”, convém estudar a toxicologia dos agrotóxicos, a forma como são aplicados na lavoura, como se degradam e reciclam na natureza e como poderiam chegar à mesa do consumidor. Mas isso demanda tempo, o que pouca gente tem ou quer dispor para entrar na discussão de forma coerente. É muito mais fácil repetir o que se ouve ou lê, acreditando naquilo que está de acordo com sua filosofia particular. É mais fácil, mas ao longo do tempo traz decepções e desconforto.

2 comentários:

  1. Olá Paulo, estava escrevendo por aqui diretamente e perdi todo texto! Retomo em outro momento. Mas digo, sem nenhuma ironia, que nosso debate ajudará na discussão da minha tese em andamento, para aprofundar muitos pontos. Cordialmente, Márcia.

    ResponderExcluir
  2. Parabéns pelo blog! Excelente ferramenta de divulgação científica de qualidade.

    ResponderExcluir