quarta-feira, 2 de maio de 2012

Refutando “A ineficácia dos transgênicos e suas verdadeiras intenções“: a abordagem da precaução, a avaliação de risco e a CTNBio


Em entrevista concedida à Página do MST, que resultou na nota intitulada “A ineficácia dos transgênicos e suas verdadeiras intenções”, publicada no blog Em Pratos Limpos, de 19/04/2012, Pedro Ivan Christoffoli, da Universidade Federal da Fronteira Sul tece uma série de comentários sobre as culturas transgênicas no Brasil. O texto de três páginas tem como enfoque principal as questões econômicas ligadas ao uso de sementes transgênicas, mas em alguns momentos discute aspectos de biossegurança dos transgênicos. Sendo este o tema central do blog GenPeace, comentamos abaixo alguns pontos de vista do Prof. Christoffoli, dos quais discordamos e que estão mais diretamente ligados à avaliação de risco.

O entrevistado afirma que, para o capital, os transgênicos foram um achado, pois a engenharia genética abre todas as possibilidades de manipulação da natureza. Cabe aqui a seguinte pergunta: porque apenas para o capital? A humanidade se beneficia do desenvolvimento científico e o modelo de negócio pelo qual ele vai chegar ao mercado, que nunca é único, é que vai determinar se haverá uma distribuição mais justa da inovação ou se ficará restrita a um pequeno grupo. Veja-se, por exemplo, o feijão resistente ao vírus do mosaico dourado, desenvolvido pela Embrapa: ele é fruto da mesma engenharia genética que os milhos e sojas das multinacionais, mas será entregue sem custos aos brasileiros. Será que o professor Christoffoli julga que a tecnologia do DNA recombinante é exclusiva dos capitalistas? É bom olhar com cuidado para a China, a Rússia e Cuba, apenas para pegar os exemplos extremos. É bom também olhar as empresas de governo e as iniciativas humanitárias, que estão trazendo plantas transgênicas que serão de grande ajuda para os consumidores e pequenos produtores.

A pergunta seguinte, já na área da biossegurança e da avaliação de risco, vem imediatamente após a afirmação anterior e é seguida de sua resposta imediata: Agora, isso é seguro? Uma vez que se introduz transgênicos, que são seres vivos, é muito difícil, praticamente impossível, de removê-los do ecossistema, pois esses organismos se auto-reproduzem. Eles se espalham pelo mundo e você perde o controle.  Um dos pontos principais da avaliação de risco é a questão da dispersão dos transgênicos e, sobretudo, da construção gênica (o transgene e regiões controladoras) através de organismos sexualmente compatíveis com o transgênico introduzido. Claro está que nos casos das plantas transgênicas comercialmente liberadas no Brasil este estudo foi feito, e muito bem feito, sendo a CTNBio o órgão técnico responsável pelo parecer final. Devemos lembrar que milho, soja e algodão só se propagam se forem plantados pelo homem, nenhuma destas plantas tem nem jamais terá características e comportamento de plantas invasoras. Assim, não é verdade que os transgênicos saiam pelo mundo afora, sem controle da sociedade. Claro que cada caso é diferente dos precedentes: um peixe transgênico poderia ser um problema, mas também vai depender do gene inserido e de muitos outros elementos, que serão analisados, quando aparecer o produto, pela CTNBio. No caso da passagem do transgene para plantas nativas ou pragas sexualmente compatíveis, o caso requer mais cuidado. Ocorre quem nem a soja nem o milho têm estes parentes no Brasil. O algodão pode cruzar com um algodoeiro nativo, mas o híbrido provavelmente não será competitivo. Ainda assim, a CTNBio estabeleceu zonas de exclusão para o cultivo do algodão GM. Somos forçados a concluir que a afirmação do professor Christoffoli é apressada e sugerimos que ele reveja sua posição.

No texto surge, então, uma reivindicação: A sociedade tem que controlar isso, tem que acompanhar; não pode deixar na mão das empresas, porque elas querem
lucro. Se descobrirem mais tarde que os transgênicos fazem mal à saúde,
o ônus será da sociedade. De fato, a lei 11.105, de novembro de 2005, dá ao Estado Brasileiro as ferramentas para o controle dos transgênicos (não apenas plantas, mas absolutamente tudo que é transgênico ou produzido por transgênicos). Não se trata, pois, de dizer que a sociedade deve controlar os transgênicos: ela JÁ O FAZ. Se bem ou mal, isto é outra questão.

Logo adiante o Prof. Christoffoli afirma que na ciência, existe o princípio da precaução. Se não temos certeza que os transgênicos fazem mal à saúde, o princípio da precaução diz que você deve agir no sentido de evitar que o dano aconteça, e não liberar barreiras. A frase tem vários erros, que precisamos corrigir. Primeiramente, a palavra princípio tem um significado jurídico muito abrangente, que não se aplica aqui. O que o Protocolo de Cartagena estabelece, no seu Princípio 15 (aqui, sim, é princípio), é que as Partes devem adotar uma abordagem (ou um critério) de precaução. O Protocolo e as leis que o interiorizam no Brasil não são instrumentos da ciência, mas do Judiciário e do legislativo; por isso, na verdade, a abordagem de precaução é exclusiva dos avaliadores de risco (membros e assessores da CTNBio, e seus pares nos institutos de pesquisa e empresas públicas e privadas) no âmbito da experimentação e liberação comercial de transgênicos, e não dos cientistas em geral. Por fim, o Princípio 15 do Protocolo de Cartagena define a abordagem de precaução de uma forma que parece equivalente à expressa pelo professor, mas não é: uma tradução possível da versão em inglês diz "com a finalidade de proteger o meio ambiente, os Estados devem aplicar amplamente o critério da precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza absoluta não deverá ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas eficazes para prevenir a degradação ambiental". Ora, o texto indica que medidas preventivas e mitigatórias devem ser tomadas se houver perigo de dano grave ou irreversível. Para todos os transgênicos até hoje liberados, seja no Brasil, seja em qualquer outro país, nunca foram identificados perigos de dano grave ou irreversível ao meio ambiente ou à saúde humana e animal. Muito ao contrário, eles foram considerados tão seguros quanto seus parentais não transgênicos. De toda forma, o Princípio 15 não diz que se deve proibir o produto, mas apenas que medidas para prevenir a degradação ambiental devem ser tomadas. Por isso, numa abordagem talvez excessivamente precaucionária, a CTNBio determinou áreas de exclusão para o plantio de algodão GM.

A seguir o entrevistado afirma que uma série de protocolos de segurança devem existir antes da liberação comercial. É exatamente isso que acontece: as liberações planejadas, além de todos os experimentos em laboratório e casas de vegetação, prévios a elas, dão os subsídios para a decisão do avaliador de risco. É assim no mundo todo e o Brasil não faz diferente, nem de forma menos rigorosa e não, como afirma o professor, muito superficial. Aliás, suas críticas continuam afirmando que o Estado tem sido tolerante com eventuais perigos, apontados sempre por algumas vozes na ciência que publicam resultados diferentes dos observados por todos os demais. Neste sentido, sugerimos a leitura de http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/vozes-isoladas-na-ciencia-quebra-de.html. Aqui o problema não é quem financia a pesquisa (as vozes alarmistas, por exemplo, são frequentemente financiadas por organizações contra os transgênicos), mas a qualidade e consistência dos dados e a experiência de 15 anos na liberação de milhões de hectares plantados com transgênicos.

Por fim, segundo o professor, há claramente um problema de restrição da liberdade científica. Dada a gravidade deste problema, seria conveniente que o entrevistado desse indicações claras de onde isso está ocorrendo, ao invés de ser genérico e repetir o que circula pelos sites da internet contra os transgênicos. Só para informação do público, o primeiro artigo que “mostrava” a presença de fragmentos de construção transgênica de variedades de um milho comercial GM para variedades de paiol no México foi amplamente refutado. Depois dele, uma longa série de afirmações e desmentidos se seguiram. Mas o ponto principal ficou claro: a presença de transgenes nos milhos crioulos, se existir, em nada altera sua competitividade no ambiente, nem seu uso como alimento e ração.


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