Em entrevista concedida à Página do
MST, que resultou na nota
intitulada “A ineficácia dos transgênicos e suas verdadeiras intenções”,
publicada no blog Em Pratos Limpos, de 19/04/2012, Pedro Ivan Christoffoli, da Universidade Federal da Fronteira Sul tece uma série de
comentários sobre as culturas transgênicas no Brasil. O texto de três páginas
tem como enfoque principal as questões econômicas ligadas ao uso de sementes
transgênicas, mas em alguns momentos discute aspectos de biossegurança dos
transgênicos. Sendo este o tema central do blog GenPeace, comentamos abaixo
alguns pontos de vista do Prof. Christoffoli,
dos quais discordamos e que estão mais diretamente ligados à avaliação de risco.
O entrevistado afirma que, para o capital, os transgênicos foram um
achado, pois a engenharia genética abre todas as possibilidades de manipulação
da natureza. Cabe aqui a seguinte pergunta: porque apenas para o capital? A
humanidade se beneficia do desenvolvimento científico e o modelo de negócio pelo
qual ele vai chegar ao mercado, que nunca é único, é que vai determinar se
haverá uma distribuição mais justa da inovação ou se ficará restrita a um
pequeno grupo. Veja-se, por exemplo, o feijão resistente ao vírus do mosaico
dourado, desenvolvido pela Embrapa: ele é fruto da mesma engenharia genética que
os milhos e sojas das multinacionais, mas será entregue sem custos aos
brasileiros. Será que o professor Christoffoli julga que a tecnologia do DNA
recombinante é exclusiva dos capitalistas? É bom olhar com cuidado para a
China, a Rússia e Cuba, apenas para pegar os exemplos extremos. É bom também
olhar as empresas de governo e as iniciativas humanitárias, que estão trazendo
plantas transgênicas que serão de grande ajuda para os consumidores e pequenos
produtores.
A pergunta seguinte, já na área da
biossegurança e da avaliação de risco, vem imediatamente após a afirmação
anterior e é seguida de sua resposta imediata: Agora, isso é seguro? Uma vez que se introduz transgênicos, que são
seres vivos, é muito difícil, praticamente impossível, de removê-los do
ecossistema, pois esses organismos se auto-reproduzem. Eles se espalham pelo
mundo e você perde o controle.
Um dos pontos principais da avaliação de
risco é a questão da dispersão dos transgênicos e, sobretudo, da construção
gênica (o transgene e regiões controladoras) através de organismos sexualmente
compatíveis com o transgênico introduzido. Claro está que nos casos das plantas
transgênicas comercialmente liberadas no Brasil este estudo foi feito, e muito
bem feito, sendo a CTNBio o órgão técnico responsável pelo parecer final. Devemos
lembrar que milho, soja e algodão só se propagam se forem plantados pelo homem,
nenhuma destas plantas tem nem jamais terá características e comportamento de
plantas invasoras. Assim, não é verdade que os transgênicos saiam pelo mundo
afora, sem controle da sociedade. Claro que cada caso é diferente dos
precedentes: um peixe transgênico poderia ser um problema, mas também vai
depender do gene inserido e de muitos outros elementos, que serão analisados,
quando aparecer o produto, pela CTNBio. No caso da passagem do transgene para
plantas nativas ou pragas sexualmente compatíveis, o caso requer mais cuidado.
Ocorre quem nem a soja nem o milho têm estes parentes no Brasil. O algodão pode
cruzar com um algodoeiro nativo, mas o híbrido provavelmente não será competitivo.
Ainda assim, a CTNBio estabeleceu zonas de exclusão para o cultivo do algodão
GM. Somos forçados a concluir que a afirmação do professor Christoffoli é
apressada e sugerimos que ele reveja sua posição.
No texto surge, então, uma
reivindicação: A sociedade tem que
controlar isso, tem que acompanhar; não pode deixar na mão das empresas, porque
elas querem
lucro. Se descobrirem mais tarde que os transgênicos
fazem mal à saúde,
o ônus será da sociedade. De fato, a lei 11.105, de novembro de 2005, dá ao
Estado Brasileiro as ferramentas para o controle dos transgênicos (não apenas
plantas, mas absolutamente tudo que é transgênico ou produzido por
transgênicos). Não se trata, pois, de dizer que a sociedade deve controlar os
transgênicos: ela JÁ O FAZ. Se bem
ou mal, isto é outra questão.
Logo adiante o Prof. Christoffoli afirma
que na ciência, existe o princípio da
precaução. Se não temos certeza que os transgênicos fazem mal à saúde, o princípio
da precaução diz que você deve agir no sentido de evitar que o dano aconteça, e
não liberar barreiras. A frase tem vários erros, que precisamos corrigir.
Primeiramente, a palavra princípio
tem um significado jurídico muito abrangente, que não se aplica aqui. O que o
Protocolo de Cartagena estabelece, no seu Princípio 15 (aqui, sim, é princípio),
é que as Partes devem adotar uma abordagem
(ou um critério) de precaução. O Protocolo e as leis que o interiorizam no
Brasil não são instrumentos da ciência, mas do Judiciário e do legislativo; por
isso, na verdade, a abordagem de precaução é exclusiva dos avaliadores de risco (membros e assessores da CTNBio, e seus pares
nos institutos de pesquisa e empresas públicas e privadas) no âmbito da
experimentação e liberação comercial de transgênicos, e não dos cientistas em
geral. Por fim, o Princípio 15 do Protocolo de Cartagena define a abordagem de
precaução de uma forma que parece equivalente à expressa pelo professor, mas
não é: uma tradução possível da versão em inglês diz "com a finalidade de
proteger o meio ambiente, os Estados devem aplicar amplamente o critério da
precaução conforme suas capacidades. Quando houver perigo de dano grave ou irreversível, a falta de uma certeza
absoluta não deverá ser utilizada para postergar-se a adoção de medidas
eficazes para prevenir a degradação ambiental". Ora, o texto indica que
medidas preventivas e mitigatórias devem ser tomadas se houver perigo de dano grave ou irreversível.
Para todos os transgênicos até hoje liberados, seja no Brasil, seja em qualquer
outro país, nunca foram identificados perigos de dano grave ou irreversível ao
meio ambiente ou à saúde humana e animal. Muito ao contrário, eles foram
considerados tão seguros quanto seus parentais não transgênicos. De toda forma,
o Princípio 15 não diz que se deve proibir o produto, mas apenas que medidas
para prevenir a degradação ambiental devem ser tomadas. Por isso, numa
abordagem talvez excessivamente precaucionária, a CTNBio determinou áreas de
exclusão para o plantio de algodão GM.
A seguir o entrevistado afirma que uma série de protocolos de segurança devem
existir antes da liberação comercial. É exatamente isso que acontece: as
liberações planejadas, além de todos os experimentos em laboratório e casas de
vegetação, prévios a elas, dão os subsídios para a decisão do avaliador de
risco. É assim no mundo todo e o Brasil não faz diferente, nem de forma menos
rigorosa e não, como afirma o professor, muito
superficial. Aliás, suas críticas continuam afirmando que o Estado tem sido tolerante com eventuais
perigos, apontados sempre por algumas vozes na ciência que publicam
resultados diferentes dos observados por todos os demais. Neste sentido,
sugerimos a leitura de http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/vozes-isoladas-na-ciencia-quebra-de.html.
Aqui o problema não é quem financia a pesquisa (as vozes alarmistas, por
exemplo, são frequentemente financiadas por organizações contra os
transgênicos), mas a qualidade e consistência dos dados e a experiência de 15
anos na liberação de milhões de hectares plantados com transgênicos.
Por fim, segundo o professor, há claramente um problema de restrição da
liberdade científica. Dada a gravidade deste problema, seria conveniente
que o entrevistado desse indicações claras de onde isso está ocorrendo, ao
invés de ser genérico e repetir o que circula pelos sites da internet contra os
transgênicos. Só para informação do público, o primeiro artigo que “mostrava” a
presença de fragmentos de construção transgênica de variedades de um milho
comercial GM para variedades de paiol no México foi amplamente refutado. Depois
dele, uma longa série de afirmações e desmentidos se seguiram. Mas o ponto
principal ficou claro: a presença de transgenes nos milhos crioulos, se
existir, em nada altera sua competitividade no ambiente, nem seu uso como
alimento e ração.
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