quarta-feira, 2 de maio de 2012

Maioria e reducionismo na CTNBio


Seguem comentários sobre as ótimas questões enviadas pela Márcia Tait a um post mais antigo (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/o-que-cabe-ctnbio.html


Comecemos pela decisão científica por maioria. Num outro texto (genpeace.blogspot.com/.../vozes-isoladas-na-ciencia-quebra-de.html) discutimos quando as posições trazidas por vozes isoladas se tornam parte do “main trend”. Recomendo a leitura, porque é desta forma que a comunidade científica tem agido até agora. Em resumo, é aceito o que a maioria aceita. Esta maioria pode ser, em casos limites, de 50% +1, mas evidentemente este é um caso raro. Na CTNBio mesmo, a maior parte dos casos é de 15 para 6 ou mais. Claro que a argumentação científica discordante nem sempre é a razão do voto discordante, pois muitas vezes este é baseado em elementos de análise de risco, e não de avaliação de risco: questões de competitividade, soberania, modelo de agricultura, etc. Por isso, a discordância científica é, em geral, menos importante que a ideológica.

Sobre a origem dos indivíduos que formam a maioria, não se pode dizer que ela tem ligação com oligopólios, grupos de prestígio, etc. Cada um dos membros é, em geral, chefe de seu grupo de pesquisa e muito independente em sua decisão. A ideia de que todos tem, de forma direta ou indireta, ligação com o poder e as multinacionais, é muito falha e meio pobre de imaginação. O que une muitas vozes em torno de uma mesma conclusão não é a autoridade de A ou B, mas a aplicação do método científico na avaliação das publicações e resultados e o uso de um fluxograma de avaliação de risco que, mesmo pouco formal para muitos dos membros, acaba levando a conclusões idênticas.  Então, aí está a origem do reconhecimento, que você perguntou: a aplicação rigorosa do método científico na avaliação e de um sistema comum de avaliação de riscos na decisão.

Olhemos agora o tema do reducionismo, que aparece muitas vezes em textos que criticam a maneira de agir dos cientistas na construção do saber científico. Primeiro, é preciso não confundir o sistema cartesiano de análise com reducionismo. Os problemas a serem enfrentados por um pesquisador, seja ele da área de exatas, das ciências naturais ou da humanas, são quase sempre muito complexos. É não apenas impossível, mas temerária (porque acaba levando a resultados disparatados) a tentativa de enfrentar todo o exército de perguntas de uma só vez. Em todos os casos haverá escolha de amostras, testes de hipóteses para determinados parâmetros e muitas outras abordagens que implicam na divisão do problema em partes. Cada parte pode ser, por seu lado, avaliada sob vários pontos de vista. Não há reducionismo algum nisso, é assim que o método científico funciona. A integração de mais partes e de mais visões na análise de um mesmo problema é que pode ser reducionista, mas isso não implica em erro ou diminuição do valor científico das conclusões atingidas. Como funciona a construção de uma avaliação de risco na CTNBio? Para cada produto em avaliação, um conjunto de perguntas deve ser feito e, a partir das respostas, riscos para cada perigo identificado devem ser dimensionados. Há sempre algum grau de incerteza, como quase tudo nas ciências, mas isso não invalida as conclusões. Onde está o reducionismo? Alguns críticos acham que as questões básicas devem abranger aspectos econômicos e sociais do produto, mas como expliquei antes, isso não é função da CTNBio (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/o-que-cabe-ctnbio-perus-frangos-e.html). Outros críticos acham que deveríamos incluir sempre mais informação nas avaliações, mesmo que na opinião da maioria estas informações em nada contribuam para a avaliação de risco (a informação adicional é sempre bem vinda em ciência, mas para avaliação de risco ela deve ter, além de qualidade, relevância). Por fim, ainda outros críticos dizem que os membros da Comissão não conseguem integrar os riscos individualizados num todo coeso: os críticos supõem (a maioria não vê da mesma forma) que sempre há perigosas interações entre estes riscos. Em alguns poucos casos pode, de fato, haver este tipo de sinergia ou antagonismo, mas claro que os pareceres levam em conta isso também. Em conclusão, não creio que a CTNBio venha sendo reducionista, ela apenas se atém ao que a lei lhe obriga fazer e, dentro desta função, avalia dezenas de parâmetros de biossegurança e os integra num parecer final. Assim, neste caso, o que parece reducionismo e falta de uma visão holística é simplesmente um trabalho limitado ao escopo designado por lei e pela prática de avaliação de risco. Alerta: depois dos 50 anos de idade muitos de nós temos uma visão muito mais ampla do que podem imaginar os que nos consideram cientistas tolos, que só olham para seus umbigos.

Quanto ao reducionismo nas políticas públicas de biossegurança, acho que é difícil chegar a uma posição clara, porque efetivamente o exercício de um julgamento holístico dos transgênicos, que passaria pelo CNBS, nunca ocorreu de fato. Portanto, o
que temos para concluir sobre isso são os textos das leis e decretos, o que para mim é um cipoal de difícil penetração.



2 comentários:

  1. Olá Paulo, mas uma vez grata pela abertura ao debate. É, a questão no Brasil e sua política de biossegurança é bem complicada, porque na prática criou-se uma comissão de cientistas e não se trabalhou de forma coerente com a politica como um todo. Na prática às decisões tomadas pela CTNBIo são vinculantes, no sentido de serem a posição política final, apesar de no texto da Lei de 2005 isso ter sido modificado, como bem apontou, o "Conselho de Ministros" nunca foi acessado para rever um parecer da CTNBio, que eu saiba. Ou seja, a política de biossegurança se preocupa com a avaliação de riscos (seguindo modelo de conselhos científicos de outros países, diga-se de passagem, mas que nem por isso podem ser considerados modelos ideais do ponto de vista da participação pública e de abordagens disciplinares, não há sociólogos ou antropólogos na Comissão, por exemplo), mas se preocupada muito pouco com o gerenciamento de riscos, como mostram os índices de contaminação por agrotóxicos - vinculados aos RRs e Bts liberados para cultivo no país, como sabemos - e a dificuldade de rastreamento dos grãos transgênicos, a polêmica pela rotulação, que na prática pouco tem de fornecer opções ao consumidor e garantia que os outros produtos não rotulados não contenham mesmo transgênicos. Melhor especificando, quando digo "reducionismo na política" quero dizer isso. Bom, quanto ao reducionismo científico no trato de temas de biossegurança, é também uma questão bastante complicada, porque sim, "o" método científico como bem coloca se constitui tradicionalmente pela redução de fenômenos sociais e naturais a variáveis apreensíveis num certo modelo de conhecimento e experimentação. A teoria(s) da complexidade, paradigmas ecológicos ou agroeológicos ainda disputam seu espaço como ciência, ou não, porque alguns preferem se manter fora da ciência justamente para não acabar se "encaixando" nos seus métodos tradicionais.

    Sobre contaminação por agrotóxicos temos ótimos documentários atuais, que mostram para onde a nossa política pública tem caminhado no sentido de modelo de agricultura, como o brasileiro "Veneno está no prato". Estou com o tema de movimento de mulheres e contaminações na agricultura agora e estou podendo conhecer um pouco mais do tema no Brasil e Argentina, aproveito e divulgo o reconhecimento de um desses movimentos. http://noticias.aollatino.com/2012/04/26/sofia-gatica-premio-ambiental-goldman/?a_dgi=aolshare_facebook

    Cordialmente, Márcia.

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  2. Márcia, retomo o diálogo com muito prazer. Mais uma vez respondo com um novo post. Assim fica mais fácil do público acessar e dá mais espaço para a discussão.

    Cordialmente,
    Paulo Andrade

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