Frequentemente lemos na Internet que o grande aumento do
uso de agrotóxicos (ou pesticidas) no Brasil se deveu à adoção dos
transgênicos. Esta afirmação, tanto menos verdadeira quanto mais repetida na
mídia alternativa, tem como único propósito levar a opinião pública à oposição à
biotecnologia agrícola: ela se furta a encarar a real razão deste aumento, que
está fundamentada na intensificação da agricultura, em geral, e no aumento
proporcional de nossa produtividade. Se o modelo agrícola é insustentável, que
se discuta isso, mas colocar os transgênicos como bode expiatório está errado e
só serve a um debate ideológico e político de baixa qualidade e com fins
duvidosos.
Abaixo destrinchamos preliminarmente a questão para os
leitores interessados.
Introdução
Iniciamos este texto com algumas informações que estão em
vários documentos oficiais do país.
·
O aumento no uso de agrotóxicos agrícolas foi de
aproximadamente 200% nos últimos 10 anos
·
A área plantada com lavouras de soja, milho e trigo
não ultrapassa 45 milhões de hectares (41 milhões em 2013)
·
A área agrícola brasileira chega a 160 milhões de
hectares
·
Em toda atividade agrícola (exceto na orgânica)
emprega-se agrotóxico, inclusive na pecuária, tanto no trato dos animais quanto
no pasto e em outras aplicações.
·
De todos os agrotóxicos empregados, apenas três
herbicidas podem ter um aumento devido a adoção da biotecnologia agrícola,
sendo o glifosato o mais empregado. O uso de inseticidas pode ter diminuído com
a adoção dos transgênicos no campo, nas lavouras de milho, soja e algodão.
Transgênicos e agrotóxicos: ausência
de correlação
É sabido que o glifosato, o principal herbicida associado aos
transgênicos, tem inúmeras aplicações, inclusive fora do ambiente agrícola.
Este pesticida rapidamente ganhou a preferência no Brasil e no Mundo, muito
antes da adoção dos transgênicos. Os dois outros herbicidas não passam de 5 %
do uso global de glifosato. A Figura 1 abaixo, composta da informação até 2006
(quanto tínhamos pouca área plantada com transgênicos) e a de 2012, mostra que
houve um aumento de 315% no uso do glifosato. Considerando seus múltiplos usos
(muitas lavouras não GM também empregam glifosato) e que o aumento global de
herbicidas foi de 200% (o glifosato participa, quando muito com 40%), fica
desde o início impossível atribuir aos transgênicos o aumento do seu uso.
Para reforçar esta impossibilidade, deve-se ter em mente que
o aumento da área plantada com soja transgênica foi superior a 8 vezes nos
mesmos 10 anos! (Veja Figura 3) e que o aumento da área com transgênicos foi de
10 vezes! Assim, se algum aumento houve no uso do glifosato devido à adoção da
biotecnologia agrícola, foi discreto: o
aumento de 315% é muito inferior ao aumento da área plantada com transgênicos,
que foi de 1000%. Para o conjunto dos pesticidas, a disparidade é ainda maior:
o aumento foi de apenas 200%. A
associação entre pesticidas e agrotóxicos não parece ter sustentação, o que
será confirmado mais adiante.
Figura 1: Aumento do uso dos principais herbicidas ao longo de 13 anos. O
glifosato permaneceu todo o tempo como o mais empregado pesticida, mesmo antes
do uso dos transgênicos (iniciado em 2004 com uma área que hoje é menos de
1/10da área plantada com transgênicos.
Afinal, o que acarretou o aumento do uso de agrotóxicos?
A área plantada com cereais, leguminosas e oleaginosas não
cresceu nos últimos 15 anos, mas a produção cresceu enormemente. Observe a Figura
2 abaixo, adaptada de http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set3507.pdf. Nela foi adicionada a curva
correspondente ao aumento de área plantada com transgênicos.
Figura 2: Em vermelho a área plantada com transgênicos,
obtida do gráfico da Céleres, mostrado na figura seguinte.
O grande aumento de produtividade se deveu a uma
intensificação do cultivo, com tecnificação profunda, envolvendo o manejo
integrado de tecnologias. Os agrotóxicos fazem parte disso. Assim, se o aumento
nos agrotóxicos foi de 200% em 10 anos, o aumento na produção foi idêntico no
mesmo período! Este resultado, associado aos anteriores, indica fortemente que
o aumento do uso de agrotóxicos está diretamente ligado ao aumento de produção.
Como a área plantada pouco cresceu no período, ele também está ligado ao
aumento de produtividade, o que faz todo o sentido: um melhor controle de
pragas implica numa produtividade aumentada.
Figura 3: Aumento da área plantada com transgênicos no país. fonte: http://www.celeres.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2014/12/IB1403.pdf
Dados complementares
O IBGE lista as áreas plantadas em 2014 com 32 diferentes
produtos (http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/lspa/lspa_201502_4.shtm) . Eles perfazem 72 milhões de
hectares. Destes, 41 milhões são cultivados com soja, milho ou algodão
transgênicos. Um pouco mais da metade, portanto, da área agrícola é
transgênica? Isso é muito expressivo!
De jeito nenhum, porque a conta está errada: a proporção
plantada com transgênicos é muito menor. Na conta acima não estão listadas as
pastagens, os plantios florestais e um grande número de fruteiras (mamão,
manga, melão, banana, etc.), atividades que empregam agrotóxicos. Na verdade, a
área provável de plantio no Brasil deve ultrapassar os 160 milhões de hectares
e praticamente em toda parte se usa agrotóxico.
Dos 851 milhões de
hectares de nosso território, temos 86 milhões com pastagens plantadas (fora da
Amazônia), 60 milhões com lavouras temporárias, inclusive cana-de-açúcar; sete
milhões com lavouras permanentes, principalmente frutas e café; cinco milhões
com silvicultura; e dois milhões com hortaliças, que somam 160 milhões de
hectares, ou apenas 19% de todo o território brasileiro. (http://www.emater.go.gov.br/w/5839)
Por isso, a área
plantada com transgênicos não passa de 30% do total da área agrícola nacional
e, portanto, não deve ser responsável por muito mais do que 30% do consumo de
agrotóxicos. O resto vem de outros usos e a prova disso é que o perfil de
consumo de agrotóxicos não mudou significativamente entre o antes e o depois da
adoção dos transgênicos.
Há ainda outros usos, não considerados acima pela Emater?
Toda a pecuária brasileira! Ela console um grande volume de diferentes
agrotóxicos (inseticidas, acaricidas e até herbicidas!), que estão computados
junto ao volume total consumido pelo país.
Síntese e conclusão
a) A parcela do emprego de agrotóxico representada pelas
plantações transgênicas está abaixode 30% do total do consumo.
b) O aumento da área plantada com transgênico em 10 anos foi
de 1000%, mas o aumento do uso de agrotóxicos foi de apenas 200%.
c) O aumento de produtividade global da agricultura foi de
200%
d) Não houve mudança no perfil de uso de agrotóxicos entre
2000 e 2012, o que indica que a adoção dos transgênicos não afetou o perfil.
e) A área agrícola com transgênicos não ultrapassa ¼ da área
agrícola total do país, toda ela empregando agrotóxicos (em lavouras as mais
diversas, em espécies florestais e na pecuária).
f) A pecuária também consome muito pesticida e nunca é
computada.
Juntando tudo de (a) até (f) é impossível concluir que os
transgênicos sejam os responsáveis pelo aumento do consumo de agrotóxicos, Ao
contrário, não o são,
definitivamente! É a intensificação de nossa agricultura, num
modelo que pede o uso integrado de tecnologias e produtos, que implica
noaumento.
Mesmo com este aumento, o número de casos de intoxicação
por agrotóxico não aumentou nada em 10 anos. Está tudo no SINITOX. Especulações
em cima da casuística oficial não ajudam em nada se não estiverem baseadas na
melhor ciência.
Obrigado pelo teu comentário em meu blog www.antesqueanaturezamorra.blogspot.com
ResponderExcluirPubliquei este teu artigo no meu blog com o devido crédito dado à tua autoria.
Saudações fraternas e ecologistas.
James Pizarro
Prof. de Ecologia da UFSM (aposentado)
jamespizarro@hotmail.com
James, muito me honra ter um texto meu no seu blog. Obrigado.
ResponderExcluirA luta por um meio ambiente saudável não deve prescindir das novas tecnologias, sobretudo numa área tão impactante como a agricultura. É a clara compreensão dos riscos que deve guiar nossas ações, e não a simpatia ou antipatia a esta ou aquela empresa ou país.
Saudações
Paulo Andrade
Prof. de Genética da UFPE
andrade@ufpe.br
Enquanto o mundo esta proibindo esse veneno chamado glifosato, seguimos consumindo cada vez mais.
ResponderExcluirParabéns, estudam , estudam e não fazem esse alerta.
Seguem colaborando com o envenenamento de tudo e de todos.
Anônimo, o que está em discussão nesta postagem não é a segurança dos OGMs, mas a FALSA CORRELAÇÃO entre o aumento do uso de agrotóxicos e o aumento do uso de transgênicos. E lembro a você: se existem transgênicos tolerantes a glifosato, há uma legião de outros que são resistentes a insetos e reduzem muito o uso de inseticidas, que também são agrotóxicos.
ResponderExcluirPortanto, mesmo que a CTNBio tivesse proibido as plantas transgênicas tolerantes a glifosato, não poderia ter feito o mesmo com as resistentes a inseto, que também são transgênicas!
Por fim, não custa lembrar: quem regula agrotóxicos é a ANVISA e o IBAMA - A CTNBio não pode, por lei, se manifestar sobre este assunto.
O fato também a considerar é a lamentável pouca vergonha da falta de transparência por parte dos órgãos públicos em relação ao volume comercializado de agrotóxicos, por categoria, de forma atualizada no Brasil e também nas Unidades da Federação.
ResponderExcluirNo mais, acredito que os fatos e dados estão claríssimos e são de difícil contestação, em que pese os esforços em contrário, sic: a partir da liberação dos OGMs (soja resistente à glifosato, em especial) o volume de agrotóxicos no global - e especificamente à base de glifosato - tiveram um incremento monumental, pelo menos 4 vezes mais do que a suposta incorporação de novas áreas de plantio/semeadura.
Luiz Carlos, eu posso entender a sua indignação em relação ao uso intensivo de agrotóxicos e também sua queixa de falta de dados, mas não posso concordar com você que isso derive da sem-vergonhice e falta de transparência de nossos órgãos públicos. A ANVISA, que é a principal responsável pela aprovação dos agrotóxicos, tem pouca gente e está afogada de serviços, faz muito anos. O pessoal que trabalha lá se desdobra em mil para atender a demanda de novos produtos, revisões dos velhos, etc, e ainda produzir relatórios, manter os outros órgãos informados e também o público. Para termos tudo na ponta dos dedos via internet o Governo Federal deveria disponibilizar muito mais vagas para a ANVISA. O mesmo se diga para o MAPA, que também fiscaliza, para o pessoal do Sinitox, etc. São todos funcionários dedicados, que lutam para fazer mais do que seria possível, na verdade, a cidadãos comuns. O dia que você tiver a oportunidade de estar com esta turma e ver o quanto estes brasileiros são lutadores, patriotas e responsáveis seguramente você vai mudar de ideia.
ResponderExcluirQuanto às suas contas, devo remetê-lo de volta ao texto acima e às referências: a área plantada com tudo que é cultura não cresceu nada em 10 anos: nos últimos 10 anos houve um aumento de 200% no uso de agrotóxicos (do glifosato talvez uns 350%), mas a área plantada com transgênicos aumentou mais de 1000% (10 vezes), com a redução igual da área plantada com os mesmos cultivos convencionais. A conta não fecha de jeito nenhum se os transgênicos fossem os responsáveis pelo aumento. Ao contrário: sua imensa expansão implicou na redução efetiva do uso de inseticidas, que também são agrotóxicos (muito mais perigosos que o glifosato, por sinal).
Não sei de onde você tirou o aumento de 4 vezes no uso de agrotóxicos. Ele foi de 2 vezes (em 10 anos) e isto está bem documentado. Sugiro que você retome as tabelas disponíveis no MAPA e avalie com mais tempo e serenidade esta questão e, provavelmente, acabará concordado comigo.
Cordialmente,
Paulo Andrade