domingo, 19 de abril de 2015

A adoção dos transgênicos na agricultura não aumentou o uso de agrotóxicos

      Frequentemente lemos na Internet que o grande aumento do uso de agrotóxicos (ou pesticidas) no Brasil se deveu à adoção dos transgênicos. Esta afirmação, tanto menos verdadeira quanto mais repetida na mídia alternativa, tem como único propósito levar a opinião pública à oposição à biotecnologia agrícola: ela se furta a encarar a real razão deste aumento, que está fundamentada na intensificação da agricultura, em geral, e no aumento proporcional de nossa produtividade. Se o modelo agrícola é insustentável, que se discuta isso, mas colocar os transgênicos como bode expiatório está errado e só serve a um debate ideológico e político de baixa qualidade e com fins duvidosos.

 Abaixo destrinchamos preliminarmente a questão para os leitores interessados.

Introdução

Iniciamos este texto com algumas informações que estão em vários documentos oficiais do país.
·         O aumento no uso de agrotóxicos agrícolas foi de aproximadamente 200% nos últimos 10 anos
·         A área plantada com lavouras de soja, milho e trigo não ultrapassa 45 milhões de hectares (41 milhões em 2013)
·         A área agrícola brasileira chega a 160 milhões de hectares
·         Em toda atividade agrícola (exceto na orgânica) emprega-se agrotóxico, inclusive na pecuária, tanto no trato dos animais quanto no pasto e em outras aplicações.
·         De todos os agrotóxicos empregados, apenas três herbicidas podem ter um aumento devido a adoção da biotecnologia agrícola, sendo o glifosato o mais empregado. O uso de inseticidas pode ter diminuído com a adoção dos transgênicos no campo, nas lavouras de milho, soja e algodão.

Transgênicos e agrotóxicos: ausência de correlação

É sabido que o glifosato, o principal herbicida associado aos transgênicos, tem inúmeras aplicações, inclusive fora do ambiente agrícola. Este pesticida rapidamente ganhou a preferência no Brasil e no Mundo, muito antes da adoção dos transgênicos. Os dois outros herbicidas não passam de 5 % do uso global de glifosato. A Figura 1 abaixo, composta da informação até 2006 (quanto tínhamos pouca área plantada com transgênicos) e a de 2012, mostra que houve um aumento de 315% no uso do glifosato. Considerando seus múltiplos usos (muitas lavouras não GM também empregam glifosato) e que o aumento global de herbicidas foi de 200% (o glifosato participa, quando muito com 40%), fica desde o início impossível atribuir aos transgênicos o aumento do seu uso.
Para reforçar esta impossibilidade, deve-se ter em mente que o aumento da área plantada com soja transgênica foi superior a 8 vezes nos mesmos 10 anos! (Veja Figura 3) e que o aumento da área com transgênicos foi de 10 vezes! Assim, se algum aumento houve no uso do glifosato devido à adoção da biotecnologia agrícola, foi discreto:  o aumento de 315% é muito inferior ao aumento da área plantada com transgênicos, que foi de 1000%. Para o conjunto dos pesticidas, a disparidade é ainda maior: o aumento foi de apenas 200%.  A associação entre pesticidas e agrotóxicos não parece ter sustentação, o que será confirmado mais adiante.




Figura 1: Aumento do uso dos principais herbicidas ao longo de 13 anos. O glifosato permaneceu todo o tempo como o mais empregado pesticida, mesmo antes do uso dos transgênicos (iniciado em 2004 com uma área que hoje é menos de 1/10da área plantada com transgênicos.

Afinal, o que acarretou o aumento do uso de agrotóxicos?

A área plantada com cereais, leguminosas e oleaginosas não cresceu nos últimos 15 anos, mas a produção cresceu enormemente. Observe a Figura 2 abaixo, adaptada de http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/bnset/set3507.pdf. Nela foi adicionada a curva correspondente ao aumento de área plantada com transgênicos.



Figura 2: Em vermelho a área plantada com transgênicos, obtida do gráfico da Céleres, mostrado na figura seguinte.

O grande aumento de produtividade se deveu a uma intensificação do cultivo, com tecnificação profunda, envolvendo o manejo integrado de tecnologias. Os agrotóxicos fazem parte disso. Assim, se o aumento nos agrotóxicos foi de 200% em 10 anos, o aumento na produção foi idêntico no mesmo período! Este resultado, associado aos anteriores, indica fortemente que o aumento do uso de agrotóxicos está diretamente ligado ao aumento de produção. Como a área plantada pouco cresceu no período, ele também está ligado ao aumento de produtividade, o que faz todo o sentido: um melhor controle de pragas implica numa produtividade aumentada.


Figura 3: Aumento da área plantada com transgênicos no país. fonte: http://www.celeres.com.br/wordpress/wp-content/uploads/2014/12/IB1403.pdf

Dados complementares

O IBGE lista as áreas plantadas em 2014 com 32 diferentes produtos (http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/lspa/lspa_201502_4.shtm) . Eles perfazem 72 milhões de hectares. Destes, 41 milhões são cultivados com soja, milho ou algodão transgênicos. Um pouco mais da metade, portanto, da área agrícola é transgênica? Isso é muito expressivo!

De jeito nenhum, porque a conta está errada: a proporção plantada com transgênicos é muito menor. Na conta acima não estão listadas as pastagens, os plantios florestais e um grande número de fruteiras (mamão, manga, melão, banana, etc.), atividades que empregam agrotóxicos. Na verdade, a área provável de plantio no Brasil deve ultrapassar os 160 milhões de hectares e praticamente em toda parte se usa agrotóxico.
Dos 851 milhões de hectares de nosso território, temos 86 milhões com pastagens plantadas (fora da Amazônia), 60 milhões com lavouras temporárias, inclusive cana-de-açúcar; sete milhões com lavouras permanentes, principalmente frutas e café; cinco milhões com silvicultura; e dois milhões com hortaliças, que somam 160 milhões de hectares, ou apenas 19% de todo o território brasileiro. (http://www.emater.go.gov.br/w/5839)

 Por isso, a área plantada com transgênicos não passa de 30% do total da área agrícola nacional e, portanto, não deve ser responsável por muito mais do que 30% do consumo de agrotóxicos. O resto vem de outros usos e a prova disso é que o perfil de consumo de agrotóxicos não mudou significativamente entre o antes e o depois da adoção dos transgênicos.

Há ainda outros usos, não considerados acima pela Emater? Toda a pecuária brasileira! Ela console um grande volume de diferentes agrotóxicos (inseticidas, acaricidas e até herbicidas!), que estão computados junto ao volume total consumido pelo país.

Síntese e conclusão

a) A parcela do emprego de agrotóxico representada pelas plantações transgênicas está abaixode 30% do total do consumo.
b) O aumento da área plantada com transgênico em 10 anos foi de 1000%, mas o aumento do uso de agrotóxicos foi de apenas 200%.
c) O aumento de produtividade global da agricultura foi de 200%
d) Não houve mudança no perfil de uso de agrotóxicos entre 2000 e 2012, o que indica que a adoção dos transgênicos não afetou o perfil.
e) A área agrícola com transgênicos não ultrapassa ¼ da área agrícola total do país, toda ela empregando agrotóxicos (em lavouras as mais diversas, em espécies florestais e na pecuária).
f) A pecuária também consome muito pesticida e nunca é computada.

Juntando tudo de (a) até (f) é impossível concluir que os transgênicos sejam os responsáveis pelo aumento do consumo de agrotóxicos, Ao contrário, não o são,
definitivamente! É a intensificação de nossa agricultura, num modelo que pede o uso integrado de tecnologias e produtos, que implica noaumento.

Mesmo com este aumento, o número de casos de intoxicação por agrotóxico não aumentou nada em 10 anos. Está tudo no SINITOX. Especulações em cima da casuística oficial não ajudam em nada se não estiverem baseadas na melhor ciência.


6 comentários:

  1. Obrigado pelo teu comentário em meu blog www.antesqueanaturezamorra.blogspot.com
    Publiquei este teu artigo no meu blog com o devido crédito dado à tua autoria.
    Saudações fraternas e ecologistas.
    James Pizarro
    Prof. de Ecologia da UFSM (aposentado)
    jamespizarro@hotmail.com

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  2. James, muito me honra ter um texto meu no seu blog. Obrigado.

    A luta por um meio ambiente saudável não deve prescindir das novas tecnologias, sobretudo numa área tão impactante como a agricultura. É a clara compreensão dos riscos que deve guiar nossas ações, e não a simpatia ou antipatia a esta ou aquela empresa ou país.

    Saudações
    Paulo Andrade
    Prof. de Genética da UFPE
    andrade@ufpe.br

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  3. Enquanto o mundo esta proibindo esse veneno chamado glifosato, seguimos consumindo cada vez mais.
    Parabéns, estudam , estudam e não fazem esse alerta.
    Seguem colaborando com o envenenamento de tudo e de todos.

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  4. Anônimo, o que está em discussão nesta postagem não é a segurança dos OGMs, mas a FALSA CORRELAÇÃO entre o aumento do uso de agrotóxicos e o aumento do uso de transgênicos. E lembro a você: se existem transgênicos tolerantes a glifosato, há uma legião de outros que são resistentes a insetos e reduzem muito o uso de inseticidas, que também são agrotóxicos.
    Portanto, mesmo que a CTNBio tivesse proibido as plantas transgênicas tolerantes a glifosato, não poderia ter feito o mesmo com as resistentes a inseto, que também são transgênicas!
    Por fim, não custa lembrar: quem regula agrotóxicos é a ANVISA e o IBAMA - A CTNBio não pode, por lei, se manifestar sobre este assunto.

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  5. O fato também a considerar é a lamentável pouca vergonha da falta de transparência por parte dos órgãos públicos em relação ao volume comercializado de agrotóxicos, por categoria, de forma atualizada no Brasil e também nas Unidades da Federação.
    No mais, acredito que os fatos e dados estão claríssimos e são de difícil contestação, em que pese os esforços em contrário, sic: a partir da liberação dos OGMs (soja resistente à glifosato, em especial) o volume de agrotóxicos no global - e especificamente à base de glifosato - tiveram um incremento monumental, pelo menos 4 vezes mais do que a suposta incorporação de novas áreas de plantio/semeadura.

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  6. Luiz Carlos, eu posso entender a sua indignação em relação ao uso intensivo de agrotóxicos e também sua queixa de falta de dados, mas não posso concordar com você que isso derive da sem-vergonhice e falta de transparência de nossos órgãos públicos. A ANVISA, que é a principal responsável pela aprovação dos agrotóxicos, tem pouca gente e está afogada de serviços, faz muito anos. O pessoal que trabalha lá se desdobra em mil para atender a demanda de novos produtos, revisões dos velhos, etc, e ainda produzir relatórios, manter os outros órgãos informados e também o público. Para termos tudo na ponta dos dedos via internet o Governo Federal deveria disponibilizar muito mais vagas para a ANVISA. O mesmo se diga para o MAPA, que também fiscaliza, para o pessoal do Sinitox, etc. São todos funcionários dedicados, que lutam para fazer mais do que seria possível, na verdade, a cidadãos comuns. O dia que você tiver a oportunidade de estar com esta turma e ver o quanto estes brasileiros são lutadores, patriotas e responsáveis seguramente você vai mudar de ideia.

    Quanto às suas contas, devo remetê-lo de volta ao texto acima e às referências: a área plantada com tudo que é cultura não cresceu nada em 10 anos: nos últimos 10 anos houve um aumento de 200% no uso de agrotóxicos (do glifosato talvez uns 350%), mas a área plantada com transgênicos aumentou mais de 1000% (10 vezes), com a redução igual da área plantada com os mesmos cultivos convencionais. A conta não fecha de jeito nenhum se os transgênicos fossem os responsáveis pelo aumento. Ao contrário: sua imensa expansão implicou na redução efetiva do uso de inseticidas, que também são agrotóxicos (muito mais perigosos que o glifosato, por sinal).

    Não sei de onde você tirou o aumento de 4 vezes no uso de agrotóxicos. Ele foi de 2 vezes (em 10 anos) e isto está bem documentado. Sugiro que você retome as tabelas disponíveis no MAPA e avalie com mais tempo e serenidade esta questão e, provavelmente, acabará concordado comigo.

    Cordialmente,
    Paulo Andrade

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