sábado, 8 de novembro de 2014

O Princípio da Precaução aplicado à avaliação de risco de transgênicos

Muitas vezes a introdução de regulamentação de segurança para tecnologias emergentes foi reativa e não proativa, ou seja, apenas após um acidente e não antes. Essa experiência do passado motivou um tratamento diferente para a biotecnologia moderna. A influente conferência de Asilomar em 1975 (http://en.wikipedia.org/wiki/Asilomar_conference_on_recombinant_DNA) estava, proativamente, procurando segurança no uso da biotecnologia moderna, ou seja, estava aplicando o princípio de precaução ao avaliar e gerenciar riscos potenciais ou hipotéticos e colocar a ciência mais no domínio público.

Essa atitude proativa ainda é presente hoje, embora não tenha inspirado confiança a todos os setores da sociedade: alguns grupos levantaram dúvidas sobre a inocuidade alimentar e a segurança ambiental dos OGM em seus ecossistemas e isso em alguns casos se refletiu em regulamentações e decisões políticas em vários países. A base da precaução é, efetivamente, a utilização da avaliação de risco como um elemento preditivo do comportamento futuro antecipado, o que permite a tomada segura de decisões. Frequentemente confunde-se isso com uma posição ou abordagem de precaução muito mais estrita, em conflito mesmo com o que reza o Princípio 15 do Protocolo de Cartagena (http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/prot_biosseguranca.pdf), conhecido como Princípio da Precaução. Este princípio passou a ser ius scriptum no Brasil porque o País assinou a Convenção sobre a Diversidade Biológica, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO/92, a qual foi aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada pelo Decreto nº 2.519, de 16 de março de 1998. Também está inserido na Lei Nº 11.105/05 (Lei de Biossegurança). Logo em seu artigo 1º o Princípio 15 diz textualmente:
“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”

A interpretação do Princípio da Precaução deve ser feita com cautela e sensatez. A certeza científica não deve ser estrita, ou seja, não tem sentido exigir certeza cientifica de ausência de risco, uma vez que risco é parte da vida; não existe risco igual a zero. Até o Princípio de Precaução não é isento de riscos e uma de suas interpretações mais extremas é: “Em caso de dúvida, nada faça!”.  A história mostra que a interpretação restritiva do Principio da Precaução causa danos irreparáveis e irreversíveis: as milhares de mortes pela varíola nos 60 anos de proibição da vacina e a guerra da vacina no Rio de Janeiro no século passado são apenas alguns exemplos. No caso dos transgênicos o exagero na interpretação deste princípio também tem levado a sérios prejuízos e mesmo a riscos à saúde e ao ambiente (http://genpeace.blogspot.com.br/2013/10/analise-do-principio-da-precaucao.html).

A retomada do uso do Princípio da Precaução após a avaliação de risco só tem sentido se riscos de danos graves forem identificados. Muitas considerações sobre os riscos devem ser analisadas, como: sua classe (ou magnitude), o dano associado, que medidas podem ser usadas ou desenvolvidas para evitá-lo ou controlá-lo, dentre outras. A avaliação será sempre caso a caso. Uma interpretação equivocada de alguns, quando evocam o Princípio da Precaução para todo e qualquer OGM, termina por assumir o pressuposto de que qualquer atividade com OGM é causadora de degradação ambiental e representa perigo de dano grave e irreversível, o que é errado.

É extremamente importante observar que, mesmo antes da assinatura da Convenção de Biodiversidade, o Princípio da Precaução já havia sido adotado em nossa Constituição Federal de 1988, no caput do artigo 225, na medida em que determinou que a lei regulasse as normas dos incisos II e V do § 1º, adotando-se medidas para defender o meio ambiente ou prevenir a sua destruição. Desse modo, para dar plena eficácia ao Princípio da Precaução, foi editada a primeira Lei de Biossegurança (Lei nº 8.974/95) e a atual (Lei nº 11.105/05), que regulamenta os incisos da Constituição Federal citados acima. O dispositivo estabelece normas para o uso das técnicas de engenharia genética e liberação no meio ambiente de organismos geneticamente modificados; cria a CTNBio e estabelece suas competências. O Princípio da Precaução é, portanto, preceito-base da Lei nº 11.105/05 (Lei de Biossegurança). No Brasil, compete à CTNBio, em conformidade com o disposto na Lei nº 11.105/05, efetuar essa análise de risco e identificar as atividades com OGM (Organismo Geneticamente Modificado) que ofereçam ou não ameaça de dano grave ou irreversível. Assim, como enfatizado anteriormente, a menos que a avaliação de risco, baseada em pressupostos científicos,  identifique ameaça séria e irreversível, e dificuldades de gerenciar o risco, não há razão para impedir avaliações de requerimentos na CTNBio tanto para condução de experimentos a campo (liberações planejadas) como para liberações comerciais.  O Princípio da Precaução não implica a proibição de utilizar tecnologia nova. Aliás, isso não seria precaução, mesmo porque a Constituinte de 1988 estabeleceu que a política agrícola levará em conta, principalmente, o incentivo à pesquisa e à tecnologia (art. 187, II, da CF/88).


Em conclusão, a interpretação adequada da precaução deve ser de tal forma a garantir a segurança ambiental e alimentária sem comprometer desnecessariamente os avanços tecnológicos. A CTNBio tem agido assim (veja-se a declaração da Presidência da CTNBio em 2013), apesar das críticas de alguns setores da sociedade

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