quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Contestação à NotaTécnica da ABRASCO sobre a liberação comercial e uso do mosquito transgênico Aedes aegypti para o controle da dengue no Brasil

No portal oficial da ABRASCO (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) há uma nota técnica desta Associação sobre a forma como foram avaliados os riscos das liberações planejada e comercial da variedade OX513A transgênica de Aedes aegypti, o vetor da dengue, pela CTNBio e sobre seu eventual uso como mais uma ferramenta no combate à dengue no Brasil.

A manifestação contem muitos erros de informação e de interpretação, alguns leves e outros muito graves, que necessitam ser apontados ao público, o que é feito a seguir de forma discriminada.

a) sobre a construção desta variedade transgênica, a ABRASCO demonstra parco conhecimento, quando diz que foi utilizada “a tetraciclina para a modificação das larvas selvagens”. É disparatada a afirmação, uma vez que a modificação genética é complexa e não emprega a tetraciclina. Este antibiótico é empregado para manter viva a linhagem geneticamente modificada em laboratório, apenas isso.

b) Logo em seguida a ABRASCO afirma que “mesmo sem ter a autorização da CTNBio para a produção em escala do mosquito transgênico, a empresa disponibilizou o Aedes aegypti transgênico desde 2011”. Isso é inteiramente falso: a biofábrica Moscamed e a USP, parceiras da Oxitec, solicitaram e obtiveram da CTNBio a aprovação para ensaios a campo (liberação planejada) da variedade GM de A. aegypti.

c) Na frase seguinte, novo erro de informação: a ABRASCO diz que os experimentos foram feitos “inicialmente na cidade de Jacobina e posteriormente em Juazeiro”. É exatamente o oposto, mas a confusão parece proposital, uma vez que mais adiante a ABRASCO se debruça sobre a questão da dengue em Jacobina, procurando ligar os experimentos de liberação planejada com o surto presente de dengue naquela cidade.

d) a ABRASCO afirma que “apesar do uso por  anos de mosquito transgênico na  cidade de Jacobina, ...a prefeitura prorrogou a situação de emergência para  dengue”, como se a liberação planejada tivesse o objetivo e o poder de controlar a dengue na cidade toda. Não é nada disso: a liberação tinha o objetivo de gerar dados para avaliação de risco do OGM, e não controlar a dengue, e foi feita em alguns bairros da cidade, mas de forma alguma na cidade toda. Esta confusão, iniciada pela AS-PTA e repetida aqui pela ABRASCO, é nociva ao entendimento da questão e prejudica a saúde púbica do país confundindo o público sobre a eficiência de uma tecnologia que só poderá ser ensaiada, efetivamente, em larga escala. O que foi feito até agora foi gerar dados para avaliação de risco, nada mais.

e) Um pouco mais abaixo no manifesto a ABRASCO se pergunta “como se aceita fazer experimentos que afetam uma doença de notificação compulsória em um contexto sanitário absolutamente sem controle? Como os resultados de experimentos com mosquito transgênico para controle da dengue  em Jacobina  foram utilizados para validar a decisão da CTNBio que autorizou a liberação de mosquito transgênico para o controle de dengue?”Ora, as liberações em Juazeiro e depois em Jacobina foram de pequena escala, com um objetivo bastante específico, em áreas previamente avaliadas por pesquisadores da USP, pela Oxitec e pela Moscamed, avaliadas previamente pela CTNBio, aprovadas e monitoradas. Como a ABRASCO se acha no direito de dizer que o contexto sanitário era absolutamente sem controle se ela jamais se debruçou sobre o problema? Não cabe aqui uma explicação detalhada de como os dados de biossegurança gerados nos dois experimentos foram empregados pela CTNBio, isso pode ser lido nos pareceres dos relatores e no parecer final, disponibilizados pela CTNBio e no portal da Biosafety Clearing House da Convenção de Biodiversidade.

e) Num certo ponto, a ABRASCO se questiona do apoio financeiro recebido pela Oxitec, como se receber dinheiro de fundações filantrópicas fosse crime: A Fundação Bill e Melida Gates apoio inicialmente os pesquisadores que fundaram a Oxitec, o que apenas mostra que eles tinham merecimento e que a ideia era inovadora e promissora. Mas estes recursos nada têm a ver com as atividades da empresa no Brasil. A desconfiança mórbida sobre a forma como a pesquisa e o desenvolvimento são financiados é uma característica de certos setores da sociedade na qual se inserem, infelizmente, alguns conselheiros da ABRASCO.

f)  O uso de mosquitos transgênicos para o controle da dengue, em associação com as demais formas de combate a esta endemia, evidentemente não está ainda normatizado no país. É isso que se deve buscar agora, e não uma oposição cega e teimosa a novas tecnologias, apenas porque usam a biotecnologia moderna.

g)  Por fim a ABRASCO imagina que se deve ter muito cuidado em eliminar o A. aegytpi por que o A. albopictus pode invadir os nichos deixados livres. Ora, isso nunca ocorreu em outras partes e é improvável, pela biologia do A. albopictus, que a ABRSCO parece totalmente desconhecer. Analogamente, é como pedir ao um caçador numa trilha na selva, com um leão faminto e feroz à sua frente, que não atire, porque atrás do leão pode haver um tigre, que não está visível e não se sabe se está com fome...

Uma lástima que a ABRSCO se comporte agora como os políticos positivistas se comportaram na época de Oswaldo Cruz, longe da ciência e perto demais de uma ideologia que beira o irresponsável.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Audiência pública sobre o eucalipto transgênico da FuturaGene


Aspectos gerais da audiência pública

A CTNBio convocou uma audiência pública para ouvir as várias partes sobre a adoção comercial do eucalipto transgênico que produz mais massa em menos tempo, portanto mais celulose por hectare. Nesta audiência o que interessa à Comissão são os aspectos de risco biológico intrínsecos ao eucalipto transgênico, que possam ser trazidos pelos participantes à audiência. Não interessam as questões econômicas ligadas à produção de celulose e muitos outros aspectos sociais, que não são da alçada da CTNBio, e sim do CNBS.

Ainda assim, não é preciso ter uma bola de cristal para saber que os aspectos não diretamente associados aos novos riscos que o eucalipto transgênico poderia trazer serão um foco muito secundário da discussão. Ela vai orbitar sobre a questão do plantio de eucalipto e de seu fomento, caso estas variedades de eucaliptos se provem um sucesso. A discussão também vai pender para o geral, isto é, bater na tecla de que a aprovação de uma primeira árvore transgênica vai abrir espaço para a aprovação de todas as demais, procurando-se obscurecer o fato de que a avaliação de risco é feita caso a caso.

Por falar em avaliação de riso, como se pode resumi-la no caso deste eucalipto?

Avaliação de risco do eucalipto transgênico expressando dois novos genes

Um dos primeiros passos da avaliação de risco é a identificação dos alvos de proteção, isto é, dos organismos que desejamos proteger e que poderiam ser de alguma forma afetados diferentemente pela planta transgênica, quando comparada com a mesma variedade não transgênica.

Para que o avaliador não se debruce sobre a questão de proteção a uma infinidade de alvos, é importante entender a biologia da planta e o ambiente onde ela será liberada, além dos usos pretendidos. Com isso, muitas rotas a um possível dano ao alvo de proteção em análise são excluídas.

Por exemplo, se estamos preocupados com a transferência de transgenes para espécies silvestres e com o impacto que estes novos genes poderiam ter na biota brasileira, é importante saber se o eucalipto apresenta polinização cruzada com outras espécies do país, para identificar a partir de quais plantas um fluxo gênico poderia ocorrer para longe do controle do agricultor. No caso do eucalipto, não existem plantas nativas que cruzem com ele e, na verdade, nem sequer outras espécies importadas, exceto as próprias espécies de eucalipto, que formam em certas ocasiões híbridos interespecíficos. Assim, a variedade transgênica não teria, sob este ponto de vista, um impacto diferente da variedade convencional e jamais poderia transferir seus genes para espécies silvestres.

Poderíamos, num tour de force, encarar as espécies exóticas de eucalipto como alvos de proteção da agrobiodiversidade. Acontece que a maior parte das variedades de eucalipto é propagada de forma vegetativa, sendo essencialmente nulo o plantio de sementes colhidas de polinizações abertas. Assim, o impacto sobre as variedades cultivadas seria essencialmente nulo ou muito pequeno.

As plantações de eucalipto servem de abrigo para uma série de organismos e também em alguns poucos casos como alimento. Poder-se-ia imaginar o impacto deste novo eucalipto na biota, através da ingestão de partes da planta. Um exemplo paradigmático desta preocupação é o que envolve o ser humano como alvo de proteção, impactado pelo consumo do mel elaborado a partir de flores das plantas transgênicas. Vamos nos fixar neste exemplo, tanto porque tem sido uma preocupação expressa por alguns setores da sociedade, como pela sua generalidade quanto ao uso de rotas ao dano para avaliação do risco.

Para construirmos uma rota que leva da presença das proteínas ao dano à saúde, precisamos identificar quais as novas proteínas que são expressas na planta e em que quantidade aparecem nos vários tecidos. No caso do mel, interessa o pólen, que não é a matéria prima do mel, mas pode ser encontrado nele em pequenas quantidades.

Comecemos avaliando as novas proteínas, produtos de dois genes inseridos. Uma delas é uma 1,4-b endoglucanase (aqui batizada de Cel1), proveniente da Arabidopsis thaliana, talvez uma das plantas melhor estudadas no Mundo. Esta enzima é responsável, junto com muitas outras, pela elongação celular nas plantas, especialmente em tecidos jovens. A outra enzima é a bem conhecida neomicina fosfotransferase tipo II (NPTII), que confere resistência aos antibióticos do grupo dos aminoglicosídeos por um mecanismo muito bem entendido e longamente estudado.

Antes de nos aprofundar nas propriedades destas duas proteínas, vamos observar a tota ao dano construída para apoiar a classificação do risco que estas proteínas poderiam significar para a saúde do consumidor do mel. Outras rotas poderiam ser construídas para o mesmo fim, esta é a que nos parece mais completa e com bases mais fortes em ciência.




Figura 1. Rota ao dano ligando a presença de duas novas proteínas nos tecidos da planta de eucalipto GM e um dano (intoxicação ou alergia) à saúde humana derivado do consumo do mel.
A rota começa com uma primeira pergunta: estas duas proteínas estão presentes no pólen? Como dito acima, o mel não é feito de pólen, mas este aparece em pequenas quantidades no mel. A matéria prima do mel é o néctar, que não contém proteínas. A resposta a esta pergunta é: sim, o pólen contém as duas proteínas. Portanto, seguimos para a segunda pergunta, sabendo que P1=1 (Probabilidade 1= 1), isto é, em 100% dos casos o pólen conterá as proteínas.

A segunda pergunta é: o mel conterá quantidades apreciáveis desta proteína? Como já se sabe deste Paracelso, a dose faz o veneno. A simples presença de uma substância não implica que Lea será benéfica ou prejudicial ao organismo, pois a quantidade ingerida (ou injetada) é importantíssima. Qualquer substância será tóxica em grande quantidade, mesmo a água. Inversamente, o mais forte veneno não terá qualquer efeito no organismo se a dose for muito pequena. Não queremos aqui nos estender em questões de toxicologia, mas apenas alertar que é importante ter uma noção da quantidade de proteína que estará presente no mel.

Ora, o mel não é feito de pólen, mas de néctar. O pólen chega ao mel de várias formas, usualmente levado pelas próprias abelhas. Uma fração muito menor pode entrar na colmeia transportada pelo vento. O pólen que cai no néctar e é sugado pela abelha é rapidamente retirado do néctar e quando este é regurgitado, está essencialmente livre de pólen. Assim, as outras vias de “contaminação” por pólen (adesão no corpo sendo a mais importante) terminam por terem maior relevância. A concentração de pólen no mel depende da qualidade do pólen e pode variar de menos de uma centena de grãos de pólen por 10 g de mel (mel de boa qualidade) até mais de 1 milhão! (mel ruim).  Em todas as circunstâncias, contudo, a quantidade efetiva de pólen no mel é diminuta.

E qual é a quantidade das duas proteínas no pólen? Todos os resultados apontam para uma quantidade muito pequena, correspondente a poucas partes por milhão.  Assim, multiplicando a fração que representa o pólen no mel pela fração que representa as proteínas no pólen, chega-se a um número extremamente pequeno, indicando que a exposição de quem come mel a estas proteínas será muito pequena.  Então, a resposta à segunda pergunta (“Uma quantidade significativa destas proteínas pode ser encontrada no mel?”) é NÃO: a probabilidade de que uma quantidade relevante das duas proteínas esteja presente no mel é reduzida (P2 é muito pequena).

Na terceira etapa da via devemos nos perguntar se uma pessoa pode absorver significativas quantidades destas proteínas ingerindo mel. Ora, o mel é um alimento consumido sempre em pequenas quantidades, ainda que em alguns casos diariamente. Assim, só há uma remota possibilidade de que a ingestão destas proteínas se dê em quantidades relevantes, implicando que P3 é muito pequena.

Supondo que as proteínas, ainda que raramente, cheguem ao nosso organismo, devemos nos perguntar:  estas proteínas têm mostrado alguma toxicidade ou alergenicidade?  As duas proteínas são muito comuns na natureza e não há relatos de que sejam tóxicas nem alergênicas. Portanto, a probabilidade de que, repentinamente, elas se tornem perigosas ao nosso organismo, é muito reduzida (P4 é muito pequena). Alguns poderiam argumentar que a modificação genética do eucalipto pode ter, como consequência inesperada, a produção de novas proteínas, tóxicas, mas isso é muito improvável.

A possibilidade de que algum dano ocorra ao alvo de proteção é o produto de todas as possibilidades de cada passo. Ora, exceto o primeiro passo, cujo valor é 1,0, todos os outros têm um valor muito pequeno. O produto de três parcelas muito pequenas é muito pequeno. Assim, a probabilidade de que algum dano ocorra é muito reduzida.

E a classe (ou magnitude) do dano, como classificar? Mesmo que alguma intoxicação ocorra, é provável que ela seja muito leve. Se houver alergia, basta que se suspenda o uso do mel. Quantas pessoas serão acometidas? Provavelmente um número muito reduzido. Assim, o dano não se estende a uma população, nem é permanente ou de difícil mitigação. Em linguagem técnica chamamos este dano de menor.

A composição da probabilidade de dano e da magnitude do dano define o risco, como mostrado na figura abaixo:


Figura 2. Classificação do risco de que o consumo de mel de eucalipto GM cause danos à população. A probabilidade é estimada a partir da rota ao dano mostrada na figura 1.

Para cada perigo percebido pelo público ou pelo avaliador de risco é indispensável a construção de uma rota ao dano como a mostrada acima. O uso desta metodologia dá base científica à avaliação de risco e afasta os perigos que não têm uma base científica pela qual provocar dano, como é o caso do mel, analisado acima.

No caso do eucalipto que expressa a proteína Cel1 todas as rotas ao dano para todos os perigos analisados levaram á mesma conclusão: os novos riscos são insignificantes. A decisão da CTNBio está em sintonia com a avaliação de risco das demais agências governamentais que se debruçaram sobre este eucalipto ou sobre outro evento de eucalipto semelhante.

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Uma fonte importante de informações sobre o pólen no mel segue: http://www.scirpus.ca/cap/articles/paper017.htm