É fácil encontrar na internet, nos
sites contrários aos transgênicos e em muitos outros que reproduzem suas
notícias e comentários como papagaios, a afirmação inverídica de que a CTNBio
concentra excessivo poder na decisão de liberação comercial de transgênicos.
Esta falsa ideia chegou até a Câmara dos Deputados e recentemente o deputado Nazareno
Fonteles (PT-PI), relator da subcomissão especial, afirmou que vai propor
alterações na Lei de Biossegurança em seu relatório final, que deverá ser concluído
até o dia 10 de dezembro (http://www.embrapa.br/embrapa/imprensa/noticias/2012/novembro/3a-semana/audiencia-publica-na-camara-discutiu-legislacoes-de-biosseguranca-e-agrotoxicos
).
No sentido de contribuir para uma
discussão proveitosa, baseada em fatos, e não em impressões e “achismos”,
redigimos esta postagem. Nela está sumarizado o sistema de biossegurança de
transgênicos do Brasil, amparado pela lei 11.105, de 2005, seu decreto, resoluções
normativas da CTNBio e resoluções do CNBS (Conselho Nacional de Biossegurança).
Primeiramente, o interessado numa
discussão fundamentada da questão dos transgênicos deve entender que a
liberação comercial de qualquer produto deve ser solicitada à CTNBio (Comissão
Nacional de Biossegurança), um órgão ligado ao Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação (www.ctnbio.gov.br).
A CTNBio é responsável pela avaliação dos riscos que o OGM
(organismo geneticamente modificado) poderia apresentar ao ambiente, à saúde
humana e à saúde animal. Para tal a CTNBio conta com um forte corpo técnico e
com mais de 50 membros, selecionados em sua maioria entre especialistas
universitários e de institutos de pesquisa agronômica. A CTNBio também pode
consultar especialistas ad hoc. A
avaliação dos riscos é um trabalho técnico que envolve apenas os aspectos
biológicos do OGM. Nela NÂO ENTRAM
considerações socio-econômicas, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis ao OGM
em análise.
Os prejuízos e vantagens dos OGMs
na economia, na cultura, na religião e na sociedade, em geral, são parte da análise
de risco, mais abrangente. Os três componentes da análise de risco
estão representados diagramaticamente na figura abaixo:
Figura 1: Análise dos riscos, um processo
ordenado, que envolve uma parte baseada exclusivamente em ciência (a avaliação
dos riscos) e duas outras que incorporam outros elementos de análise, como
considerações sócio-econômicas (a gestão de riscos e a comunicação de riscos).
O avaliador
dos riscos só se atém às questões científicas de biossegurança do
produto, enquanto o analista dos riscos deve também levar em consideração a
adequação econômica e outros aspectos inerentes à comercialização do produto.
A quem cabem as demais partes da
análise dos riscos? A quem não cabe alguma tarefa? Antes de discutir a quem
cabem as demais etapas da análise de risco, convém olhar a Figura 2 a seguir.
Observe-se a clara separação entre a avaliação de riscos, a gestão de riscos e
a comunicação de riscos. A CTNBio é a única instituição envolvida na avaliação
de riscos. Todas as demais etapas têm vários atores ou protagonistas, inclusive
a CTNBio, como se verá a seguir.
Figura 2: Separação dos atores responsáveis
pelas várias etapas da análise dos riscos, dentro do fluxograma de liberação e
monitoramento de um produto geneticamente modificado. As etapas se iniciam pelo
pedido de liberação comercial do OGM, feito à CTNBio (1), que fará a avaliação
dos riscos. Uma vez feita uma decisão, ela é comunicada ao CNBS (2), que
completará a análise dos riscos, incorporando informações advindas de outros
atores/setores da sociedade. A CTNBio, através de vários canais (3), comunica
sua decisão à sociedade e aos órgãos de fiscalização e controle (etapa de
comunicação dos riscos), que por sua vez se empenha na gestão dos riscos e na
sua ampla comunicação. Vários setores da sociedade dão o feed-back (4) para uma
reavaliação do produto, quando necessária.
Primeiramente deve ficar claro
que, pela legislação brasileira, a ninguém mais cabe fazer a avaliação de
riscos, exceto à CTNBio. As demais instituições não têm o corpo
técnico-científico adequado. De fato,
embora a ANVISA e outros órgãos do Ministério da Saúde possam opinar sobre
segurança alimentar, eles não detêm o conhecimento necessário na área
ambiental. Da mesma forma, o IBAMA e outros órgãos do MMA podem discutir
aspectos de biossegurança ambiental, mas não têm a expertise para fazer a
avaliação de risco em saúde humana e animal, da mesma forma que o Ministério da
Agricultura ou o MDA. De toda forma, eles estão representados na CTNBio, que
tem muitos outros membros com expertise em segurança alimentar ou ambiental. Para
concluir, uma decisão sobre segurança ambiental ou em saúde de um OGM, feita
pela CTNBio, só pode ser questionada pelo IBAMA ou pela ANVISA, em suas áreas
específicas de expertise, através de recurso ao CNBS.
É justamente esta decisão soberana sobre um aspecto
meramente técnico que dá a falsa impressão de que a decisão da CTNBio não pode
ser questionada. Além do IBAMA e da ANVISA, só o próprio CNBS pode adicionar um
parecer sobre o produto. Na verdade, este procedimento deveria ser rotina, pois
incorporaria os demais elementos da análise dos riscos (aspectos sócio-econômicos
e outros) à decisão final de comercialização, mas até agora o CNBS não o
adotou. Na prática, no caso de uma planta GM, os aspectos sociais e econômicos
da nova tecnologia são avaliados pelo MAPA. No caso de outros OGMs, a ANVISA
pode incorporar os mesmos aspectos antes de autorizar um produto baseado no
OGM, Por fim, o mercado determinará sua adoção em larga escala. Até agora esta “terceirização”
da atuação do CNBS tem funcionado bem: os produtos liberados não impactaram
negativamente a sociedade brasileira em nenhum aspecto relevante.
Outro questionamento feito por algumas organizações sociais
é a impossibilidade de qualquer organização ou um grupo delas pedir ao CNBS que
não aceite a avaliação dos riscos feita pela CTNBio ou que se reúna para considerar
outros aspectos envolvidos na comercialização de um OGM. De fato, este
mecanismo não existe. Mas a sociedade civil pode apelar para vários ministros e
pedir através deles uma reunião do CNBS. Isso pode ser feito de várias formas,
mas nunca foi tentado, até onde sabemos. Há uma razão importante para que a lei
não tenha previsto este passo: é que o legislador sabiamente entendeu que a
avaliação dos riscos é algo essencialmente técnico, complexo, e que exige
grande capacitação e uma equipe multidisciplinar de grande competência para que
seja adequadamente executada. O CNBS também entende isso e talvez seja esta a
razão pela qual não adiciona à avaliação de risco seu próprio parecer e, sim, confia
nos três principais atores no processo: A CTNBio, a ANVISA e o MAPA.
Em segundo lugar vem a
comunicação de riscos, um processo complexo de troca de informações que envolve
um grande número de atores. A comunicação dos riscos começa bem antes da
própria avaliação de riscos para a liberação comercial: a empresa informa à
sociedade, de várias formas, sobre o produto que está desenvolvendo, avalia
mercados, coleta opiniões. Da mesma forma, A CTNBio recolhe opiniões e
pareceres, trabalhos científicos e qualquer outra informação que possa
contribuir para a avaliação dos riscos. Depois da liberação do produto, vários
setores da sociedade continuam contribuindo para o esclarecimento da segurança
do produto, comunicando à CTNBio e aos órgãos de fiscalização. A comunicação de
riscos é muito importante para subsidiar uma correta gestão dos riscos.
A terceira parte da análise de
riscos é justamente a gestão de riscos. Ela não é função da CTNBio, exceto de
forma muito marginal. São os órgãos de fiscalização e controle que devem ter o
olhar atento aos OGMs comercialmente liberados. À CTNBio cabe apenas o
monitoramento de produtos, mesmo assim apenas daqueles que ela assim determine
e da forma como for decidido entre ela e a empresa detentora da tecnologia.
Parece muito, mas na verdade não é: os produtos até hoje liberados foram
considerados tão seguros quanto suas contrapartidas não-GM, o que transforma o
monitoramento numa busca sem base científica por efeitos adversos inesperados.
Esta busca, salvo comprovação contrária futura, nunca vai indicar dano não
previsto.
Em conclusão, terceirizar ou distribuir a função da CTNBio,
que é apenas a avaliação de risco, seria temerário e inadequado: não há nenhuma
instituição que possa fazer sozinha o papel da CTNBio; Dividir este trabalho
entre a ANVISA, o IBAMA e o MAPA seria criar uma complexidade extra
desnecessário, uma vez que estes órgãos estão representados na CTNBio. Esta
proposta é apenas uma peça bem montada pela oposição aos transgênicos para
tentar criar uma complexidade desnecessária ao processo de avaliação de risco,
levando o Brasil ao impasse na adoção desta tecnologia, como ocorre em outros
países.
Contribuição do Prof. Dr. Walter Colli
A Lei 11.205 de 24 de março de 2005 foi finalmente aprovada exatamente para corrigir Lei anterior que permitia interpretações dúbias sobre a que órgão caberia a responsabilidade final das análises de risco. A falta de rigor jurídico na antiga Lei provocava conflitos entre ANVISA, IBAMA e até o CGEN, de um lado, e a antiga CTNBio, de outro. A nova Lei dirimiu as dúvidas e estabeleceu sem sobra de dúvida que a análise de risco é de responsabilidade exclusiva da CTNBio. Querer voltar ao status quo ante é mais uma tentativa para confundir.