domingo, 15 de abril de 2012

O verdadeiro segredinho sujo das publicações científicas

Saiu na revista Nature 431:897 (2004), mas o assunto está longe de perder a atualidade, muito pelo contrário: recentemente comentou-se aqui a publicação de artigos científicos de má qualidade em bons periódicos (http://genpeace.blogspot.com.br/2012/03/vozes-isoladas-na-ciencia-quebra-de.html).

Ao editor de Nature

Vladimir Svetlov
(Depto. Microbiologia, Ohio State University, EUA)

Senhor.
Não posso, honestamente, partilhar da ansiedade gerada pela publicação de um artigo questionável sobre "planejamento inteligente" (intelligent design) - algo visto por muitos cientistas como uma versão do criacionismo - em um periódico com um fator de impacto inferior à unidade. Vosso artigo em News "Artigo revisado defende a teoria do planejamento inteligente" (Nature 431:114; 2004) sugere que a publicação de uma trabalho favorável à esta proposta seria uma vitória para o criacionismo. Pessoalmente estou é surpreso que demorou tanto para que algo do tipo acontecesse.

O trabalho mencionado não aporta novos argumentos, sendo trivial em tudo exceto por ter sido publicado. Apareceu em um periódico que, antes desta publicação, permanecia em merecida obscuridade. Os defensores do planejamento inteligente gostariam que acreditassemos que esta publicação é testamento da legitimidade científica de sua teoria, embora o editor da revista tenha se retirado e a revista declarado que o artigo não foi  "apropriado" (ver Nature 431:237; 2004).

Na minha opinião esta é mais uma prova da enorme proliferação de publicações científicas, resultando em uma inundação de artigos inconsequentes que aparecem nos milhares de revistas que existem na periferia da publicação científica.

Os editores e revisores de muitas revistas de baixo impacto não têm condições de oferecer a qualidade de análise que se obtém na Nature, Science, Cell e mais alguns poucos (muito poucos na verdade) periódicos estabelecidos. No entanto qualquer revista pode carimbar legitimidade à suas publicações pela adesão formal ao sistema de revisão pelos pares.

Vamos admitir - e este é o verdadeiro segredinho sujo das publicações acadêmicas - pode-se publicar praticamente qualquer coisa se descemos o bastante na lista de fatores de impacto. Há artigos em quantidade com problemas suficientemente escandalosos para reprovar seus autores nos exames intermediários de um curso de graduação. A única razão pela qual não estão sob holofotes é devido ao fato de que não lidam com a teoria do planejamento inteligente.

(tradução livre por Francisco G. Nóbrega, 12/04/2012)

Nota de F.G. Nóbrega:
Considero este texto de Svetlov uma preciosidade sobre o tema. Mas, faria um reparo importante: mesmo entre artigos publicados nas revistas de elite citadas aparecem anomalias importantes. Exemplos: a publicação de Benveniste (1988) sobre a suposta "memória da água" que daria base científica para a homeopatia, o "paper" de Andrew Wakefield (1998) sobre vacina e autismo na The Lancet, a publicação de Quist e Chapela (2001) na Nature sobre a alegada "contaminação genética" do milho crioulo do México com o gene Bt, todos artigos hoje completamente refutados e condenados. A lista é considerável e seria maior se somarmos os artigos onde as fabricações estão na origem da proposta, levando à retirada de muitos "papers" dos perpetradores, publicados em geral nas revistas de elite. Felizmente a tarefa coletiva da ciência costuma triunfar ao longo do tempo, atirando na lata de lixo da história da ciência falsidades e interpretações errôneas.

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