Recentemente a Terra de Direitos publicou um pequeno livro
intitulado Justiça e Direitos Humanos: Olhares críticos sobre o Judiciário em
2015, que está disponível em http://www.jusdh.org.br/files/2016/06/Anu%C3%A1rio-Jusdh-internet.pdf
. Um título assim estimula o leitor a baixar o pdf e ler com atenção. Mas a
leitura é frustrante.
Logo na primeira página do ensaio (pg 20) os autores dizem
que o Brasil mantém liberados transgênicos que foram banidos de outros países.
Dá a impressão que o país é irresponsável e expõe sua população a riscos. Mas
não é nada disso: todos as variedades de milho, soja e algodão transgênicas
aprovadas aqui também o foram pela maior parte dos países do Mundo que
analisaram a questão, e é por isso que podemos exportar para eles. Na Europa há
países que, em desrespeito à decisão da União Europeia (respaldada na avaliação
de risco de OGMs da EFSA), não permitem o cultivo de transgênicos, mas
espertamente importam milhares de toneladas de milho e soja transgênicos para
alimentar aves, porcos e ruminantes.
Ainda na mesma página, os autores do ensaio dizem que “
apesar das evidências dos malefícios”, os transgênicos continuam se expandindo.
Acontece que todas as academias de ciência do Mundo que já se pronunciaram
sobre a segurança dos OGMs, e todas as agências governamentais de risco de OGM,
são unânimes em dizer que o consumo de alimentos formulados com os transgênicos
é seguro e que eles não agridem o ambiente de forma diferente que as variedades
não transgênicas. As “evidências “ são um pequeno conjunto de trabalhos
científicos de metodologia extremamente deficiente e que procuram demostrar
danos à saúde ou ao ambiente derivados dos OGMs. O consenso científico, numa
maioria esmagadora de artigos, afirma a segurança dos OGMs.
Os autores classificam como retrocesso a aprovação de
variedades de milho tolerantes a novos herbicidas, mostrando que desconhecem a
importância do rodízio de tecnologias na manutenção das inovações no campo e na
redução de custos e de impactos ambientais maiores. Também consideram um
retrocesso a aprovação do eucalipto transgênico para crescimento mais rápido,
inteiramente desenvolvido no Brasil, demonstrando também que não compreenderam
a avaliação de risco deste cultivar e as vantagens econômicas e ambientais de
seu uso.
Também discutem a questão da rotulagem, que perde o sentido
quando a ciência em peso diz que os produtos transgênicos no mercado são
seguros e que a experiência assim o demonstra: em 20 anos de consumo por gente
e animais, não houve um único relato de problema associado, comprovado pelos
órgãos de saúde ou do ambiente. O brasileiro, na verdade, pouco se importa se o
produto é transgênico ou não, exceto um pequeníssimo grupo que, por ser
barulhento, parece maior do que é.
No início da página 22 os autores afirmam que as empresas “transnacionais”
que desenvolveram sementes transgênicas impuseram a tecnologia ao agricultor.
Mas não é nada disso: o agricultor adotou a tecnologia pelas suas vantagens, do
mesmo jeito que hoje todos temos celulares e quem não é analfabeto tem
smartphones. Ninguém impôs, é uma decisão do consumidor comprar ou não. Hoje fica
difícil comprar semente de milho e soja não transgênica em grande escala, mas
os poucos agricultores que decidiram permanecer convencionais têm sementes de
boa qualidade de produtores privados e da EMBRAPA.
Na mesma página os autores citam a Vandana Shiva, uma física
que levantou a bandeira do movimento anti-biotecnologia agrícola, mas que - dizem - cobra
10.000 dólares por uma palestra e só viaja em classe executiva. Segundo ela, só
haveria sustentabilidade na agricultura com o fim dos transgênicos. Mas nem no
texto nem em canto algum a Vandana demonstrou isso: são apenas palavras de
ordem, repetidas sem nenhum fundamento na agronomia ou na ciência.
Já o caso da Syngenta (a morte de um membro da Via Campesina numa invasão a empresa) é discutido ao longo de várias
páginas, mas sempre com um viés tão forte que não dá para entender como os
juízes negaram os pedidos da Via Campesina. A questão é complexa e deve ser
avaliada por juristas: como avaliador de riscos não quero me manifestar.
Entretanto, a história não muda em nada as conclusões de biossegurança
alcançadas aqui e no resto do Mundo pelas agências governamentais de risco.
Na conclusão do livro da Terra de Direitos percebe-se, finalmente, que o texto é apenas um
ataque à Syngenta e nada tem a ver, de verdade, com uma discussão série de
riscos dos OGMs.
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