A lei brasileira obriga a rotulagem dos transgênicos para
alimentação. Assim, a menos que seja mudada, ela deve ser cumprida. Se isso de
fato protege o consumidor de algum dano a sua saúde ou se o consumidor se interessa
pela questão, são as sementes para a discussão da lei e para a elaboração de
uma nova.
A questão central da rotulagem é a proteção ao consumidor. A
rotulagem obrigatória não está voltada a princípios religiosos, filosóficos ou
outros quaisquer. Assim, se temos a rotulagem de produtos kosher ou halal, por
exemplo (http://www.abiec.com.br/3_hek.asp),
ela atende aos que demandam um alimento
preparado de acordo com estes princípios religiosos, mas não é obrigatória e é
regulamentada, executada e em parte fiscalizada pelas entidades religiosas
respectivas (veja, por exemplo, http://judaismohumanista.ning.com/forum/topics/lan-ada-nova-rotulagem-oficial-para-alimentos-kasher).
A pergunta então é: a par das questões
filosóficas ou de temores fundados na percepção de riscos, acaso os alimentos
transgênicos que estão no mercado, de acordo com nossa legislação, representam
algum risco à saúde humana ou animal? A resposta, claramente, é: não.
Todos os organismos geneticamente modificados que estão no
mercado brasileiro foram avaliados e aprovados pelo órgão competente, isto é, a
CTNBio. Qualquer um pode discordar desta decisão, por várias razões, mas ela
coincide com a decisão de todos os demais órgãos similares no Mundo: a EFSA
europeia, o OGTR australiano, a FDA e o EPA norte-americanos, a agência
canadense e por aí vai. Sem uma única exceção. Isso dá à decisão brasileira um
enorme respaldo. As decisões de moratória têm sido sempre políticas, à revelia
da opinião técnica do órgão regulador. E as opiniões contrárias provêm em geral
de ativistas contra a biotecnologia ou de cientistas a eles alinhados (o
Séralini e seu grupo e mais dois ou três grupos similares).
Sabendo disso, podemos considerar os alimentos seguros.
Porque, então, rotular?
As dúvidas sobre a segurança que são em geral apontadas na mídia
foram rotineiramente analisadas pelos órgãos técnicos: potencial alergênico das
proteínas (estudo baseado em análise bioinformática) e estudos de toxicidade
(estudos baseados em digestibilidade enzimática e ensaios de toxicidade aguda).
Também as questões ambientais foram exaustivamente avaliadas (fluxo gênico e
fixação em espécies novas e variedades, toxicidade para insetos não alvo e
muitas outras) e os riscos, igualmente, foram considerados negligenciáveis (que
é um nome técnico para dizer “quase nulos”). Somando as avaliações de saúde e
ambientais, a conclusão para todos os OGMs até agora analisados é a mesma, aqui
e em outros países: o risco é muito pequeno, efetivamente nulo, quando
comparado à mesma planta não geneticamente transformada.
Por outro lado, uma parcela muito variável, porém em geral
pequena, entende o que significa o rótulo atual e literalmente ninguém saberia
dizer o que significam coisas como Agrobacterium tumefasciens, Bacillus
viridochromogenes e nomes complicados que, entretanto, deveriam estar no rótulo
por lei. Obviamente, além de ser desnecessário, um rótulo deste tipo implica em
aumento no custo: o produto tem que ser analisado por técnicas bioquímicas ou
genéticas caras e num mercado com mais de 40 transgênicos sendo vendidos,
qualquer rotulagem que obrigue a identificação de níveis e genes/proteínas vai
implicar em custos que serão repassados ao consumidor, encarecendo a cesta
básica. Na ausência de danos comprovados à saúde e de riscos concretos
identificados pelas agências de risco em todo Mundo, e na inexistência de casos
concretos de danos à saúde em animais e seres humanos após quase 20 anos de
consumo em imensas quantidades em quase todos os países do Mundo, a gente se
pergunta: é justo encarecer a cesta básica com informações que não estão
relacionadas a riscos concretos à saúde?
Em resumo: embora a percepção de risco indique que os
transgênicos podem ser perigosos como alimentos, a avaliação de risco indica o
contrário. Um país não deve tomar decisões em cima de percepções de risco, que
são muito variáveis de pessoa para pessoa e mudam também em diferentes
circunstâncias. A decisão tem que ser técnica, respeitando os princípios
científicos da avaliação de risco. Assim foi com as vacinas, a fluoretação da
água, a adição se sal no iodo e muitas outras coisas que são, até hoje,
combatidas por grupos mais ou menos amplos da sociedade em função de sua
percepção de risco. A obrigação legal de tal ou qual ação baseada nestas
percepções de risco traz sempre problemas financeiros, dentre outros, sem
contribuir um cêntimo para a saúde pública e a nutrição dos brasileiros.